Não tem como falar em automobilismo na Grã-Bretanha sem incluir Brands Hatch na história. Esse centenário circuito começou como uma pista de ciclismo. Nos anos 1920, Ron Argent fazia uma pausa em sua longa pedalada em uma fazenda perto de Londres. Ao ver o formato ovalado da pista, Argent achou o lugar perfeito para treinar. O local servia como uma base de treinamento militar e depois de conseguir permissão para usar o local, a fazenda se tornou ponto de encontro dos ciclistas aos finais de semana e em 1926, aconteceu a primeira competição no local.
Os motociclistas foram os próximos a aparecerem para usar a nova pista, mas as competições e treinos tiveram que ser suspensos durante a Segunda Guerra Mundial, já que Brands Hatch foi utilizado pelos militares como estacionamento. O local também sofreu com os bombardeios e precisou ser reconstruído depois da Guerra, mas logo voltou a receber as competições de motovelocidade.
Vendo o sucesso que a pista fazia, foi criada em 1947, a empresa Brands Hatch Stadium Ltd, que passou a gerenciar o circuito e nesse mesmo ano, o canal BBC transmitiu pela primeira vez uma corrida de motociclismo, mostrando o sucesso que as competições no circuito faziam.
Em 1950, a empresa que administrava o local foi convencida que era melhor pavimentar a pista, para que os carros também pudessem competir e no dia 16 de abril de 1950, cerca de 7 mil espectadores foram a Brands Hatch para ver Don Parker vencer a primeira das dez corridas disputadas naquele dia pela F3 500cc, a primeira categoria a andar no circuito. Outro piloto que participou da corrida foi Stirling Moss, que em junho do mesmo ano venceu as cinco corridas disputadas na etapa.
Com o sucesso do automobilismo, a imprensa começou a se interessar ainda mais pela pista e pelas competições. O circuito respondeu a esse interesse, fazendo melhorias tanto para os pilotos quanto para o público, como linhas telefônicas ligando os fiscais com o centro de controle, a colocação de arquibancadas, além da construção de um hospital.
Em 1954, foi feita a mudança na direção da pista, que até então era no sentido anti-horário. O circuito passou a receber provas de monopostos e também de motociclismo e com espaço para expansão, a pista ganhou o trecho Druids, além de uma área de boxes e mais arquibancadas.
Mas a maior mudança viria em 1960, com a expansão da pista, deixando o circuito com dois tipos de traçados: o Indy, que seria o traçado original, com 1,995 km e o Grande Prêmio, que contava com a parte estendida, com 4,265 km. Para marcar a inauguração dessas melhorias, foi feita uma corrida não-oficial da F1, em 1960, vencida por Jack Brabham, correndo pela Cooper, depois que o líder da prova, Jim Clark, abandonou com problemas no câmbio.
Em 1961, a Grovewood Securities, uma empresa imobiliária, comprou as terras onde o circuito estava. Poderia ser o fim de Brands Hatch, mas ao invés de destruir o circuito para construir casas, a empresa criou uma subsidiária, a Motor Circuit Developments, para gerenciar o circuito. Todas essas mudanças fizeram com que o circuito recebesse em 1964, seu primeiro GP da Grã-Bretanha, corrida que passou a alternar com Silverstone e foi vencida por Jim Clark. Outra competição que passou a ser realizada em Brands foi a Race of Champions, feita em duas baterias de 40 voltas cada, com a primeira edição tendo a vitória geral de Mike Spence, que também venceu a segunda bateria, enquanto que Jim Clark venceu a primeira.
Mas a pista apresentava um grave problema: a curva Paddock Hill Bend, que entre 1965 e 1966, vitimou os pilotos George Crossman, Tony Flory e Stuart Duncan. Em 1971, a morte de Jo Siffert foi a gota d’água para que o circuito passasse por melhorias, que só vieram em 1976, alterando a Paddock Hill e a curva Bottom Straight, renomeada Cooper Straight, além de ter barreiras instaladas por todo o circuito.
Brands Hatch continuou a receber corridas de várias categorias e em 1980, o circuito entrou para a história por presenciar a primeira vitória de uma mulher em uma competição ligada à F1. Na época, era realizada a Aurora British F1, que durou apenas quatro temporadas e a sul-africana Desiré Wilson venceu a etapa em Brands Hatch, fazendo também a volta mais rápida e terminando o campeonato daquele ano na 6ª colocação, apesar de não ter disputado todas as etapas.
O circuito também viu um jovem Ayrton Senna estrear em monopostos, no dia 1º março de 1981, quando o piloto brasileiro fez sua primeira corrida na F- Ford 1600, chegando em 5º. Duas semanas depois, em 15 de março de 1981 e pilotando uma Van Diemen RF81, Senna venceu a etapa da Townsend Thoresen debaixo de chuva, a primeira das 12 vitórias do brasileiro entre os campeonatos da Townsend Thoresen e da Race of Champions daquele ano. Para os ingleses, a alegria foi ver Nigel Mansell conseguindo sua primeira vitória na F1, durante o GP da Europa de 1985.
Em 1986, um acidente com vários carros durante a prova de F1, feriu Jacques Laffite, que teve as duas pernas quebradas. Se a realização de corridas da F1 já estava ameaçada, o acidente contribuiu para que a categoria optasse por ficar apenas em Silverstone. A justificativa para a escolha era que Brands Hatch não tinha espaço para expandir, principalmente ampliar suas áreas de escape, ao contrário de Silverstone. Com a FISA optando por fazer contratos longos, Brands Hatch perdeu a oportunidade de permanecer no calendário da F1.
A partir daquele ano, a categoria mais alta que Brands Hatch recebeu foi a F3000. Mas mesmo com algumas mudanças no traçado, como na Westfield Corner, que buscavam trazer mais segurança, o circuito ainda enfrentava problemas em alguns pontos do traçado, como na Dingle Dell, que sem área de escape, ganhou uma chicane. O problema é que com a chicane, os carros entravam às cegas na curva e um grave acidente em 1988 colocou dois pilotos no hospital. A categoria parou de competir em Brands Hatch em 1992 e o circuito passou a receber a World Superbike.
Novas reformas foram feitas nos anos 1990, com algumas curvas sendo remodeladas e em 2003, a chicane da Dingle Bell foi retirada para a criação de uma nova curva, chamada de Sheene.
Em 2004, o circuito foi vendido para a MotorSport Vision, grupo formado por Jonathan Palmer, que correu na F1 entre 1983 e 1989. Com a nova administração e as melhorias feitas no circuito, Brands Hatch recebeu a aprovação para receber a WTCC e a DTM. Atualmente, além delas, o circuito também recebe etapas da British Touring Car, British Superbike, British F3, British Truck, British GT, Britcar Endurance e W Series, além de ter recebido em 2003, uma etapa da CART (hoje Indycar). Mas todas as competições acontecem com um porém: o circuito só pode ser usado com limite de tempo, para que o barulho não incomode os vizinhos perto da curva Clearways.
Nas 14 corridas de F1 disputadas no circuito (12 GP da Grã-Bretanha e 2 GP da Europa), Niki Lauda é o piloto com mais vitórias, com 3, seguido por Nigel Mansell, com duas. Em número de pódios, os dois pilotos também estão na liderança, com Lauda conseguindo 4, enquanto que Mansell se junta a Nelson Piquet, com 3 pódios cada.
No total, 34 pilotos britânicos correram em Brands Hatch, com os pilotos da casa somando duas vitórias, com Jim Clark vencendo a corrida inaugural e Nigel Mansell as duas últimas disputadas no circuito. E sete pilotos britânicos, Nigel Mansell, Graham Hill, John Watson, Jim Clark, John Surtees, Jackie Stewart e Derek Warwick, conquistaram pódios nesta pista.
Entre os brasileiros, sete pilotos já correram em Brands Hatch. O primeiro a correr no circuito foi Emerson Fittipaldi, em 1970, sendo sua estreia na F1. Depois vieram Wilson Fittipaldi, Carlos Pace, Nelson Piquet, Chico Serra, Raul Boesel e Ayrton Senna. Os únicos que venceram no circuito foram Emerson Fittipaldi, em 1972, e Nelson Piquet, em 1983, enquanto Senna conquistou dois pódios.
E não só de automobilismo viveu o circuito. Em 2012, Brands Hatch foi ponto de largada e chegada para algumas provas de ciclismo de estrada das Paralimpíadas. Alessandro Zanardi, que competiu pela primeira vez no circuito em 1991, correndo pela F300, levou a medalha de ouro nas provas de H4 do contra-relógio e de estrada.