Em 1988 a McLaren limpou o chão dos boxes com a concorrência, vencendo 15 das 16 corridas (só não conseguiram bater o fantasma do Comendador Enzo na Itália) e terminando o campeonato com três vezes mais pontos do que a segunda colocada (e apenas dois pontos a menos do que todas as equipes juntas). Senna foi campeão do mundo pela primeira vez, usando a regra dos descartes a seu favor (Ayrton fez 90 pontos contra 87 de Prost, porém se fossem considerados todos os resultados o francês venceria por 105 x 94).
Sempre que há uma dominância tão completa de uma equipe a FIA tenta intervir, e por sorte neste momento a solução já estava pronta. Com o argumento de que seriam muito caros e perigosos, os motores turbo foram banidos do grid ao final de 1988. O McLaren MP4/5 Honda veio então com um motor V10 e, ainda que não tenha sido um monstro como seu antecessor, ainda foi suficiente para deixar a equipe folgada, vencendo 10 dos 16 eventos e somando quase o dobro de pontos da Williams-Renault que terminou na vice-liderança.
Se no campeonato de construtores não houve muita resistência, a disputa interna foi mais do histórica, chegando a limites épicos. Senna e Prost eram cavaleiros medievais que disputavam suas justas pelo mundo, levando consigo seus escudeiros para lhes facilitarem a vida (Ron Dennis e Jean-Marie Balestre, respectivamente). Dizendo que não suportava mais o favorecimento ao rival dentro da equipe, Prost anunciou na corrida da Itália que estava de mudança para Maranello, entregando o troféu da sua vitória naquela etapa para os tifosi. O clima estava muito azedo no paddock, e o campeonato apertado.
A penúltima corrida do campeonato aconteceria em Suzuka, no Japão, no dia 22 de outubro de 1989, e a situação matemática era esta: Senna tinha 6 vitórias (vinha de uma na corrida anterior, na Espanha) e um segundo lugar na Hungria, mas um 11º no Brasil e 6 abandonos – falamos de um deles, crucial, neste post – enquanto Prost tinha duas vitórias a menos, mas 6 segundos lugares e um terceiro, além de um quarto, um quinto e um abandono. Esta superioridade durante o campeonato colocava Prost 16 pontos à frente de Senna (76 x 60), porém a incompreensível regra dos descartes prejudicava quem era mais regular, pois o francês já havia jogado 5 pontos fora (e já seria campeão na Espanha se o campeonato fosse disputado por pontos corridos). Desta forma, com duas vitórias nas duas últimas corridas Senna somaria 18 pontos e Prost não conseguiria somar mais nenhum, mesmo que terminasse ambas entre os seis colocados. Ainda haveria disputa.
Antes mesmo do final de semana da corrida, Prost já havia dito a Ron Dennis que estava há dois anos tirando o pé para evitar colisões e não prejudicar a equipe quando Senna surgia como um ensandecido, forçando ultrapassagens no melhor estilo “ou eu saio da curva na frente ou nenhum de nós termina a corrida”, mas que esse tempo tinha acabado. “Se ele me forçar, não vou recolher”, tinha dito o francês.
Era uma época gloriosa e também difícil para os cabeças de gasolina: decorar os nomes e os capacetes de 39 pilotos não era fácil. Treze deles ficavam no caminho, não conseguindo tempo no pré-qualifying ou na classificação propriamente dita, o que nos deixava com 26 carros largando no domingo (e, para efeitos práticos, 24 retardatários para serem ultrapassados por Senna e Prost).
Sabendo da superioridade do equipamento, Prost decidiu fazer o classificatório com um acerto mais voltado à corrida. Ele tinha certeza que, mesmo perdendo em velocidade lançada, isso ainda seria suficiente para largar na primeira fila. E estava certo: mais uma pole de Senna com Prost a seu lado, 1,7 segundos mais lento mas ainda quase meio segundo à frente da Ferrari de Berger, na terceira colocação. Alain confiava em seu “jogo pós-flop”, como se diz no poker. E numa ideia que teve: já no grid, pediu a seu mecânico que, na maciota, sem que Senna notasse, retirasse o Gurney flap, aquela aleta reta vertical no final da asa traseira que foi inventada pelo piloto e gênio da aerodinâmica Dan Gurney. Isso diminuiria seu downforce e prejudicaria o desempenho nas curvas de baixa velocidade, mas o daria maior velocidade final nas retas – e como Suzuka era pródiga em retas, sem contar a mítica 130R, e o melhor ponto de ultrapassagem era na entrada da chicane, isso o protegeria caso estivesse na frente. Em tempo: esse ajuste não era proibido pelas regras do campeonato, e foi uma aposta de Prost, torcendo para que em algum momento ele liderasse a corrida.
A ideia funcionou melhor do que se poderia imaginar. Largando mal (e culpando o lado sujo da pista, o que teria consequências importantes no título do ano seguinte), Senna viu Prost sumir à sua frente e quase perdeu a posição também para Berger, mantendo o segundo posto por pouco e tendo que sair à caça ao baguette.
Com um ajuste mais adequado à corrida, Prost rapidamente conseguiu uma vantagem de mais de 5 segundos em relação ao concorrente, e fez uma primeira metade da corrida tranquila. Senna não conseguia alcançá-lo, e como se isso não bastasse perdeu mais dois segundos durante seu pit stop. Mas saiu dos boxes com pneus novos, um carro mais azeitado e muita vontade. Com as duas Ferrari fora da corrida por problemas mecânicos e Alessandro Nannini com sua Williams num muito, muito distante terceiro lugar, Ayrton começou a perseguição ao líder, fazendo uma volta mais rápida após a outra. Ele chegou no francês na volta 40 (Prost tinha deliberadamente diminuído o ritmo, deixando o brasileiro gastar seus pneus ficando muito perto do carro da frente nas curvas e sabendo que tinha vantagem nos retões) e pelas cinco voltas seguintes menos de um segundo separava os dois.
Senna percebeu que precisaria mudar a estratégia. Na volta 46, embutiu seu carro na traseira da McLaren da frente, fazendo a Spoon dentro do arrasto aerodinâmico que Prost deixava atrás de si. Isso impediu que Alain descolasse na reta seguinte e, como a 130R é feita de pé embaixo apesar de ser uma curva, Senna chegou no ponto que precisava logo antes da chicane. E a história aconteceu.
Prost começou a frenagem para fazer as duas pernas lentas da curva, e deixou sim um espaço que poderia ser aproveitado. Vocês sabem como é, não? If you no longer go for a gap, etc, etc. Senna mergulhou e teria a vantagem, porém o narigudo comedor de queijo brie fechou a porta, entrelaçando pneus de McLaren. O resultado foi uma batida pífia, que levou ambos os carros deslizando pateticamente para fora da pista.
Para o líder do campeonato isso servia tão bem quanto vencer a prova, e Prost simplesmente saiu do carro ignorando o arquirrival, enquanto o brasileiro pedia freneticamente para ser empurrado, pois seu motor tinha morrido. Os comissários japoneses poderiam e fizeram isto, uma vez que aquela era uma posição perigosa para deixar um monte de lata parado, e Senna aproveitou para fazer seu Honda pegar no tranco. Ele só tinha um caminho, que era cortando a chicane (fazer uma curva de 90 graus à direita para entrar na pista seria muito perigoso), então lá foi ele ziguezagueando de volta à corrida, com uma asa dianteira toda torta e inútil para o que se queria dela. Seria necessária outra visita aos boxes, que estavam a quase uma volta inteira de distância.
Quando saiu dos pits, mesmo após ter batido com o companheiro de equipe, seu motor ter morrido, o carro empurrado pelos comissários, dado uma volta com a asa dianteira avariada e trocado a mesma, Senna estava a apenas 5s da Benetton de Alessandro Nannini. Com um equipamento notavelmente superior e dirigindo como um endemoniado, Ayrton tirou esta diferença em duas das cinco voltas que restavam, passou o italiano no mesmo ponto onde tinha se acidentado havia pouco tempo (sem dificuldades, já que Nannini estava se benzendo no carro prometendo atravessar a Praça de São Pedro de joelhos se sobrevivesse à fúria assassina verde-amarela) e venceu a corrida, acreditando que “só” precisava fazer a mesma coisa na última prova para vencer o campeonato.
Os comissários discordavam. Senna foi imediatamente desclassificado por ter cortado a chicane (e não por ter sido empurrado, como muitos ainda acreditam), e o pódio foi realizado com Nannini, em sua única vitória na Fórmula 1, e com Ricardo Patrese e Thierry Boutsen, ambos da Williams. Nelson Piquet, que tinha largado do 11º lugar, herdou a quarta colocação.
Muito choro, trevas e ranger de dentes se seguiram; a McLaren entrou com um recurso, o que azedou de vez a relação com Prost, Senna foi rotulado como piloto perigoso e multado em um valor de seis dígitos de Bushes-pai além de tomar um gancho de seis meses (que foi retirado depois que o brasileiro, alla Galileo, publicou um pedido público de desculpas), e a última corrida do ano não valeu nada. Até hoje se discute se Prost bateu deliberadamente e qual foi o papel de Balestre na decisão dos comissários (sim e fundamental, para que não digam que fiquei em cima do muro). O que se sabe é que não há asteriscos neste campeonato, e que o Professor sabiamente preparou todo o caminho para este desfecho, desde antes da corrida, já sabendo que Senna viria com a visão turva e arriscaria tudo e avisando o que poderia acontecer, até a corrida em si, com um melhor ajuste e uma estratégia comprovadamente superior, e isso somado aos resultados no ano inteiro lhe deram um merecido tricampeonato. Brain beated heart.
lll FORA DAS PISTAS
De acordo com James Ussher hoje é uma data importante, pois é aniversário do mundo (que teria sido criado em 22 de outubro de 4004 AC, por volta das 18h. Em termos um pouco mais científicos, em 1879 Thomas Edison testou a primeira lâmpada elétrica incandescente, que durou 13 horas e meia.
No campo da sétima arte, a data nos trouxe ícones da cultura pop/nerd. Nasceram no dia de hoje Christopher Lloyd (1938), o eterno Emmett “Doc” Brown de De Volta Para o Futuro, Jeff Golblum (1952), que não contente em ser o cético Ian Malcolm em Jurassic Park também fez o papel do cético David Levinson em Independence Day, e do ótimo Jimmy McGill, aka Saul Goodman, Bob Odenkirk (1962).
E, em 1969, a Atlantic Records lançou no Reino Unido um dos maiores e mais influentes álbuns da história do rock and roll, nomeado simplesmente de Led Zeppelin II.
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.