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Uma maratona e 1.100 milhas, um desafio para poucos

Apenas cinco pilotos tentaram este desafio, sendo que apenas um deles completou a distância integral do percurso. Kyle Larson será o próximo a tentar

O último domingo do mês de maio é a data mais nobre para o fã de automobilismo em geral, afinal três corridas bem importantes preenchem a faixa do dia com grandes eventos de demonstração de velocidade, resistência e de narrativas.

De manhã, o GP de Mônaco de Fórmula 1 segue, mesmo que sempre criticado, trazendo suas histórias e alguns elementos diferentes que sempre rende assunto. À tarde, do outro lado do Atlântico, a prova de monoposto mais importante do mundo é realizada na Meca do Automobilismo, as tradicionais 500 Milhas de Indianápolis. Por fim, na sessão noturna, a NASCAR realiza no quintal de sua casa sua prova mais longa do ano, as 600 Milhas de Charlotte.

De todo modo, as três provas oferecem a sua dificuldade e o seu desafio, assim, a preparação para estas competições são bem complexas. Agora imagina tentar correr pelo menos duas destas provas icônicas?

Obviamente, por questão de distância, é impossível cruzar o Atlântico para fazer as provas de monoposto em pouco tempo até chegar à corrida, o que impossibilita que alguém alterne entre F1 e Indy, sem abrir mão da prova monegasca para estar em Indiana (exceto se der a louca como fez Fernando Alonso em 2017).

Entretanto, a viagem entre Indiana e Carolina do Norte é tranquila para um jato que qualquer equipe mais abastada da Indy ou da NASCAR possa bancar. Assim, há alguns pilotos envolvidos com as duas categorias que tinham o desejo de fazer este experimento, visando ser possível conseguir bons resultados lá. Nos EUA, o desafio é chamado de Double Duty (dupla jornada numa tradução livre).

Para 2024, teremos um piloto que vai participar do desafio das 1.100 milhas. Kyle Larson, campeão da NASCAR Cup Series em 2021, pilotará o quarto carro da McLaren em Indianápolis. Assim, o piloto estará à tardeno Dallara-Chevrolet número 17 na Indy 500 e depois retorna ao número 5 da Hendrick para a etapa de Charlotte.

Larson será o sexto piloto a tentar completar as duas provas e com o melhor resultado possível, sendo o primeiro em 10 anos. Outros cinco tentaram a sorte, mas somente um completou todas as voltas das duas corridas. A seguir, vamos contar a história do Double Duty e de quem se arriscou.

Prelúdio:

Tanto a Indy 500, como a Charlotte 600 são realizadas na época do Memorial Day, feriado em homenagem aos militares dos EUA que morreram em batalha. Tradicionalmente, a data era marcada para o dia 30 de maio, mas, desde 1971, passou a ser solene a última segunda-feira do mês.

Até 1973, a prova da Indy 500 era programada exatamente no dia do Memorial Day, mas a partir do ano seguinte, a corrida mudou para o domingo, véspera do feriado. Já a etapa da NASCAR era tradicionalmente colocada no último domingo de maio.

Porém, nem sempre as provas se chocavam, por conta de adiamentos por chuva que afetavam às vezes. Mas, entre 1974 e 1992, as duas provas ocorreram quase ao mesmo tempo, pois ocupavam a mesma faixa de horário, o que dava algumas divergências com a televisão e afins.

Mas, no fim de 1992, foram instaladas torres de iluminação no circuito de Charlotte, o que permitia à pista receber provas noturnas, sendo o primeiro autódromo da NASCAR a adotar provas após o pôr do sol. Desta forma, a corrida do Memorial Day não se chocaria mais com a Indy 500. No primeiro ano, (1993), a corrida iniciava exatamente ao término da contenda em Indianápolis. Entretanto, não havia tempo hábil para uma viagem. Todavia, a edição seguinte teve um ajuste no horário, que permitiu a primeira oportunidade para um piloto realizar a jornada dupla.

John Andretti (1994)

O primeiro aventureiro foi John Andretti em 1994(IMS Photo/Penske Entertainment)

Sobrinho do lendário Mario Andretti e primo de Michael, além de, posteriormente, ser genro de Richard Petty, John teve uma carreira longa, mas discreta tanto na Indy como na NASCAR, mas entrou para a história como o primeiro piloto a competir nas duas provas no mesmo dia.

John já competia regularmente na NASCAR Cup Series desde 1993, mas também competia em Indianápolis regularmente. Apesar de não estar no ano anterior na prova de Charlotte, o membro do clã Andretti se inscreveu para duas provas e conseguiu competir em ambas.

Na Indy 500, John teve seus percalços, mas conseguiu completar a prova na 10ª posição, a quatro voltas do vencedor, Al Unser Jr. Já em Charlotte, a sua corrida durou cerca de metade das 600 milhas, após abandonar com problemas de motor.

John Andretti seguiu competindo regularmente na NASCAR até meados dos anos 2000, com participações esporádicas na Indy 500 e em provas de endurance e da própria NASCAR até 2012, quando se aposentou. O piloto faleceu em 2020 após uma longa batalha contra o câncer de colo.

Davy Jones (1995)

Davy Jones até desbancou a Penske em Indianápolis, mas falhou em classificar na NASCAR (IndyCar)

O próximo da lista pode ser o menos conhecido da turma, mas não é pouco notável. Davy Jones (que não é o pirata e tampouco o youtuber) foi um piloto de carreira notável no endurance, com direito a uma vitória nas 24 Horas de Le Mans de 1996 com um Porsche WSC-95 da Joest Racing, ao lado de Alexander Wurz e Manuel Reuter. Mas, um ano antes, o piloto estadunidense se arriscou a realizar o Double Duty, mas o sonho terminou antes de começar.

E até podemos dizer a tarefa mais difícil, ele conseguiu realizar. Na Indy 500 de 1995, Jones, pilotando pela Dick Simon Racing, foi um dos responsáveis por eliminar a dupla da Penske, formada por Al Unser Jr e Emerson Fittipaldi, garantindo a 32ª posição do grid entre os 33 inscritos,

Porém, ele também precisava se classificar para as 600 Milhas de Charlotte e, num grid de 42 vagas disponíveis, Jones não conseguiu ir além da 46ª colocação e, assim, não disputaria a prova da NASCAR, dando adeus ao sonho do Double Duty.

Tendo só a Indy 500 no domingo, Jones tentou sobreviver, mas acabou batendo na volta 162, sendo classificado na 23ª posição ao fim da prova.

Robby Gordon (1997, 2000, 2002, 2003 e 2004)

Robby Gordon foi o que mais tentou o Double Duty, em cinco ocasiões (Darrell Inghan/Getty Images)

O próximo da lista foi o piloto que mais tentou realizar o Double Duty. Foram, nada menos que cinco tentativas. Para esta proeza, somente uma das figuras mais excêntricas do automobilismo estadunidense da história. Falo nada menos de Robby Gordon.

Gordon foi um piloto de carreira bem diversificada no automobilismo estadunidense e é bem conhecido pelo arrojo, por vezes excessivo e pelo festival de acidentes e polêmicas ao longo de sua jornada. Flash Gordon segue até hoje participando de ralis, como o Dakar, entre outras modalidades.

Após disputar cinco temporadas pela Indy e pela CART, a partir de 1997, mudou-se para a NASCAR, mas também corria em monopostos, mas também experimentando a IRL. Assim, o Flash Gordon foi o próximo a arriscar o Double Duty sendo o primeiro na fase pós-cisão.

No entanto, a primeira Double Duty de Gordon não foi do jeito tradicional, pois choveu no domingo e na segunda, com a Indy 500 sendo adiada. Já a prova da NASCAR ocorreu normalmente e Gordon participou, mas acabou batendo antes da metade da prova. Já a participação em Indianápolis foi ainda mais curta, com o carro pegando fogo na 19ª volta.

Uma nova chance veio em 2000, mas a chuva incomodou mais uma vez. Ainda assim, Gordon participou das duas provas no mesmo dia. Na Indy 500, até teve um ritmo competitivo e conseguiu um sexto lugar, terminando na volta do vencedor, Juan Pablo Montoya.

Como a chuva atrasou o início da prova em Indianápolis, Gordon precisou fazer a viagem para Charlotte e chegou ao circuito após o início da prova. A equipe se programou para esta circunstância e colocou PJ Jones até a chegada do Robby, que assumiu o carro durante um período em que a corrida na Carolina do Norte estava parada por chuva na bandeira vermelha.

Como a equipe trabalhou no carro durante a bandeira vermelha, Gordon foi punido com a perda de cinco voltas e, como o carro já estava com problemas antes, o piloto terminou a prova com 11 giros de atraso para o vencedor, Matt Kenseth.

Após um ano de hiato, o Flash Gordon resolveu disputar a Double Duty nada menos que nos três anos seguintes. A tentativa de 2002 foi a melhor do piloto.

O melhor desempenho de Robby Gordon no Double Duty foi em 2002 (IndyCar)

Em Indianápolis, esteve no ritmo dos ponteiros, mas não chegou a brigar pela vitória. Gordon terminou em oitavo, completando as mesmas 200 voltas do vencedor Hélio Castroneves. Já em Charlotte, fez uma corrida discreta, e chegou perto de completar as 1.100 milhas das duas provas, pois terminou na 16ª posição, uma volta atrás de Jimmie Johnson, o vencedor.

Em 2003, Gordon até se classificou bem, pegando a terceira posição no grid, mas não terminou a Indy 500, devido a uma quebra de câmbio. O piloto pegou o avião e viajou até Charlotte, terminando na 17ª colocação em uma prova que terminou antes do previsto por conta da chuva.

A última tentativa de Flash Gordon no Double Duty foi em 2004. Mas desta vez, Gordon precisou passar o bastão em Indianápolis. A Indy 500 daquele ano parou na volta 28 pela chuva, então Flash Gordon saiu rapidamente para o aeroporto para fazer a viagem para Charlotte, enquanto Jacques Lazier assumia seu carro.

Lazier se manteve na pista até a volta 88, quando abandonou com problemas mecânicos. Já nas 600 Milhas de Charlotte, Gordon teve uma atuação discreta e terminou na 20ª colocação, a três voltas de Jimmie Johnson, novamente vencedor.

Tony Stewart (1999 e 2001)

Em 2001, Tony Stewart foi o único a completar as 1.100 milhas (IndyCar)

O nome mais bem-sucedido desta lista fez o Double Duty duas vezes e em ambas garantiu o top-10 das duas provas. Tony Stewart tem sua história marcada pela ascensão a partir do início da IRL, na qual foi campeão em 1997 antes de rumar para a NASCAR e construir uma carreira brilhante, com três títulos e ser o sócio da própria equipe.

Em 1999, Stewart trocava os monopostos pela NASCAR, pilotando pela tradicional Joe Gibbs Racing, mas não fechou seus laços com a categoria anterior e, no mesmo ano, se aventurou no Double Duty, arrumando uma vaga na modesta TriStar Motorsport.

Em Indianápolis, Stewart teve uma prova desafiadora, enfrentando alguns problemas, mas concluiu em nono, quatro voltas atrás do vencedor, Kenny Brack. Já em Charlotte, mesmo com a fadiga da viagem e desidratação, o Smoke teve uma grande atuação, chegando a liderar a prova, mas perdendo força no fim e terminando em quarto.

Dois anos depois, Stewart fez uma nova iniciativa, mas para a Indy, fechou acordo com a tradicional Chip Ganassi para correr na Brickyard. Na Indy 500, o Smoke teve uma performance competitiva, chegando a liderar quando arriscou uma estratégia diferente, mas a concorrência estava forte. Ainda assim foi o sexto, na mesma volta do vencedor, Hélio Castroneves.

Entretanto, o Smoke tinha o desafio de chegar a tempo para o circuito de Charlotte, após a prova de Indianápolis tenha atrasado por causa de duas interrupções por chuva. Stewart teve uma viagem bem intensa em um intervalo de duas horas e meia, mas conseguiu chegar pouco antes da largada e assumiu seu carro, ainda que largasse de último.

Mesmo assim, o Smoke teve uma ótima recuperação e terminou a etapa de Charlotte na terceira posição. Além disso, Stewart entrou para a história sendo o primeiro e, por enquanto, o único piloto a completar as 1.100 milhas das duas corridas americanas.

Kurt Busch (2014)

Em sua única participação em Indianápolis, Kurt Busch teve um desempenho sólido (Dan Boyd/IndyCar)

Após uma sequência de empreitadas entre o fim dos anos 90 e o começo dos 2000, nenhum piloto de qualquer uma das categorias se interessou em realizar esta maratona mais uma vez, até porque a relação dos pilotos da Indy e da NASCAR ficaram mais restritas às suas próprias categorias, mas houve uma exceção no ano de 2014.

Ao contrário dos demais, Kurt Busch era um piloto de carreira consolidada na NASCAR, com o título da Cup em 2004, e que não tinha feito passagem significativa pelos monopostos antes, Assim, foi uma surpresa que o piloto aceitou fazer o Double Duty em 2014.

Naquela época, Busch passava por um período de reconstrução da carreira e estreava na Stewart-Haas. Como um dos sócios da equipe, Tony Stewart obviamente auxiliou na adaptação do seu subordinado. Já na Indy, a vaga disponível era no quinto carro da Andretti. Assim, teria condições de um bom desempenho em ambas as corridas.

Em Indianápolis, o Buschão teve um desempenho honroso, pilotando com cautela, escapando das confusões e mantendo um ritmo competitivo. Em sua jornada na Brickyard, um sólido sexto lugar, a dois segundos do vencedor Ryan Hunter-Reay, demonstrou um bom desempenho do representante da NASCAR.

Apesar da boa prova em Indianápolis, as coisas não deram muito certo para Busch em Charlotte. O piloto da Stewart-Haas vinha andando no meio do pelotão, tentando galgar posições, mas teve o motor quebrado na volta 274, abandonando a corrida.

Assim, a trajetória da dupla jornada ficou parada pelos dez anos seguintes, até o acerto de Larson com a McLaren. Como o campeão da Cup em 2021 se sairá na Double Dyty? Ele consegue concluir as 1.100 milhas?

A resposta só teremos no dia 26 de maio. As 500 Milhas de Indianápolis começa às 13h (Horário de Brasília) enquanto as 600 Milhas de Charlotte têm início programado às 19h.

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