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A Batalha de Dijon

Este texto foi publicado há exatos dois anos, em uma coluna que teve vida breve porém divertida chamada Efemérides da Semana, lá no Podcast F1 Brasil. Eu sei que parece ser roubo usar um texto já pronto, mas:

1º Foi um dos poucos que escrevi do qual gostei de imediato, e que sobreviveu às releituras;

2º Roubar de si mesmo não é exatamente um crime federal.

Isto posto, segue o post.

Ok, sejamos sinceros: você é um cabeça de gasolina. E, como todo representante deste povo maluco, posso garantir que, quando ouve falar de:

– Dijon, não lembra imediatamente da mostarda ou do Kir-Royale;

– Jean-Pierre Jabouille, talvez não ligue o nome à primeira vitória turbo da história;

– 1979, sua primeira recordação não é o ano de nascimento de Jennifer Love Hewitt, Kate Hudson ou Rosario Dawson (ou, se preferir, Channing Tatum, Adam Levine ou Aaron Paul);

– Grande Prêmio da França, que nesse ano aconteceu no dia 1º de julho, não lembra de mais nada além dA Batalha; talvez até demore um pouco para poder dizer quem ganhou, ou qual posição valia.

Então, não espere grandes novidades no artigo desta semana. O que eu vou contar aqui está gravado no fundo do seu cérebro, quem sabe até ocupando o espaço que o faria lembrar de sua data de aniversário de casamento, ou da resposta àquela questão que lhe faria passar na prova. Vamos voltar à batalha de Dijon, aos minutos em que os corações de todos os presentes no circuito francês esqueceram de bater e ninguém percebeu.

Um pouco de contexto: o GP de Mônaco (vencido por Jody Scheckter, que se tornaria campeão mundial aquele ano) aconteceu no final de maio. Após aquela corrida, James Hunt anunciou que aquela vida de ganhar salário e gastar com bebida, mulheres e carros velozes estava muito desgastante e abriu mão do salário, abandonando a Fórmula 1 e sendo substituído por Keke Rosberg. Os suecos Ronnie Peterson e Gunnar Nilsson estavam mortos – o primeiro depois de um acidente em Monza e o segundo de câncer – e a falta de dinheiro havia cancelado o GP da Suécia. Então, depois de um intervalo de cinco semanas, teríamos uma corrida, agora na França.

E o vento parecia soprar a Marselhesa, ou La Vie En Rose. Desde Silverstone, em 1977, a Renault vinha correndo com motores turbo contra os aspirados das grandes escuderias, porém sem muita alegria. Se as máquinas eram encapetadas e atingiam velocidades assustadoras, a dificuldade em administrar o lag e principalmente a (pouca) confiabilidade dos mesmos os impedia de se impor, com vitórias fatalmente se dissolvendo no ar em meio à fumaça branca que apelidava os carros de “chaleiras amarelas”. Só que, naquele ano os RB10 estavam mais robustos, e a equipe francesa tinha dois pilotos: Jean-Pierre Jabouille e René Arnoux.

Ou seja, recapitulando: equipe Renault (francesa), dois pilotos franceses, motor que fazia biquinho, pneus Michelin, combustível Elf… Não foi à toa que “les têtes de l’essence” (merci, traducteur Google) lotaram o circuito. Estima-se que mais de 100.000 pessoas estiveram lá, testemunhando um dos momentos mais impressionantes do esporte a motor. Até o clima deu aquela ajudada: depois de um sábado de sol e calor, que viu uma dobradinha Jabouille-Arnoux na primeira fila (na sequência, tínhamos Villeneuve, Piquet, Scheckter e Lauda), no domingo o tempo estava nublado e fresco, ou seja, clima turbo.

Mas um outro francófono queria jogar Perrier no baguette: Gilles Villeneuve sabia que seu motor Ferrari não era páreo para os Renault num circuito de pura velocidade, mas não se intimidava. “Três ou quatro pontos não me interessam hoje. Estou aqui para a vitória”, disse no domingo de manhã; “sei da importância de um bom começo, e tenho que achar alguma forma de ao menos separar as Renault na primeira volta”.

E, na largada, foi além: pisou fundo no da direita, puxou de lado e fez a primeira curva na frente. Jabouille tinha largado até bem, mas não tracionou direito. Pior fez Arnoux, que caiu para nono lugar. O canadense sabia que tinha que abrir a maior vantagem possível, e fez voltas matadoras na sequência, sendo acompanhado de longe por Jean-Pierre. Mais atrás, a outra Renault vinha recuperando terreno. No final da segunda volta Villeneuve abria dois segundos na liderança, mas Arnoux já tinha passado Alan Jones e Jacques Laffite. Na volta seguinte, deixou Lauda para trás. Na volta dez, estava em quarto lugar, e na 15 era o terceiro, após ultrapassar a Ferrari do sul-africano.

Gilles continuava mantendo a ponta, só que o ritmo que vinha impondo iria cobrar seu preço em borracha. Na segunda metade da corrida, o carro já estava mais arisco que o lendário cavalo rampante. Ele comentou depois: “meu carro estava em todo lugar; nas curvas para a direita, eu saía de traseira; naquelas às esquerda, de frente”. Enquanto isso, as Renaults pairavam sobre a pista; na volta 46 Jabouille fez a ultrapassagem e, como contou depois, “eu lembrava que uma vez haviam me dito o quanto era essencial, após uma ultrapassagem, ir o mais rápido possível por três ou quatro voltas; isso te manteria a vantagem e tiraria a moral do cara que ficou para trás. Era um bom conselho”. Ele simplesmente fez o assobio do motor subir uns 15 decibéis e abriu três segundos em cinco voltas.

E Arnoux vinha chegando. A Ferrari, a esta altura, tinha pneus virtuais, não sobrando “macarrãozinho” nem para um prato de miojo, quanto mais para uma bela pasta.

A corrida ia chegando ao fim, os franceses estavam de pé e empurrando seus compatriotas com gritos e aplausos. Na volta 77 de 80, Jean-Pierre abriu a reta principal… alguns retardatários… e Arnoux apareceu à frente de Villeneuve!!!! Ele tinha conseguido! A Ferrari era um carro de drift com um motor pior, a dobradinha estava garantida! A multidão delirava – e nem imaginava o que iria presenciar.

Acontece que o carro francês estava pensando em se render. Um problema na bomba de combustível impedia Arnoux de abrir vantagem sobre Gilles como seu companheiro de equipe havia feito, e para o ferrarista esta oportunidade não podia ser desperdiçada.

Vieram as duas últimas voltas. Dois giros em um circuito de pouco mais de 3.800m, um dos mais curtos do campeonato, geralmente feitas em menos de 1:10.00. Só que esse par específico de voltas já dura 36 anos. Tudo era pista: zebras, grama, parte do carro do adversário. Ambos desligaram completamente qualquer tipo de percepção do que havia à sua volta, inclusive o próprio instinto de sobrevivência. Ninguém sabe exatamente quantas vezes eles bateram rodas, entraram de lado nas curvas, saíram e voltaram da pista e se tocaram novamente. Não importava se o lugar onde estavam era um ponto de ultrapassagem ou se cabiam dois carros ali, para Villeneuve e Arnoux aquilo era uma linha reta na Champs Elysees.

Faltando duas voltas, Gilles mergulha – a palavra é apropriada, pois após a curva à direita vinha uma bela descida – por dentro, com fumaça subindo de suas quatro rodas, o carro balançando. Aquilo certamente iria acabar mal. Mas de repente a Ferrari está novamente em segundo. Rene não acredita. O narrador francês, no autódromo, fica sem adjetivos para gritar – e olha que a língua é rica neles. Mas Arnoux não pode deixar isso assim.

A Ferrari não consegue descolar. O francês está tão colado na traseira do canadense que em um minuto está no retrovisor direito, no instante seguinte aparece no esquerdo, e tenho certeza de que pelo menos uma vez seu reflexo apareceu nos dois ao mesmo tempo. Novamente à beira daquele precipício, é a vez de Arnoux esquecer como se faz uma curva, aparecer ao lado de Villeneuve, fazendo a Ferrari fritar os aros (borracha era uma mera lembrança ali), tracionar contra qualquer lei da física e se manter roda com roda até a próxima curva e além. A curva seguinte é para a esquerda, e não é possível dois carros entrarem juntos ali. A ação de verdade vai começar. Eles se tocam, Arnoux faz a curva por fora – por fora mesmo, saindo da pista (hoje tomaria trocentas punições, teria que devolver a posição, pagar uns trocos e se naturalizar canadense), mas toma a frente, apenas para ver Villeneuve à sua direita, novamente tentando passar por fora. Eles tocam-se mais uma vez, a Ferrari está à frente, mas a curva é para a esquerda e Arnoux tem o melhor traçado, recuperando novamente a vice-liderança. Villeneuve embica tanto o carro para manter o traçado que é óbvio que vai rodar, mas o óbvio tirou férias naquele dia e ele não roda. A próxima curva é à direita, a Renault está na frente, tem o melhor traçado, mas Arnoux a faz muito aberta – Gilles não acredita naquele espaço todo, coloca o carro ali e passa novamente. É a subida do morro, e a Ferrari está em segundo. Villeneuve mantém o carro e cruza a linha de chegada 0,2 segundo à frente de Arnoux.

Gilles e Arnoux fizeram a volta de desaceleração lado a lado, saudando um ao outro, enquanto a torcida em delírio os aplaudia. Quando pararam, ambos saíram do carro, apertaram as mãos e depois se abraçaram. Ninguém culpou ninguém por nada.

Jabouille venceu, mas quem ganhou naquele dia foi a Fórmula 1
O francês disse: “eu não estou triste com a terceira colocação; eu aproveitei cada centímetro desta corrida, Gilles dirigiu de maneira fantástica e Jean Pierre venceu. Justo!”

As palavras de Villeneuve não foram diferentes: “Isto foi muito divertido! Eu cheguei a pensar que iríamos nos matar, você sabe, porque quando dois pilotos começam a entrelaçar rodas desse jeito alguém acaba em cima de alguém, mas nós não batemos. Não estou cansado, eu poderia fazer isto por mais 40 voltas”. Dizem que, ao ouvir isto, os pneus de sua Ferrari derreteram.

Coragem, perícia, controle total da sua máquina e a confraria dos apaixonados por velocidade. Isto é Fórmula 1.

| FORA DAS PISTAS

Daniel Ricciardo faz aniversário hoje, mas vou deixar nossa colunista Érika falar dele (não acredito que sobreviveria se lhe roubasse esse prazer). Vamos então parabenizar outro Daniel, um canadense, para manter o ritmo do texto.

Daniel Edward “Dan” Aykroyd nasceu em 1º de Julho de 1952. Fez parte da trupe do SNL, foi o Dr. Ray Stantz em Ghostbusters, contracenou com Eddie Murphy em Trocando as Bolas e aindaResultado de imagem para elwood blues uma porção de filmes menores porém muito divertidos, como 1941, Doutor Detroit e Dragnet.

Mas nós vamos lembrar sempre dele como o fenomenal, em uma missão de Deus, Elwood Blues, um dos Blues Brothers. Fiquem com um som legal.

 

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Carlos Eduardo Valesi

Velho demais para ter a pretensão de ser levado a sério, Valesi segue a Fórmula 1 desde 1987, mas sabe que isso não significa p* nenhuma pois desde meados da década de 90 vê as corridas acompanhado pelo seu amigo Jack Daniels. Ferrarista fanático, jura (embora não acredite) que isto não influencia na sua opinião de que Schumacher foi o melhor de todos, o que obviamente já o colocou em confusão. Encontrado facilmente no Setor A de Interlagos e na sua conta no Tweeter @cevalesi, mas não vai aceitar sua solicitação nas outras redes sociais porque também não é assim tão fácil. Paga no máximo 40 mangos numa foto do Button cometendo um crime.
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