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Um título improvável no México

25 de Outubro - Dia 157 dos 365 dias mais importantes da história do automobilismo – Segunda Temporada.

Este texto está sendo publicado em 2018, entre as corridas do Estados Unidos e a do México. O campeonato já está praticamente decidido, bastando a Lewis Hamilton um sétimo lugar para tornar-se o terceiro pentacampeão mundial. Sebastian Vettel precisa, como disse nosso amigo Fernando Campos, de um milagre e meio: tem que vencer a prova e torcer para que o inglês não termine à frente do oitavo posto, para continuar com chances de ser ele a conquistar o penta.

Há exatos 54 anos outro GP do México acontecia, e ao final dele seria conhecido o novo campeão. Isto todos sabiam, já que a prova era a décima e última da temporada; o que ainda causava acaloradas discussões era qual dos três britânicos sairia do autódromo Hermanos Rodriguez com a taça.

Das nove corridas anteriores, Jim Clark tinha vencido na Holanda, Bélgica e Inglaterra; Graham Hill abriu a temporada com vitória em Mônaco e vinha de outro sucesso nos Estados Unidos, duas semanas atrás. E John Surtees havia chegado na frente na Alemanha e na Italia. Na França deu o americano Dan Gurney, e na Áustria o italiano Lorenzo Bandini, mas ninguém dava muita bola para os dois, pois não tinham chances de título – apesar disso os dois foram decisivos na corrida que estava por vir.

As regras do campeonato previam que os seis primeiros colocados pontuariam, em um esquema 9-6-4-3-2-1. Mais importante, apenas os melhores seis resultados contavam para a classificação, com os demais sendo obrigatoriamente descartados. Dos três postulantes ao título, apenas Hill havia pontuado em mais de cinco corridas, então qualquer posição abaixo do quarto lugar não valeria nada, e acima disso ele teria que descartar três pontos. Clark e Surtees só tinham pontuado cinco vezes, cada um contando com quatro abandonos durante o ano.

Apesar disso, Graham era quem vinha com mais facilidade: com 39 pontos bastava a ele um primeiro lugar para assegurar o título; se Clark não vencesse e Surtees chegasse em terceiro, nem pontuar seria necessário.

O segundo colocado era o piloto da Ferrari: Surtees tinha 34 pontos e precisava vencer. Uma segunda posição, com Hill de quarto para trás também seria suficiente.

Já para Jim Clark, com 30 pontos, só a vitória interessava; além disso, Surtees precisava terminar no máximo em terceiro e Hill, em quarto. Se assim fosse, ele venceria empatado nos pontos com o piloto da BRM, mas com duas vitórias a mais.

Para Jim Clark, só a vitória valia.
Fonte: The Cahier Archive

Um dos grandes desafios de correr na Cidade do México é a altitude: se o corpo humano demora alguns dias para aclimatar-se com a menor concentração de oxigênio a cada respiração, as máquinas não se acostumam com o ar rarefeito nunca. A menor pressão atmosférica interfere na combustão da mistura de combustível, causando perda de potência do motor e um trabalho sob condições menos do que ótimas, o que pode estressar a máquina. Mesmo as pressões de enchimento dos pneus tem que ser ajustadas.

E foi com essas preocupações matemáticas e atmosféricas que os pilotos alinharam no grid em um domingo ensolarado: na pole, a Lotus de Clark, que não podia estar mais feliz com o segundo colocado: Dan Gurney, com a Brabham, fora da disputa do campeonato. As duas Ferrari (com uma linda pintura azul, tanto em homenagem à NART (North American Racing Team), de Luigi Chinetti, representante da marca nos EUA quanto por birra do Comendador Enzo que estava brigando com a federação italiana de automobilismo) vinham na sequência, com Bandini (sempre mais rápido no final de semana) à frente de Surtees. A outra Lotus, com Mike Spence no volante, era a quinta colocada, enquanto Graham Hill e sua BRM só conseguiram um sexto posto. Fechando o top 10, duas Brabham (o chefe Jack e Jo Bonnier), uma terceira Ferrari com Pedro Rodriguez, um dos hermanos, e a Cooper de Bruce McLaren.

A bela Ferrari Azul.
Fonte: Continental Circus

Na largada, Clark como de costume estilingou à frente, com Gurney o seguindo sem oferecer perigo. Tanto Surtees quanto G. Hill tiveram problemas: o primeiro se viu às voltas com um motor engasgando que só foi entrar no ritmo no final da primeira volta, enquanto Graham ainda estava ajustando as tiras do óculos quando a partida foi dada, e perdeu várias posições. Na primeira passagem Clark já tinha 2 segundos de vantagem, e em seguida vinham Gurney, Bandini, Spence, Bonnier, Brabham, Rodriguez, McLaren e Ginther. G. Hill era o nono, e Surtees, apenas o 12º. Tudo corria bem para Jim.

Big John, Phil Hill em sua última prova e Black Jack Brabham, em bela pintura.
Fonte: Pinterest

Com a prova se desenrolando, os dois outros concorrentes vieram escalando o pelotão, até termos a seguinte formação: Clark muito à frente de Gurney, este um pouco descolado de Bandini, um outro tanto atrás Mike Spence e então Graham Hill e Surtees, ambos babando para chegar mais à frente. Após conseguirem se livrar da Lotus, Hill conseguiu também a ultrapassagem sobre o italiano da Ferrari, mas Surtees não conseguia chegar perto do companheiro de equipe, que queria o terceiro lugar de volta.

Essa terceira colocação dava o título para Hill, mesmo com Clark à frente. Porém a briga com Bandini era roda com roda. Depois de levantar os punhos para Lorenzo em uma disputa no hairpin, o clima esquentou de vez. Na próxima passagem por lá, na volta 31, a Ferrari veio por fora, porém a Lotus não recolheu: resultado: ambos se enroscaram, e Graham se deu pior: com o carro danificado, foi obrigado a abandonar a corrida e, praticamente, o título (apenas uma combinação improvável o manteriam na liderança). Surtees, mesmo herdando a terceira posição com a batida, não estava pontuando o suficiente para tirar o título de Jim Clark, que seguia soberano. Menos ainda quando Bandini recuperou-se e ultrapassou o companheiro de equipe, saindo em busca de Dan Gurney.

Hill e Bandini, momentos antes do enrosco. Fonte: Blog do Rui Amaral Junior

Todos no autódromo esperavam para comemorar o título do escocês, mas nas voltas finais o imponderável espírito do automobilismo pregou uma de suas peças: Clark começou a ver uma linha de óleo derramada na pista, até perceber que era ele mesmo quem vinha deixando o lubrificante para trás. Uma conexão solta foi o deixando sem o precioso líquido e, cada vez mais lento, ele se viu ultrapassado por Dan Gurney, Bandini e Surtees. Bye-bye título, que, vejam só, voltava às mãos de Hill, que assistia a tudo sem poder fazer nada além de torcer.

É claro que os mecânicos da Ferrari correram para a beira da pista para avisar a Bandini que, se ele deixasse o companheiro de equipe ultrapassar, não só a Ferrari levaria o título de construtores como garantiria o de pilotos. Vendo que não conseguiria lutar pela primeira posição, devolveu o posto para Surtees, que só precisou do segundo lugar para consagrar-se o primeiro e, até hoje, único homem a ser campeão do mundo em duas e quatro rodas (contamos a história toda dele aqui).

Desta forma, com pilotagens impecáveis tanto de Dan Gurney para a vitória e de Lorenzo Bandini para o terceiro lugar, uma das decisões de título mais emocionantes da história da Fórmula 1 marcou o GP do México. E o autódromo que fica nas alturas tem tudo para continuar a nos proporcionar outras comemorações.

lll FORA DAS PISTAS

Em 25 de Outubro de 1415 aconteceu a Batalha de Azincourt, pela Guerra dos Cem Anos. Se vocês não acham isso interessante, é porque nunca leram o excepcional livro do Bernard Cornwell – que eu recomendo fortemente.

A data também marca os nascimentos do pintor espanhol Pablo Picasso, do interminável jogador de futebol Paulo Baier, e da cantora americana Katy Perry. Como nem por um segundo passou pela minha cabeça terminar o texto com uma música dela, é com alívio que informo que também faz aniversário hoje Chad Smith, baterista do Red Hot Chili Peppers.

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Carlos Eduardo Valesi

Velho demais para ter a pretensão de ser levado a sério, Valesi segue a Fórmula 1 desde 1987, mas sabe que isso não significa p* nenhuma pois desde meados da década de 90 vê as corridas acompanhado pelo seu amigo Jack Daniels. Ferrarista fanático, jura (embora não acredite) que isto não influencia na sua opinião de que Schumacher foi o melhor de todos, o que obviamente já o colocou em confusão. Encontrado facilmente no Setor A de Interlagos e na sua conta no Tweeter @cevalesi, mas não vai aceitar sua solicitação nas outras redes sociais porque também não é assim tão fácil. Paga no máximo 40 mangos numa foto do Button cometendo um crime.

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