Este texto está sendo publicado em 2018, entre as corridas do Estados Unidos e a do México. O campeonato já está praticamente decidido, bastando a Lewis Hamilton um sétimo lugar para tornar-se o terceiro pentacampeão mundial. Sebastian Vettel precisa, como disse nosso amigo Fernando Campos, de um milagre e meio: tem que vencer a prova e torcer para que o inglês não termine à frente do oitavo posto, para continuar com chances de ser ele a conquistar o penta.
Há exatos 54 anos outro GP do México acontecia, e ao final dele seria conhecido o novo campeão. Isto todos sabiam, já que a prova era a décima e última da temporada; o que ainda causava acaloradas discussões era qual dos três britânicos sairia do autódromo Hermanos Rodriguez com a taça.
Das nove corridas anteriores, Jim Clark tinha vencido na Holanda, Bélgica e Inglaterra; Graham Hill abriu a temporada com vitória em Mônaco e vinha de outro sucesso nos Estados Unidos, duas semanas atrás. E John Surtees havia chegado na frente na Alemanha e na Italia. Na França deu o americano Dan Gurney, e na Áustria o italiano Lorenzo Bandini, mas ninguém dava muita bola para os dois, pois não tinham chances de título – apesar disso os dois foram decisivos na corrida que estava por vir.
As regras do campeonato previam que os seis primeiros colocados pontuariam, em um esquema 9-6-4-3-2-1. Mais importante, apenas os melhores seis resultados contavam para a classificação, com os demais sendo obrigatoriamente descartados. Dos três postulantes ao título, apenas Hill havia pontuado em mais de cinco corridas, então qualquer posição abaixo do quarto lugar não valeria nada, e acima disso ele teria que descartar três pontos. Clark e Surtees só tinham pontuado cinco vezes, cada um contando com quatro abandonos durante o ano.
Apesar disso, Graham era quem vinha com mais facilidade: com 39 pontos bastava a ele um primeiro lugar para assegurar o título; se Clark não vencesse e Surtees chegasse em terceiro, nem pontuar seria necessário.
O segundo colocado era o piloto da Ferrari: Surtees tinha 34 pontos e precisava vencer. Uma segunda posição, com Hill de quarto para trás também seria suficiente.
Já para Jim Clark, com 30 pontos, só a vitória interessava; além disso, Surtees precisava terminar no máximo em terceiro e Hill, em quarto. Se assim fosse, ele venceria empatado nos pontos com o piloto da BRM, mas com duas vitórias a mais.

Fonte: The Cahier Archive
Um dos grandes desafios de correr na Cidade do México é a altitude: se o corpo humano demora alguns dias para aclimatar-se com a menor concentração de oxigênio a cada respiração, as máquinas não se acostumam com o ar rarefeito nunca. A menor pressão atmosférica interfere na combustão da mistura de combustível, causando perda de potência do motor e um trabalho sob condições menos do que ótimas, o que pode estressar a máquina. Mesmo as pressões de enchimento dos pneus tem que ser ajustadas.
E foi com essas preocupações matemáticas e atmosféricas que os pilotos alinharam no grid em um domingo ensolarado: na pole, a Lotus de Clark, que não podia estar mais feliz com o segundo colocado: Dan Gurney, com a Brabham, fora da disputa do campeonato. As duas Ferrari (com uma linda pintura azul, tanto em homenagem à NART (North American Racing Team), de Luigi Chinetti, representante da marca nos EUA quanto por birra do Comendador Enzo que estava brigando com a federação italiana de automobilismo) vinham na sequência, com Bandini (sempre mais rápido no final de semana) à frente de Surtees. A outra Lotus, com Mike Spence no volante, era a quinta colocada, enquanto Graham Hill e sua BRM só conseguiram um sexto posto. Fechando o top 10, duas Brabham (o chefe Jack e Jo Bonnier), uma terceira Ferrari com Pedro Rodriguez, um dos hermanos, e a Cooper de Bruce McLaren.

Fonte: Continental Circus
Na largada, Clark como de costume estilingou à frente, com Gurney o seguindo sem oferecer perigo. Tanto Surtees quanto G. Hill tiveram problemas: o primeiro se viu às voltas com um motor engasgando que só foi entrar no ritmo no final da primeira volta, enquanto Graham ainda estava ajustando as tiras do óculos quando a partida foi dada, e perdeu várias posições. Na primeira passagem Clark já tinha 2 segundos de vantagem, e em seguida vinham Gurney, Bandini, Spence, Bonnier, Brabham, Rodriguez, McLaren e Ginther. G. Hill era o nono, e Surtees, apenas o 12º. Tudo corria bem para Jim.

Fonte: Pinterest
Com a prova se desenrolando, os dois outros concorrentes vieram escalando o pelotão, até termos a seguinte formação: Clark muito à frente de Gurney, este um pouco descolado de Bandini, um outro tanto atrás Mike Spence e então Graham Hill e Surtees, ambos babando para chegar mais à frente. Após conseguirem se livrar da Lotus, Hill conseguiu também a ultrapassagem sobre o italiano da Ferrari, mas Surtees não conseguia chegar perto do companheiro de equipe, que queria o terceiro lugar de volta.
Essa terceira colocação dava o título para Hill, mesmo com Clark à frente. Porém a briga com Bandini era roda com roda. Depois de levantar os punhos para Lorenzo em uma disputa no hairpin, o clima esquentou de vez. Na próxima passagem por lá, na volta 31, a Ferrari veio por fora, porém a Lotus não recolheu: resultado: ambos se enroscaram, e Graham se deu pior: com o carro danificado, foi obrigado a abandonar a corrida e, praticamente, o título (apenas uma combinação improvável o manteriam na liderança). Surtees, mesmo herdando a terceira posição com a batida, não estava pontuando o suficiente para tirar o título de Jim Clark, que seguia soberano. Menos ainda quando Bandini recuperou-se e ultrapassou o companheiro de equipe, saindo em busca de Dan Gurney.

Todos no autódromo esperavam para comemorar o título do escocês, mas nas voltas finais o imponderável espírito do automobilismo pregou uma de suas peças: Clark começou a ver uma linha de óleo derramada na pista, até perceber que era ele mesmo quem vinha deixando o lubrificante para trás. Uma conexão solta foi o deixando sem o precioso líquido e, cada vez mais lento, ele se viu ultrapassado por Dan Gurney, Bandini e Surtees. Bye-bye título, que, vejam só, voltava às mãos de Hill, que assistia a tudo sem poder fazer nada além de torcer.
É claro que os mecânicos da Ferrari correram para a beira da pista para avisar a Bandini que, se ele deixasse o companheiro de equipe ultrapassar, não só a Ferrari levaria o título de construtores como garantiria o de pilotos. Vendo que não conseguiria lutar pela primeira posição, devolveu o posto para Surtees, que só precisou do segundo lugar para consagrar-se o primeiro e, até hoje, único homem a ser campeão do mundo em duas e quatro rodas (contamos a história toda dele aqui).
Desta forma, com pilotagens impecáveis tanto de Dan Gurney para a vitória e de Lorenzo Bandini para o terceiro lugar, uma das decisões de título mais emocionantes da história da Fórmula 1 marcou o GP do México. E o autódromo que fica nas alturas tem tudo para continuar a nos proporcionar outras comemorações.
lll FORA DAS PISTAS
Em 25 de Outubro de 1415 aconteceu a Batalha de Azincourt, pela Guerra dos Cem Anos. Se vocês não acham isso interessante, é porque nunca leram o excepcional livro do Bernard Cornwell – que eu recomendo fortemente.
A data também marca os nascimentos do pintor espanhol Pablo Picasso, do interminável jogador de futebol Paulo Baier, e da cantora americana Katy Perry. Como nem por um segundo passou pela minha cabeça terminar o texto com uma música dela, é com alívio que informo que também faz aniversário hoje Chad Smith, baterista do Red Hot Chili Peppers.