ColunistasFórmula 1PostSérie Circuitos da F1Série Circuitos da Fórmula 1
Tendência

SÉRIE CIRCUITOS ESPECIAL: Macau

Estreito e desafiador, o circuito de Macau surgiu de forma despretensiosa e conquistou a preferência dos pilotos.

Uma mistura de ocidente e oriente, fruto da colonização de 400 anos de Portugal na comunidade de pescadores na China, Macau é conhecida atualmente por seus cassinos e também por seu circuito estreito e desafiador.

A história do circuito de rua de Macau começou nos anos 1950. Reunidos no hotel Riviera para um café matinal, os amigos Fernando Macedo Pinto, Carlos Silva, Paulo Antas e Capitão Cruz, todos apaixonados por automobilismo, tiveram a ideia de realizar uma corrida no estilo “caça ao tesouro” na cidade.

Como queriam fazer o evento pela cidade, resolveram escrever para o Hong Kong Club, pedindo orientações de como organizar a corrida. E para a surpresa dos amigos, a resposta veio pessoalmente, quando Paul de Tois foi até Macau conferir de perto o projeto. O traçado começava no hotel Mandarin Oriental, seguia pela marina até onde hoje fica o Hotel Lisboa, passando pelas casas da parte antiga da cidade até voltar para a parte da marina. Quando De Tois viu o traçado que eles haviam delineado, ficou enlouquecido, dizendo que o que eles tinham em mão era um traçado de Grande Prêmio até mesmo melhor do que o de Mônaco. E assim nasceu o Circuito da Guia.

Traçado inicial, com 6,276 km de extensão. O traçado sofreu apenas pequenas alterações, sendo a maior na hairpin Melco. Foto: reprodução

 

Melco hairpin, que se assemelha com o hairpin de Mônaco. Foto: reprodução

Nos dias 30 e 31 de outubro de 1954, aconteceu o primeiro GP de Macau. Os 15 inscritos levaram quatro horas para dar 51 voltas na pista e no final, Eddie Carvalho pilotando uma Triumph TR2, ficou com a vitória.

Eddie Carvalho foi o vencedor da primeira corrida disputada em Macau. Foto: reprodução

A corrida foi um sucesso, exceto pela parte de trás do circuito, que tinha muita poeira e areia, fazendo com que os pilotos tivessem que usar as copas das árvores como forma de se localizar.

Parte de trás do circuito, feito de terra, o que atrapalhava a visibilidade dos pilotos. O traçado foi asfaltado no ano seguinte. Foto: reprodução

Os amigos achavam que essa seria a primeira e última edição da corrida, mas Paul de Tois não deixou isso acontecer. Em 1955, os paralelepípedos foram substituídos por asfalto e começou a cobrança de ingressos, que ajudaram a aliviar os crescentes gastos com a organização da corrida. No ano seguinte, um paddock permanente com lugar para 300 pessoas e uma área asfaltada com 10 boxes foram construídos na frente do Hotel Mandarin Oriental. Em 1958, o hairpin Melco foi modificado, reduzindo a extensão da pista.

Traçado de Macau atualmente, com a alteração no hairpin Melco. O traçado passou a ter 6,115 km de extensão. Foto: reprodução.

Em 1956, foi criada uma categoria para mulheres, com a primeira corrida sendo vencida por Maria Fernandes Ribeiro. A filha de Eddie Carvalho, Maria Fernanda “Nana” Cabral de Carvalho de Barros, quis participar da prova, mas não conseguiu autorização do pai para correr.

As mulheres também foram às pistas e Maria Fernanda Ribeiro foi a primeira pilota a vencer no circuito. Foto: reprodução

No começo, Macau recebia corridas amadoras, enquanto ganhava cada vez mais prestígio e atraia a atenção de pilotos profissionais. A mudança veio em 1960, quando Macau entrou no quadro de competições internacionais, passando a seguir as regras da FIA e atraindo pilotos estrangeiros, como em 1966, quando o piloto italiano Mauro Bianchi, avô do finado piloto Jules Bianchi, inscreveu seu carro esportivo da Alpine Renault, com o qual disputou as 24h de Le Mans naquele ano. Bianchi não só venceu a corrida, como foi o primeiro a completar uma volta em menos de três minutos.

Mauro Bianchi bateu recorde em Macau e saiu de lá com a vitória na corrida de 1966. Foto: reprodução

Com a corrida atraindo mais profissionais, a segurança também teve que ser reforçada, principalmente depois do acidente em 1967, que vitimou o piloto Arsenio “Dodjie” Laurel. Vencedor das corridas de 1962 e 1963, Laurel morreu após se chocar contra o muro na marina, evitando ir na direção do público que assistia a corrida.

Em 1967, os motociclistas finalmente tiveram seu pedido atendido e puderam correr na pista de Macau, com Hiroshi Hasegawa, pilotando uma Yamaha, saindo com a vitória na corrida inaugural.

Em 1972, começaram as corridas de carros de turismo, que se chamavam Guia Race. John MacDonald, que já tinha vencido corridas em motos e carros, saiu com a vitória na corrida inaugural, pilotando um Austin Cooper S. As corridas foram um sucesso e atraíram mais montadoras para o grid, como BMW, Jaguar, Ford, Nissan e Volvo.

Em 1983, veio a mudança que elevou o status do circuito. A Formula Atlantica, que vinha sendo disputada no circuito, foi substituída por uma corrida de F3, que passou a se chamar FIA Formula 3 World Cup, o que trouxe muitas estrelas em ascensão para a pista chinesa e atualmente é uma das etapas mais aguardadas pelos pilotos. Atualmente, para participar da corrida, os pilotos são convidados pela FIA e têm que ter a licença na categoria B ou mais alta e ter corrido pela F3 ou campeonatos regionais da categoria, com os melhores colocados tendo preferência na hora de preencher uma das 30 vagas. A corrida não conta para o campeonato, mas o vencedor sai de Macau com o prestígio de ter vencido essa lendária corrida, que já teve entre os vencedores, nomes como Ayrton Senna, que venceu a edição de 1983, e Michael Schumacher.

Ayrton Senna foi o vencedor da primeira corrida de F3, em 1983. A corrida é uma das mais aguardadas pelos pilotos da categoria. Foto: reprodução

O prestígio da corrida é tanto que em 2001, Takuma Sato fez questão de disputar a corrida, mesmo já tendo contrato assinado com a F1. O piloto japonês queria a vitória, já que no ano anterior bateu na primeira bateria e finalmente conseguiu sair com o troféu de vencedor em sua segunda tentativa.

Em 2004, a corrida da F3 passou por uma mudança de formato. Até então, a corrida era disputada em duas baterias, com os tempos combinados para decidir o vencedor. Só poderiam entrar na disputa os pilotos que completassem todas as voltas das duas baterias. Com a mudança, uma classificação passou a ser feita no sábado, com uma corrida única de 15 voltas disputada no domingo. Em 2019, com a F3 sendo incorporada como um dos passos no caminho da F1, o formato sofreu mais uma alteração. A classificação passou a ser feita na quinta e sexta, definindo o grid para uma corrida de classificação feita no sábado, decidindo assim o grid de largada para a corrida principal de 15 voltas disputada no domingo.

Em 2008, a GT passou a disputar corrida no circuito chinês. O Macau GT Cup teve o piloto da casa, Darryl O’Young, como vencedor.

Durante os anos, o circuito passou por melhorias em sua infraestrutura, como a instalação de barreiras Armco por todo o traçado. Em 1993, no aniversário de 40 anos da pista, foi inaugurado uma instalação permanente, que conta com a nova área de boxes e paddock. O prédio ainda conta com uma garagem subterrânea, que em dias de corrida, é usada pelas equipes das corridas de apoio, além de uma nova torre de controle. As obras também retiraram a única parte do circuito que tinha uma área de escape com brita, na R. Bend.

Para aumentar ainda mais o desafio da pista, o crescimento da cidade viu prédios surgirem ao redor da pista. Em 2013, uma nova torre de controle foi inaugurada, em uma nova fase de desenvolvimento, que teria um novo prédio para acomodar a imprensa, funcionários e patrocinadores, além de novas garagens.

Mesmo com as mudanças, o circuito estreito é um desafio para os pilotos e ainda guarda seus perigos. Engavetamentos acabam sendo comuns, como na corrida de GT em 2017, que envolveu 15 carros.

Engarrafamento na corrida de GT em 2017. A pista estreita facilita acidentes desse tipo. Foto: reprodução

Na etapa da F3 de 2018, um acidente quase foi fatal. A pilota Sophia Floersch se envolveu em um acidente e seu carro voou, batendo a 276,2 km/h em um alambrado e acertando um abrigo para fotógrafos que ficava no local. Um fiscal sofreu uma laceração no fígado, outro teve uma fratura no rosto e um fotógrafo sofreu uma concussão. Sophia sofreu uma fratura na coluna e precisou ser operada, voltando às pistas depois de alguns meses.

O carro de Sophia Floersch destruiu o alambrado depois de voar após um toque. Apesar de sofrer uma fratura na coluna, a pilota voltou às pistas depois de alguns meses. Foto: reprodução

Por conta da batida, a curva que fica em frente ao Casino Lisboa e que tem um ângulo de 90º, foi modificada. O espaço entre a parede interna e a zebra foram diminuídos, com mais alambrado e uma barreira de pneus sendo adicionados ao local, que também perdeu o espaço para os fotógrafos. Apesar das mudanças na curva, os pilotos não notaram muita diferença na hora de passar pelo trecho, mas agradeceram por ter mais segurança.

Com a pandemia de Covid-19, as etapas de 2020 e 2021 foram canceladas, com Richard Verschoor sendo o último vencedor. O circuito não ficou parado, com as corridas de F3 sendo substituídas pela F4 chinesa, com as duas corridas sendo vencidas por Hon Chio Leong. Em 2022, mais um surto de Covid colocou Macau em lockdown e não há estimativa para a realização da corrida.

No total, dez pilotos já venceram o prestigiado GP de Macau mais de uma vez. O inglês John MacDonald, que corria sob a bandeira de Hong Kong, é o maior vencedor, com 4 vitórias na Formula Libre, além de uma na Guia Race e uma na corrida de motos. Na mesma categoria, Geoff Lees e Arsenio Laurel venceram duas, mesmo número de vitórias de Vern Schuppan pela Formula Pacific. Entre os vencedores pela F3, apenas quatro pilotos tiveram a honra de vencer mais de uma edição da corrida. O primeiro piloto a entrar nesse hall da fama foi Edoardo Mortara, atualmente na Formula E, que venceu as provas de 2009 e 2010.

Edoardo Mortara é considerado o Mister Macau, depois de vencer duas vezes pela F3 e mais 4 na GT, fora as vitórias nas corridas de classificação. O piloto italiano-suíço foi o primeiro a vencer duas corridas no circuito pela F3. Foto: reprodução

As edições de 2014 e 2015 foram vencidas por Felix Rosenqvist. Em 2016, Antonio Felix da Costa entrou para o grupo, depois de ter vencido também a corrida de 2012. Dan Ticktum venceu as corridas de 2017 e 2018.

Entre os brasileiros, Roberto Pupo Moreno venceu em 1982, pela Formula Atlantic. Pela F3, Ayrton Senna, Maurício Gugelmin e Lucas Di Grassi venceram na pista chinesa. Christian Fittipaldi e Sérgio Sette Câmara conseguiram subir no pódio, chegando em 3º nas corridas de 1991 e 2016, respectivamente. Na GT, Augusto Farfus venceu a edição de 2018.

Mostrar mais

Deixe uma resposta

Botão Voltar ao topo