O circuito de Interlagos, em São Paulo, já presenciou disputas acirradas por título, vitórias espetaculares e muita emoção nestes mais de 80 anos de existência. A história do circuito começa em 1926, quando o engenheiro britânico Louis Romero Sanson, dono da Auto-Estradas S.A., resolveu construir um resort entre as represas de Guarapiranga e Billings.
O urbanista francês Alfred Agache foi convidado para se juntar ao projeto e viu nessa região, uma semelhança com Interlaken, uma cidade resort na Suíça, que também fica localizada entre dois lagos. Foi assim que o projeto para criar este resort, destinado às classes mais altas, começou a ganhar forma.
O resort teria um hotel, praia artificial e um autódromo e seria uma alternativa de moradia fora do centro da cidade, a localidade preferida para se morar na época. Foi de Sanson a ideia da construção do aeroporto de Congonhas e das Avenidas Washington Luís e Interlagos, que ligariam o aeroporto à região do projeto.
Tudo ia bem até a crise de 1929 nos Estados Unidos e a revolução de 1932 estourarem e jogarem um banho de água fria no projeto.
Enquanto os planos do autódromo ficaram arquivados, as corridas passaram a ser feitas nas ruas de São Paulo. Em 1936, uma prova internacional foi realizada na cidade, mas durante a corrida, a pilota Hellé-Nice perdeu o controle do carro e atropelou um grupo de pessoas, matando cinco e ferindo mais de 30. Foi o incentivo para que o projeto de Interlagos saísse da gaveta.
O Automóvel Clube do Brasil passou a ser o corresponsável na elaboração do projeto e a construção do circuito foi a prioridade. O traçado foi inspirado nas pistas de Indianápolis, nos Estados Unidos, Brooklands, na Inglaterra, e Montlhéry, na França e as obras do circuito começaram em 1938. Em 16 de abril de 1939, Manoel de Teffé, junto com um grupo de pilotos, pode ter um gostinho da pista, por mais que o circuito ainda estivesse em obra.
No começo de 1940, uma prova foi realizada, com o circuito ainda sem estar totalmente pronto, que foi marcada pela primeira morte na pista, com Joaquim Simões Souza falecendo em um acidente durante os treinos.
A inauguração oficial foi sendo adiada até que finalmente, no dia 12 de maio de 1940, cerca de 15 mil pessoas compareceram para assistir à primeira corrida oficial no autódromo. Primeiro aconteceu uma corrida de motociclismo, vencida por Hans Ravache e só depois os carros tomaram a pista, com o vencedor Artur Nascimento Júnior completando as 25 voltas da corrida em 1 hora, 46 minutos e 44 segundos.
Mas sem dinheiro para construir o resto das instalações, o circuito foi aberto sem arquibancadas, boxes, guard-rails (após a curva 1, um bosque de eucaliptos sem qualquer proteção era um risco para os pilotos), lanchonetes, banheiros, torre de cronometragem e de transmissão.
Mesmo incompleto, Interlagos foi aprovado para receber corridas do Automóvel Club do Brasil. O circuito tinha duas opções de traçado: a menor utilizava um anel externo e tinha 3.250 metros, enquanto que o traçado completo, que incluía também o miolo de 4.750m, tinha 7.960m de extensão.
O circuito, construído na parte de baixo do terreno, para dar ao público na parte de cima uma visão de quase toda a pista, tinha uma diferença para os traçados do resto do mundo: os carros corriam no sentido anti-horário.
No final de 1967, o autódromo foi fechado para reformas, que duraram mais de dois anos. No dia 29 de fevereiro de 1970, sem ainda estar totalmente pronto, o circuito foi reaberto com uma corrida do Campeonato Internacional de Fórmula Ford, com a vitória de Emerson Fittipaldi, ainda em começo de carreira. Mas apesar das novas reformas, que trouxe novos boxes e arquibancadas, o autódromo ainda precisava de mais melhorias se quisesse receber a F1. Por isso, em 1971, o circuito passou por mais uma reforma, que entre várias melhorias, colocou zebras na pista, alambrado nas áreas dos boxes e a construção de um edifício para abrigar as transmissões de rádio e televisão. Em outubro daquele ano, uma corrida extra-oficial de Fórmula 2, vencida por Emerson Fittipaldi, trouxe a homologação que o autódromo precisava para finalmente receber a F1.
Finalmente, no dia 30 de março de 1972, a F1 desembarcou em Interlagos. A primeira corrida da categoria em terra paulistanas ainda não era oficial e nem todas as equipes vieram, mas não deixou de ser um sucesso entre o público. A corrida foi vencida por Carlos Reutemann, seguido de Ronnie Peterson e pelo brasileiro Wilson Fittipaldi Jr.
Mas a corrida de 1972 era só um aquecimento para o ano seguinte, quando no dia 11 de fevereiro de 1973, Interlagos passou a fazer parte do calendário oficial da F1 e o público presente pode ouvir o hino brasileiro ser tocado no pódio, com a vitória de Emerson Fittipaldi. Jackie Stewart e Denny Hulme completaram o pódio.
As provas em Interlagos foram até 1977, quando o circuito perdeu a posição para Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em 1978. Para os anos de 1979 e 1980, a F1 voltou a disputar suas corridas em Interlagos, mas sem verbas para manter o circuito nas condições exigidas pela FIA, as corridas voltaram para o Rio de Janeiro.
Sem a F1, restou ao circuito receber categorias como Fórmula Ford, 2 e 3, Super Vê, Fórmula VW, Turismo e Stock Car.
Interlagos foi renomeado Autódromo José Carlos Pace em 1985, em homenagem ao piloto que faleceu em 1977, em um acidente de avião e que venceu a corrida em 1975. Em 1989, o Rio de Janeiro não conseguiu mais continuar recebendo a categoria por falta de verbas e São Paulo não perdeu a chance de tomar a corrida de volta. Com a prefeitura da cidade agindo junto com a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), a F1 fechou um acordo para manter o GP do Brasil, com a corrida sendo disputada em Interlagos. Mas para isso, o autódromo passou por mais uma reforma, como a construção de novos boxes e da torre de controle.
Entretanto, a mudança principal se deu em decorrência do traçado. Os 7.960 metros eram demais para os padrões adotados naquela época e a pista foi reduzida até chegar em 4.325 metros. O maior problema estava nas curvas 1 e 2, que Bernie Ecclestone queria fora do traçado, para assim inutilizar a parte oval do circuito e impedir provas da Indy. Foi então que Ayrton Senna sugeriu um S, ligando a curva 1 com a Curva do Sol, idealizando uma sequência de alta velocidade, para ser feita no mínimo em quarta marcha. O resultado, no entanto, saiu completamente diferente do imaginado pelo piloto, se tornando uma das freadas mais fortes da F1. A curva acabou ganhando o nome de S do Senna, outra decisão que desagradou o tricampeão, que queria homenagear Chico Landi, primeiro brasileiro a correr na F1 e que trabalhou como diretor do Autódromo até 1985.
A reinauguração aconteceu com o GP do Brasil, em 23 de março de 1990, em uma corrida vencida por Alain Prost e com Senna subindo ao pódio em terceiro, apesar de ter largado na pole.
No ano seguinte, Senna se redimiu com uma vitória dramática. Durante a corrida, o brasileiro foi perdendo as marchas de sua McLaren, até ficar apenas com a 6ª. Apesar da dificuldade, que foi aumentada pela chuva que começou a cair no final da prova, Senna conseguiu completar as últimas voltas da corrida e cruzar a linha de chegada para finalmente vencer em casa, para delírio do público e do piloto, que comemorou muito dentro do carro. Era a 8ª corrida de Senna no Brasil, conseguindo dois pódios antes da tão sonhada vitória, que se repetiria em 1993.
Pelo esforço feito para levar o carro até o final, Senna terminou a corrida com espasmos musculares e cãibras no pescoço e ombros, o que o impediu de completar a volta de desaceleração. O piloto teve que ser retirado do carro pela equipe médica e quase não conseguiu levantar o troféu no pódio.
Durante os anos, o autódromo passou por diversas reformas, que aumentaram a capacidade do público. Em 2000, um recapeamento na pista mudou seu comprimento, passando a ter 3.309 metros, mas sem alterar o traçado.
O autódromo foi palco de momentos memoráveis. Além da primeira vitória de Senna no Brasil, o público se emocionou com a disputa do título de 2008, entre Felipe Massa e Lewis Hamilton. Com um final dramático, debaixo de chuva, Massa venceu a corrida, mas quem levou o título foi Hamilton, que na última curva, conseguiu a ultrapassagem que lhe garantiu o campeonato por um ponto de vantagem.
Massa ainda seria protagonista de dois momentos emocionantes. O primeiro foi em 2016, quando o piloto bateu durante sua última corrida em casa pela F1. Ao voltar para os boxes, enrolado em uma bandeira do Brasil, foi recebido com aplausos pelos mecânicos das demais equipes e caiu no choro, junto com todo mundo que assistiu a cena, seja ao vivo ou pela televisão.
Ganhando mais uma chance de disputar uma temporada pela Williams, Massa se despediu mais uma vez em 2017, com direito a uma mensagem especial de seu filho, Felipinho, pelo rádio da equipe após a prova.
Outro piloto que vem se destacando em Interlagos é Max Verstappen. Em 2016, com apenas 19 anos, o holandês saiu de 11º após um pit stop adicional e foi ultrapassando todos os adversários, até chegar ao pódio, em uma corrida feita debaixo de chuva forte. Em 2018, outro show do piloto da Red Bull, que só perdeu a corrida após um toque com Esteban Ocon, que tentava não levar uma volta do líder, tendo que se contentar com o segundo lugar.
Em 2019, Verstappen, que tem Interlagos como uma de suas pistas favoritas, brilhou novamente na pista e finalmente conquistou sua primeira vitória no autódromo, depois de ter feito a pole. A corrida teve um final emocionante e culminou com Pierre Gasly e Carlos Sainz subindo ao pódio pela primeira vez. E a celebração de Sainz foi inusitada: o piloto da McLaren terminou em 4º, mas após uma punição dada a Hamilton, herdou o 3º lugar. Mas os troféus já tinham sido entregues e a cerimônia de premiação terminada. Restou ao piloto espanhol subir ao pódio para comemorar junto com vários membros da equipe McLaren, algo inédito na F1.
Interlagos também é especial para Carlos Pace (1975), René Arnoux (1980) e Giancarlo Fisichella (2003), que conquistaram nesta pista suas primeiras vitórias na F1.
E depois que a corrida, que sempre foi uma das primeiras da temporada, foi passada para o final do calendário em 2004, cinco pilotos, Fernando Alonso (2005), Kimi Raikkonen (2007), Lewis Hamilton (2008), Jenson Button (2009) e Sebastian Vettel (2012), conquistaram seus títulos em Interlagos.
Entre os vencedores, Michael Schumacher é o piloto com mais vitórias, tendo subido ao degrau mais alto do pódio em 4 ocasiões, com Sebastian Vettel logo atrás, com 3, número que pode ser igualado por Lewis Hamilton, que tem duas vitórias no Brasil.
Em número de pódio, Schumacher novamente encabeça a lista, com 10, seguido de Fernando Alonso com 8 e Kimi Raikkonen com 7.
Entre os brasileiros, 25 já correram em Interlagos, com Ayrton Senna, Emerson Fittipaldi e Felipe Massa empatados com 2 vitórias, enquanto José Carlos Pace tem uma. Já Rubens Barrichello, apesar de ter feito a pole 3 vezes nas 19 corridas que disputou na pista paulistana, só conseguiu um terceiro lugar na corrida de 2004, enquanto que Felipe Massa é o brasileiro com mais pódios, com 5.
Depois de ter a etapa de 2020 cancelada por conta do COVID-19, Interlagos se viu provisoriamente fora do calendário, já que o contrato com a pista acabava naquele ano e o autódromo enfrentava a concorrência de um circuito no Rio de Janeiro, que seria construído para a etapa de 2021. Como o projeto no Rio enfrentou vários problemas para sair do papel, Interlagos acabou ganhando um novo contrato, que deixará a F1 em São Paulo pelos próximos anos.
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