Nas últimas três temporadas, em várias etapas debatemos a responsabilidade da FIA e a forma como seus comissários e diretores de provas tomam decisões sobre alguns assuntos. Se várias pessoas têm abordado os problemas fora da corrida, era inevitável que em algum momento comentários vindos de dentro da Fórmula 1 também reverberariam.
O chefe de equipe da Haas, Günther Steiner recebeu uma reprimenda da FIA e foi convidado a se explicar depois que teceu comentários sobre os comissários. Steiner os chamou de “leigos” e na sequência foi acusado por ter violado três artigos do Código Esportivo Internacional da FIA, por conta dos comentários que realizou às vésperas do GP da Espanha.
“Todo o esporte profissional tem profissionais sendo árbitros e coisas do tipo. A Fórmula1 é um dos maiores esportes do mundo, e ainda temos leigos decidindo o destino de pessoas que investem milhões nas próprias carreiras. E é sempre uma discussão, porque não há consistência”, afirmou Steiner.
“Todos os outros esportes têm profissionais assim. O automobilismo estadunidense, Nascar, IndyCar. Quantas vezes você ouve falar de problemas com comissários ou com as decisões do diretor de provas? Muito, muito raramente. Mas eles estão fazendo de uma forma completamente diferente [da F1], com pessoas trabalhando em tempo integral.”
No ano passado esse já tinha sido um ponto de discussão da própria Haas, pois em três eventos Kevin Magnussen recebeu um alerta para passar nos boxes e substituir a asa dianteira pois ela estava danificada. No entanto, outros pilotos que também estiveram com a peça avariada ou com outras partes do carro visivelmente se soltando, podendo atingir outro carro, mas não receberam o mesmo tipo de alerta.
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Desta vez, as críticas de Günther Steiner aos comissários se deram após o incidente entre Nico Hülkenberg e Logan Sargeant no GP de Mônaco. Na ocasião Nico foi penalizado com 5 segundos e a pena evoluiu para 10 segundos, já que a primeira punição não foi cumprida de forma apropriada.
No documento da FIA, eles declararam que Günther infringiu:
- O Artigo 12.2.1.k referente a “conduta imprópria” que é definida no ISC [International Sporting Code] como “… o uso de linguagem que… que possa ser razoavelmente esperado ou notado como… causar ofensa, humilhação ou ser inapropriada”.
- A palavra “leigos” do Sr. Steiner e sua referência a outros esportes com pessoal “profissional” podem ser, e de fato foram consideradas ofensivas e, em nossa opinião, razoavelmente ofenderam não apenas os comissários em Mônaco, mas também outras pessoas da FIA e muitos voluntários do automobilismo.
- No entanto, os comissários aceitam a declaração do Sr. Steiner durante a audição, segundo a qual a sua referência ao profissionalismo se referia a pessoas que trabalham em uma função como sua profissão e não que os Comissários estavam agindo de forma não profissional.
- Além disso, o Sr. Steiner afirmou que a sua referência a “leigos” se referia a pessoas que trabalhavam ocasionalmente e não a uma falta de qualificação ou especialização.
- o Sr. Steiner também se desculpou abertamente “se alguém ficou magoado com o que eu disse ou entendeu mal o que falei”. Os comissários aceitam este pedido de desculpas.
- O Sr. Steiner afirmou que se tivesse a intenção de insultar ou ofender alguém, teria usado palavras muito diferentes. Os comissários não contestam isso.
- Os comissários observam que qualquer parte tem o direito de discordar de qualquer determinação dos comissários em um evento, no entanto, mantém a opinião de que tal divergência deve e pode ser expressa respeitosamente.
Em relação aos Artigos 12.2.1.c e 12.2.1.f nenhuma ação adicional foi tomada pela FIA. Eles se referem as ações que são “prejudiciais aos interesses de qualquer competição ou aos interesses do automobilismo em geral”, causando “dano moral ou prejuízo à FIA, seus órgãos, seus membros ou seus executivos e, de forma mais geral, ao interesse do automobilismo e aos valores defendidos pela FIA”.
Em comunicado, Steiner se retratou: “Expliquei aos comissários que não tinha a intenção de ofender ninguém e que meu uso de certas palavras poderia ser mal interpretado por algumas pessoas. Disse a eles que pedi desculpas de minhas declarações foram mal interpretadas ou magoaram alguém, pois não era minha intenção. Repito esse pedido de desculpas aqui.”
Steiner fez um comentário válido, enquanto os outros chefes de equipe que foram perguntados sobre o caso pouparam as suas falas e reforçaram outra vez que “confiam na FIA”.
“Não acho que até agora, este ano, os comissários tomaram decisões corretas. E na maioria das vezes os comissários são bem conhecidos. Não é em toda a corrida que eles são completamente novos. Eles estão mudando de tempos em tempos, mas você sempre vê os mesmos rostos. E é sempre a mesma história, se uma equipe tem problemas por qualquer motivo, no final dizem que os culpados são os comissários. Não é o comissário que é culpado se fizemos o nosso trabalho de forma correta, então não acho que os comissários criem problemas”, disse Franz Tost, chefe de equipe da AlphaTauri sobre o caso.
A realidade é que já pensaram em ter um corpo fixo para que a tomada de decisões siga pela mesma linha. Depois de Abu Dhabi 2021, algumas mudanças foram implementadas, como o VAR para revisar alguns incidentes, mas mesmo esses artifícios não têm se mostrado eficientes. Recentemente mudaram a aplicação da forma como vão aplicar punições aos pilotos – comprometendo pontos da superlicença. Ao mesmo tempo que a FIA admite alguma culpa, ela ainda tenta se esquivar das responsabilidades.
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O problema de decisões que são tomadas de diferentes formas, além de regras que são executadas incorretamente, é que elas geram certa ‘manipulação’ e questionamento sobre o resultado ter a chance de ser diferente. Também abre a oportunidade para as equipes e pilotos questionarem o motivo para um lance igual ter diferentes aplicações de penalidades.
Outro problema é o próprio regulamento que rege o esporte. Foram criados vários artigos para amparar diversas situações, mas muitos deles contém furos ou deixam as situações que estão contemplando ainda mais confusa. Com a troca de comissários ocorrendo, a linha de raciocínio de uma mesma regra é quebrada ou falta transparência na tomada de decisões.
Sobre a profissionalização, é importante ter pessoas que já vivenciaram o esporte de outras maneiras. Pessoas que vejam a categoria pelas entrelinhas da competição, profissionais com carreira e uma linha de formação. No entanto, a Fórmula 1 é composta de muita politicagem e poder, algo que algumas vezes parece influenciar e falar mais alto em decisões que são tomadas, gerando realmente dúvidas sobre a condução da competição.
É válido questionar, mas geralmente as equipes maiores se esquivam de falar sobre o assunto abertamente, justamente por conta da política ou do que eles podem perder lá na frente, quando precisarem da mão da FIA para se beneficiar em um acordo.
Günther foi um pouco além, expressou realmente a insatisfação que muito estão tendo com a conduta da FIA, um pensamento que também atinge os pilotos que também já fizeram comentários sobre diferentes punições que receberam. Exatamente por muitos não terem coragem de ir além, que o assunto precisa ser mencionado, pois não dá para empurrar esse elefante para debaixo do tapete e se conformar com novos erros.