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RESENHA: Williams: A Different Kind of Life

Acredito que muitos leitores aqui do Boletim do Paddock devem conhecer a trajetória de Francis Owen Garbatt Williams ou simplesmente Sir Frank Williams. Ele foi criado pelos avós após os seus pais se separaram, foi um menino pobre, um garoto problema e que via nas pistas uma escapatória e um grande sonho.

Incapaz de bancar a sua vida como piloto, já que era algo muito caro, Frank se tornou mecânico do amigo Jonathan Williams na Fórmula Júnior e começou a viajar pela Europa com a categoria. Com uma boa lábia começou a fazer contatos e reformava carros para vendê-los logo em seguida. Também era muito bom nesta arte de venda e teve compradores que nem tinham ideia que ficaram com o mesmo modelo de carro por muito tempo, com apenas algumas alterações.

Mas não é apenas sobre a sua história que eu gostaria de tratar hoje, mas sim sobre a Virginia Williams, uma grande mulher, que ficou nas sombras do marido por quase toda uma vida. Vocês já devem ter escutado por trás de um grande homem, existe uma grande mulher…

lll União

A pouco tempo do seu casamento, Ginny se apaixonou por Frank e naquele momento ela sabia que ele seria dela. Como uma adolescente ela tentava armar os encontros mais “improváveis”, ainda que fosse para ver ele apenas de longe. Ela admirava ele e foi assim até largar o marido para tentar alguma coisa com Frank Williams. Sem querer parecer desesperada ou que havia acabado de largar o marido para ficar com outro homem, ela simplesmente avisou para o Frank que tinha suco de laranja na nova casa dela e ele poderia ir lá sempre que quisesse.

Ele não bebia nenhum tipo de bebida alcoólica e amava suco de laranja.

Ginny sabia que a vida de pilotos e homens ligados ao automobilismo não eram nada fáceis, mas ela era praticamente uma pessoa devota ao amor que ela criou por Frank. Talvez cega por essa paixão, não se limitou a ajudá-lo na conquista dos seus sonhos. Vendeu a casa que vivia, passou a cuidar das finanças e contar todos os centavos para que a Williams continuasse nas pistas.

Com pouco dinheiro, ela não tinha como fornecer o melhor lar de todos e para ela era uma realização encaixar todas as peças que faltavam.

Fica nítido em Williams: A Different Kind of Life, livro dos relatos da própria Virginia, que ela só queria que Frank amasse a ela um pouco mais e que a reconhecesse com uma grande mulher que estaria ao seu lado em todos os momentos. Ela queria ter o marido em casa mais vezes e poder dividir coisas do seu dia-a-dia, mas Frank era o cara do autódromo.

Ninguém é perfeito, em uma vida de altos e baixos e ela pensou por duas vezes em se separar… Ele era simplesmente cabeça dura, um homem impecável no automobilismo, mas que não tinha a mesma dedicação em casa.

Ainda que com todo o carinho e cuidado, Frank era o tipo de homem que se importava mais com os carros e com as corridas, do que com a própria família. As vezes estar com ele, era estar mais sozinho ainda, pois certamente apenas o corpo dele estava ali e a mente vagando por outros tantos lugares.

Foi ele quem a pediu em casamento, depois de enrolá-la por muito tempo, quando ela já estava na segunda gestação, após ter perdido um primeiro bebê. Eles queriam ficar juntos, mas não tinham como fazer uma festa de casamento e assim como Frank que não media esforços gastando todo o dinheiro que conseguia com os carros, ela tomou a liberdade de arranjar algum dinheiro que fosse suficiente para comprar a aliança que ela usaria pelo resto da vida.

Desligado ou ainda com o seu tipo que não sabia muito bem lidar com as coisas, Frank foi até o cartório, oficializou o casamento e deu no pé pouco tempo depois para retornar ao autódromo, deixando Ginny com alguns amigos “comemorando” o dia da união deles.

Ginny talvez fosse a metade mais sensata do relacionamento deles e ajudou a Williams tanto financeiramente, com a mesada que recebia e com os seus conselhos… Ela era a pessoa consultada quando precisava conhecer alguém melhor. Ela sabia reconhecer o tipo de personalidade e se era confiável ou não com uma pequena conversa e observação. Quando Frank queria uma opinião sobre alguém, era ela que ele escutava. Vários pilotos passaram pela análise de Ginny.

lll Acidente

Em 06 março de 1986 quando deixava o autódromo de Paul Ricard na pré-temporada e retornava para casa, Frank apenas pediu para que Ginny fizesse o seu prato favorito… macarrão. Depois de longas horas trabalhando era isso que ele gostava de comer para se sentir bem.

Ginny com seus filhos em casa, não tinha ideia que ele estava para sofrer um acidente, mas conhecia o marido muito bem… Frank gostava da velocidade e curtia ela em qualquer pedaço de asfalto, seja com um carro ou como maratonista.

Vocês devem se lembrar do momento exato quando alguma coisa te tirou o chão. Eu me lembro do dia em que a minha mãe deixou a minha casa e foi para um hospital entre a vida e a morte, a Ginny também se recordava de tudo que fez naquele dia, quando recebeu a ligação que informava sobre o acidente de Frank.

Ela se recordou de estar fazendo o macarrão e das palavras dele avisando ela que estava voltando para casa. O telefone tocou mais uma vez. Não era ele. Mas ela descobriu que ele não voltaria naquele momento. Ela se lembrou dos filhos do que exatamente eles tinham feito durante todo aquele dia… Passou pela cabeça dela que a coisa não era boa mas ele estava consciente. Ela descobriu pouco tempo depois naquela ligação que Patrick Hard estava indo para a casa dela e que pouco tempo depois ela dependia das informações, que o telefone tocasse mais algumas vezes, para saber pelo o que Frank estava passando.

Ela foi para a França depois que Bernie Ecclestone requisitou a sua presença…

Ela entrou em uma sala com Nigel Mansell, Nelson Piquet, Patrick Head e os médicos e precisou ser forte, não queria chorar na frente daqueles homens fortes. Ginny descobriu o que havia acontecido com Frank, em francês, tentando absorver o máximo de informação, em uma língua que ela tinha tido contato apenas quando ainda era adolescente.

Logo depois ter entendido que o seu marido havia quebrado o pescoço e que não voltaria a andar, Ginny foi ao encontro do homem irreconhecível que ele havia se tornado. Não só pelas máquinas ligadas, mas pelo inchaço e a deformidade que o corpo dele havia “absorvido” em tão pouco tempo.

Ali começava a luta dela para se manter forte e a busca por criar uma estrutura em volta dela. Amparar as crianças e cuidar do marido.

Frank queria saber se ela sentia a mão dele quando ele tentava mexer e ela tinha medo de dizer a verdade, em seu primeiro contato com ele.

Frank não perguntava se seria assim para sempre, ele não sabia pronunciar tetraplégico, ele não queria parar, mas os médicos diziam para ela que não tinha mais jeito e que bastava ela pedir o desligamento dos aparelhos que o mantinham vivos.

Ela certamente não queria perder ele e cercada de força de vontade, mesmo arriscando a vida dele, pediu a transferência para o hospital de Londres, na busca por manter ele vivo.

Mesmo cercada de ajuda, de enfermeira e cuidadores, ela aprendeu a cuidar dele e Frank dizia que preferia os cuidados dela, porque ela tinha mais jeito… mas na verdade era carinho e amor. Ela aprendeu a aspirar para tirar a secreção que ficava no pulmão e tentar buscar um alivio na sua respiração. Eu sei como é isso também, minha mãe assim como Frank utilizou a traqueostomia e a gastro, para se alimentar. Uma pessoa que fica muito tempo deitava sem movimentos, acumula muitas secreções, os problemas surgem, as infecções…mas principalmente as dores por todo o corpo. Bem… os procedimentos invasivos são uma alternativa para mantê-los vivos.

Nas noites em que ela passou ao lado de Frank no hospital, ela se recordava que o entardecer era o momento mais crítico, era a sensação da morte chegando, do silêncio e do abandono. Parecia que era o momento em que as pessoas eram levadas… ela ficava atenta a cada balançar do peito dele, pedindo para que mais um dia chegasse para os dois. Mais uma vez eu faço um adendo aqui, porque pra mim essas sensações se misturam, quando eu acabei presenciando isso, ao longo dos três anos que a minha mãe ficou internada no hospital.

O tempo foi passando e Ginny passou a se sentir sozinha, os amigos se afastaram, eles não entendiam o que é o cuidado ou aquela promessa que eles fizeram, na saúde e na doença até que a morte os separe. Muitas pessoas não entendem o porquê de fazer isso e falam “você tem a sua vida, vá viver ela”, quando a cabeça está junto com uma pessoa que está no hospital, lutando pela vida.

Assim como Frank ela batalhou para que ele ficasse bem… ela fez o possível quando ele queria voltar para casa… “Me leve para casa Ginny” e foi dessa vez que ela percebeu que ele queria a casa dele, que ele precisava estar com a família.

Mesmo cercado pelas crianças que puras ainda não mostravam se questionar sobre o pai ter perdido os movimentos… Frank na verdade sentiu falta do seu labrador, quando retornou para casa e ele não o reconheceu mais. O cheio havia mudado, a fisionomia, os costumes… o animal que a muito tempo não o via, nem chegava perto, não sabia mais quem ele era. Ele sentiu falta do amigo, do companheiro das corridas e daquele que dava o amor sem cobrar nada.

Frank passou a se sentir inútil e foi quando a invalidez talvez tenha o tocado mais profundamente.

Com o passar do tempo a casa que Ginny achava ser suficiente para ele, não era… ele sentia falta do autódromo, das pistas e das corridas e principalmente viver a fase mais brilhante da Williams.

Frank queria se sentir útil de novo, mas antes de retornar as pistas de vez ele precisava mostrar que ainda estava por dentro de tudo o que acontecia na equipe e tratou de ir ao GP da Grã-Bretanha de 86, mesmo que participando apenas da sexta-feira de treinos, essa foi a primeira aparição pública.

Mas foi Ginny quem representou a Williams no pódio daquela corrida, que contou com uma dobradinha de Nigel Mansell e Nelson Piquet. Com um gesto de “é isso aí” Ginny mostrou para o que a Williams tinha vindo.

Fonte: Williams F1

Com o passar do tempo, Frank voltou à ativa, com o seu telefone adaptado conseguia fazer as suas ligações e se sentir necessário de novo. Com uma logística grande por trás, voltou aos autódromos e corridas, ele queria estar lá.

Mas em casa, o Frank de antes voltou a tomar conta. O cara fechado, longe dos outros voltou a reinar.

Ginny não sentia falta apenas do sexo, o que pra muitos é uma parte importante do relacionamento, mas ela queria ter o marido, a presença dele o carinho e principalmente um tempo para ela, onde ela não necessitasse mais ser uma cuidadora… ela queria ser mulher.

Foi quando ela tomou a decisão de arrumar uma casa em Londres, já que os filhos estavam encaminhados na escola. Ela queria o espaço dela. Após se mudar ele queria estar com ela e com poucos dias de distância, Ginny queria apenas uma folga, mas não poderia viver sem Frank.

É como ela diz: “Eu queria morrer nos braços dele”. Ela era movida por um amor tão grande, uma cumplicidade, ela queria que Frank Williams a amasse um pouco mais…

Após falecer em 2010 de câncer, Frank quase não voltava para casa, a mulher brilhante que ele tinha ao lado, não estava mais lá, não fazia mais sentido para ele, retornar para um lugar que não tinha mais ninguém esperando, ainda que em muitos momentos da vida dele, ele tenha deixado ela em casa sem saber quando voltaria.

O que Ginny mais sentia falta, era que as pessoas quisessem saber como ela estava, se ela tinha coisas dela para contar… ela sentia falta de atenção… ela e Frank se tornaram um só, desde o primeiro momento da união deles, mas ela sentia falta de ser apenas Virginia.

Nesta história, o que mais doí é ela não ter conhecido a dimensão do amor que ele tinha por ela, ainda que não fosse tão explicito e o reconhecimento dela só ter acontecido, anos após a sua morte.

Ele vem quando a gente olha a foto do GP da Grã-Bretanha de 1986 e também no momento que nós mergulhamos no sentimento desta mulher, após ler as suas memorias.

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Debora Almeida

Jornalista, escrevo sobre automobilismo desde 2012. Como fotógrafa gosto de fazer fotos de corridas e explorar os detalhes deste mundo, dando uma outra abordagem nas minhas fotografias. Livros são a minha grande paixão, sempre estou com uma leitura em andamento. Devoro séries seja relacionada a velocidade ou ficção cientifica.

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