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SÉRIE CIRCUITOS – ESPECIAL: Le Mans

De uma maneira de mostrar a confiabilidade dos carros nasceu uma das corridas mais icônicas do automobilismo

O começo

Se tem uma pista conhecida pelos amantes de automobilismo é o circuito de La Sarthe, palco da icônica 24 horas de Le Mans, que junto com as 500 Milhas de Indianápolis e o GP de Mônaco de F1, formam a Tríplice Coroa, feito só conquistado por Graham Hill e que muitos sonham em igualar.

A região de Le Mans já tinha sediado o primeiro GP da França, em 1906, em um traçado de rua de 103 km de extensão.


A região de Le Mans sediou o primeiro GP da França, vencido pelo húngaro Ferenc Szisz, da equipe Renault. Foto: reprodução

Outras corridas foram acontecendo em outro circuito montado nas ruas da região. Em 1920, a Union Motocyclist de France (UMF) organizou uma corrida de motos em um traçado triangular entre Pontlieue, em Le Mans, até a cidade de Mulsanne. O traçado de 16 quilômetros era uma prova de fogo para as máquinas, com apenas quatro dos 31 pilotos que começaram a corrida chegando ao final.

Comparação entre os traçados usados em Le Mans durante o começo do século XX. – Foto: reprodução

As corridas de moto continuaram acontecendo também sob supervisão do Automobile Club de l’Ouest (ACO) e em 1922, surgiu a ideia de se fazer uma corrida de 24 horas de duração. A empresa de motocicletas Rudge Whitworth ofereceu ao secretário do ACO, Georges Durand, 100.000 francos para ajudar na montagem da corrida e também servir de premiação para os vencedores.

Cartaz da primeira corrida em Le Mans, com o patrocínio da Rudge Whitworth. – Foto: reprodução

Ainda em dúvida sobre a corrida, Durand logo mudou de ideia. Essa era a oportunidade ideal para fazer uma corrida em que as montadoras pudessem mostrar o valor de seus carros. O ávido público também teria um espetáculo a seu alcance. O presidente do ACO entrou na discussão e o jornalista Charles Faroux ficou encarregado de escrever as regras e regulamentos da corrida.

E foi assim que no dia 26 de maio de 1923, 33 carros se alinharam no grid para a primeira corrida das 24 de Le Mans. O traçado ainda era o mesmo usado nas corridas de motos e André Lagache e René Léonard se sagraram vencedores, percorrendo uma distância de 2.787 km. A corrida também foi um sucesso com os carros, já que 30 deles conseguiram cruzar a linha de chegada.

Traçado que foi usado nas corridas de motos em 1921 e também serviu para a 1ª edição das 24h de Le Mans. – Foto: reprodução
Primeira edição das 24 Horas de Le Mans. – Foto: reprodução

A pista foi ganhando algumas atualizações durante os anos. Em 1926, o trecho entre Pontlieue e Mulsanne foi asfaltado pela primeira vez, com um estacionamento para 3 mil veículos também sendo criado. Em 1929, o traçado foi diminuído para não passar pelos subúrbios das cidades, que estavam se expandindo rapidamente. Uma nova via de acesso foi construída com recursos da ACO e foi chamada de Rue du Circuit, sobrepassando o hairpin da Pontlieue.

Traçado usado em 1929, que eliminou o hairpin Pontlieue, que passava muito próximo aos subúrbios da cidade. – Foto: reprodução

Mesmo com essas mudanças, havia muito o que ser feito. Em 1932, a maior preocupação era com as estreitas entradas das cidades, que colocavam os pilotos e o público em risco. Com os subúrbios crescendo cada vez mais rápido, foi preciso redirecionar o traçado para ficar longe das casas. O ACO comprou as terras perto dos boxes e criou uma estrada de acesso de 1.500 km, que saia na reta Mulsanne, sendo ligadas pela recém criada curva Tertre Rouge. Essa nova parte foi construída com bankings, para proteger o público e contava com uma curva acentuada para a direita, que iniciava a volta e uma série de Esses. As famosas pontes Dunlop também foram erguidas nessa época.

Mais modificações foram feitas em 1932, tentando manter os carros longes das casas, com o traçado ficando com 13,461 km de extensão. – Foto: reprodução
Uma das alterações feitas em 1932 foi a construção de duas pontes Dunlop. – Foto: reprodução

As corridas continuaram até 1939, quando a Segunda Guerra Mundial paralisou as competições. Com a França destruída, foi somente em 1948 que se começou a pensar na volta das corridas. Isso porque embora a pista estivesse em boas condições, o mesmo não se podia falar das instalações, que precisaram ser reconstruídas. Não só tudo foi reerguido, mas várias lojas e restaurantes surgiram no local, criando uma pequena cidade no circuito.

A corrida foi retomada em junho de 1949, quando um público de 180 mil pessoas viu a Ferrari entrar para a história. Depois de vencer a Mille Miglia e a Targa Florio, a equipe italiana saiu com a vitória também nas 24 de Le Mans, vencendo as três competições mais importantes da época no mesmo ano.

Com a vitória em Le Mans, a Ferrari venceu três das mais importantes competições em 1949. – Foto: reprodução

A tragédia que mudou o automobilismo

Não só de conquistas e fatos históricos viveu o circuito. O circuito quase foram extinto em 1955, quando Le Mans foi palco do pior acidente da história do automobilismo e que afetou também muitas competições na Europa. Na 35ª volta, Mike Hawthorne diminuiu a velocidade para entrar nos boxes. Lance Macklin, que vinha atrás, desviou do piloto britânico, mas acertou o carro de Pierre Levegh, que voou ao atingir um banking, capotando na barreira de proteção e mandando pedaços de carro em direção à arquibancada. Além de Levegh, mais de 83 espectadores perderam a vida no acidente, além dos inúmeros feridos pelos destroços que voaram sob a multidão.

Esquema mostra todos os momentos do acidente fatal em 1955. – Foto: reprodução

Mesmo com a tragédia, a corrida continuou normalmente. O diretor de prova, Charles Faroux, se defendeu das críticas, afirmando que parar a corrida só atrairia a multidão para o local do acidente, que ficava perto da saída e também lotaria as estradas, dificultando o resgate.

Como consequência do acidente, todas as corridas em território francês foram suspensas, afetando circuitos como Reims e Rouen. Além disso, a regulamentação de circuitos ficou mais rígida, tentando evitar mais acidentes desse tipo, com as pistas tendo que se adequar para voltar a receber as competições. A Mercedes abandonou o automobilismo ao final da temporada e não competiu mais até voltar em 1987, fornecendo motores para a equipe Sauber no campeonato de Endurance.

A Sauber Mercedes C9 foi vitoriosa em Le Mans em 1989, no terceiro ano da volta da Mercedes para o automobilismo. – Foto: reprodução

Na F1, a montadora também começou como fornecedora de motores da McLaren em 1995, até criar sua própria equipe de F1 em 2010, se expandindo para outras categorias, como a Formula E.

Em toda a Europa, surgiram pedidos para a proibição de corridas, mas apenas a Suíça aceitou o pedido, com Le Mans ainda se mantendo no calendário, não sem antes passar por modificações. Toda a área dos boxes foi remodelada e realinhada, para criar um espaço maior entre a arquibancada e a pista. O aumento na largura do trecho dos boxes também modificou a curva Dunlop. Uma área de sinalização também foi criada depois da curva Mulsanne, já que por ser de baixa velocidade, seria o local ideal para as equipes colocarem as placas de aviso para os pilotos, desafogando a área do pitlane.

Aos poucos Le Mans foi reconquistando o prestígio de antigamente e a épica disputa entre Ford e Ferrari em 1966, que virou até filme em 2019, e mais tarde com o domínio da Porsche, ajudaram a sedimentar a corrida como lendária.

Ford vs Ferrari

A história da rivalidade começou em 1963, quando Henry Ford II, CEO da montadora estadunidense criada por seu avô, quis investir em carros esportivos, se interessando em adquirir a Ferrari. As negociações estavam quase finalizadas, quando Enzo Ferrari não concordou com a cláusula que dava a Ford o poder de decisão também no setor de automobilismo. E em meios a muitos xingamentos por parte do Comendador, o negócio não foi adiante e Enzo acabou vendendo parte das ações da Ferrari para a Fiat.

A Ford resolveu se vingar nas pistas, mais precisamente nas 24 Horas de Le Mans, corrida de grande importância para a rival. E assim nasceu o GT40. O carro inicialmente foi um fracasso, perdendo para a Ferrari nas corridas de 1964 e 1965. Aí entra Carroll Shelby na história. Vencedor de Le Mans e também projetista de carros, Shelby passou de consultor para responsável pelo projeto. Com a ajuda de Ken Miles, engenheiro e piloto de testes, o carro passou por melhorias e foi rebatizado de GT40 Mk. II, fazendo sucesso nas pistas em 1966, com Miles vencendo as 24h de Daytona e as 12h de Sebring.

Ken Miles e Carroll Shelby conseguiram tornar o Ford GT40 Mk.II em um sucesso. – Foto: reprodução

E em Le Mans, a Ford derrotou a Ferrari com estilo. Enquanto a equipe italiana não completou a corrida, a Ford ficou com as três primeiras posições. Ken Miles deveria ter sido o vencedor, mas seguindo o conselho de Leo Beebe, relações públicas da Ford, Shelby pediu que Miles desacelerasse para que os dois carros cruzassem a linha de chegada juntos.

A Ford pediu para Miles (carro azul e laranja) esperar para cruzar a linha de chegada junto com McLaren (carro preto), que no final, acelerou e ficou com a vitória. – Foto: reprodução
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Só que esse procedimento daria a vitória a Bruce McLaren e Chris Amon, já que teriam percorrido uma distância maior. No final, o piloto neozelandês acelerou um pouco mais e cruzou a linha de chegada na frente.

Bruce McLaren, Henry Ford II e Chris Amon comemoram a vitória nas 24h de Le Mans. – Foto: reprodução

Miles faleceu em um teste poucos meses depois, sem conseguir correr a prova de 1967, que foi vencida por Dan Gurney e A.J.Foyt pilotando o Ford GT40 Mk. IV.

Mudanças e mais mudanças

Essas disputas também trouxeram mais modificações, já que os crescentes aumentos nas velocidades dos carros pediam por mais segurança na pista. Em 1968, a chicane Ford foi construída antes da entrada dos boxes. No ano seguinte, barreiras Armco foram colocadas no traçado e em 1971, a área dos boxes foi separada da pista por um muro.

Traçado usado entre 1968 e 1971, com a chicane Ford e os boxes separados da pista. – Foto: reprodução
A área dos boxes passou a ser separada da pista em 1971. – Foto: reprodução

O circuito tinha uma vantagem muito grande, a administração do ACO, que sempre realizou as mudanças pedidas, como aconteceu em 1972, quando os pilotos criticaram a Maison Blanche, que já tinha vitimado o piloto John Woolfe em 1969 e viu um engavetamento de Ferraris no ano seguinte. O ACO rapidamente criou uma nova estrada de acesso no criticado trecho. Apenas uma mudança não acabou acontecendo. Nos anos 1970, começou a se pedir que o traçado não contasse com muitas estradas públicas, o que nunca foi atendido.

Traçado usado entre 1972 e 1978, com a alteração feita na Maison Blanche a pedido dos pilotos. – Foto: reprodução

O circuito passou por mais mudanças durante os anos. Uma das pontes Dunlop foi demolida para a criação de uma nova seção de estrada na área da curva Tertre Rouge, que também passou por alterações em 1979. A curva Mulsanne também foi alterada em 1986, com uma rotatória sendo construída para evitar acidentes na estrada quando ela estava sendo utilizada pelos carros de passeio. A FIM também pediu mudanças em Le Mans, já que as motos chegavam com muita velocidade perto da ponte Dunlop que sobreviveu. Para isso, uma chicane foi instalada antes da ponte em 1987. As demais categorias se aproveitaram da mudança e também passaram a usar a chicane.

Sobrou até para a reta Hunaudières, que tinha 5,8 km de comprimento. A FIA determinou a extensão máxima de uma reta e duas chicanes foram instaladas no local em 1990 e acabaram com as chances de alguém bater o recorde de Roger Dorchy, da equipe WM, que bateu a marca de 405 km/h nesse trecho em 1988.

Mudanças feitas entre 1979 e 1990, com a principal delas sendo as chicanes instaladas na reta Hunaudières. - Foto: reprodução
Mudanças feitas entre 1979 e 1990, com a principal delas sendo as chicanes instaladas na reta Hunaudières. – Foto: reprodução

Com novos boxes sendo erguidos em 1991, a entrada do pit lane também foi alterada, começando agora na Chicane Ford. Essa mudança colocou os boxes mais longe da pista, dando mais espaço não só para as equipes, mas também para os fotógrafos e fiscais.

Em 1997 foi feita uma pequena mudança na chicane Dunlop, mudando a localização para mais longe da pista e também alterando o ângulo de saída. Isso serviu para criar uma área de escape maior. Em 2000, foi a vez da elevação da Mulsanne ser achatada, depois que dois carros da Mercedes-Benz decolarem por conta da instabilidade aerodinâmica em 1999.

A mudança mais radical viria em 2002, alterando toda a seção entre a ponte Dunlop e os Esses, com a reta que ligava esses pontos sendo substituídas por uma série de curvas, melhorando também a entrada para a curva La Chapelle, que integra o circuito Bugatti.

Em 2006, a curva Dunlop foi mudada mais uma vez, para ampliar a área de escape. Os boxes também foram aumentados para abrigar até 56 carros. A capacidade foi aumentada nos anos seguintes, com o crescente número de inscritos.

Traçado usado atualmente. – Foto: reprodução

Em 2007, a Tertre Rouge também foi alterada para criar uma área de escape. Em 2014, a curva foi levemente recuada e as barreiras de proteção foram modificadas depois do acidente fatal de Allan Simonsen no ano anterior, quando o piloto sofreu com o impacto de uma árvore que estava atrás da barreira, rompendo a aorta.

O trecho da Tertre Rouge foi alterado, dando mais espaço entre as barreiras e as árvores. – Foto: David Legangneux

Já em 2016, as curvas Indianapolis e Arnage viraram exclusivas do circuito, depois que uma nova seção de estradas públicas foi construída sobressaindo as curvas.

Circuitos Bugatti e Maison Blanche: corridas o ano inteiro

No começo dos anos 1950, começou a se falar sobre a criação de um circuito permanente dentro do traçado das 24 horas. O maior problema enfrentado pelo traçado usado na corrida de Endurance era a limitação de seu uso. Feito de estradas públicas, era inviável fechar todo o local para cada corrida, além dos custos elevados para se fazer isso. Sob pressão dos pilotos e equipes que queriam um local em que se pudesse correr durante todo o ano sem essas preocupações, a criação do Circuito de Bugatti foi aprovada em 1964, com Charles Deutsch sendo o responsável por criar o traçado. Deutsch usou a área atrás dos boxes do circuito das 24 Horas para criar um traçado cheio de curvas, que usava todas as instalações de pitlane, boxes e arquibancadas do traçado principal.

A construção do novo circuito começou no final de 1964 e a nova pista, que tinha 4,430 km de extensão, ficou pronta em abril do ano seguinte. O nome é uma homenagem a Ettore Bugatti, famoso fabricante de carros francês que leva seu nome.

Traçado atual do circuito de Bugatti. – Foto: reprodução

Depois de apenas dois anos recebendo corridas, o circuito de Bugatti recebeu a F1. No dia 2 de julho de 1967, 20 mil espectadores viram Jack Brabham vencer o GP da França, com Denny Hulme e Jackie Stewart completando o pódio.

Jack Brabham venceu a única corrida de F1 disputada em Le Mans. – Foto: reprodução

Guy Ligier foi o único representante da casa, mas não completou a corrida. Com um público baixo e a desaprovação dos pilotos, essa foi a única corrida disputada pela categoria nesta pista, que passou a disputar a etapa francesa em outros circuitos, como Rouen, Clermont-Ferrand e Paul Ricard.

Se a F1 não quis Bugatti, as motos se aproveitaram da pista e em 1969, a pista recebeu sua primeira corrida válida por um campeonato mundial, tendo a vitória de Giacomo Agostini na categoria 500cc. Só que o Grande Prêmio acabou rotacionando entre os circuitos e só passou a ser fixo em Bugatti em 2000.

Outras importantes corridas de motociclismo aconteceram em Le Mans, como uma corrida de 24 horas e o evento de endurance Bol D’Or. Essas provas acabaram influenciando muito nas mudanças feitas no circuito principal, tudo a pedido da FIM, sendo que a maioria das mudanças visava criar mais áreas de escape para os pilotos.

A construção do circuito de Bugatti se mostrou acertada, já que hoje em dia, a pista é ocupada em 90% do ano.

Esquema de cores mostra as alterações feitas durante os anos, seja para se adequar às mudanças na pista principal ou para abrigar o museu do circuito. – Foto: reprodução

Com o circuito de Bugatti sempre ocupado, foi construída uma segunda pista em 1976. O circuito de Maison Blanche, ao lado da pista principal, entre as curvas Porsche e Ford, foi erguido para servir de pista de testes e para abrigar uma escola de pilotagem.

Tendo várias opções de traçado, o circuito chega a dividir um trecho com a pista principal. Em 2007, o traçado foi remodelado para incorporar ainda mais do traçado principal, com a opção mais longa indo até a Virage Corvette, passando pela Maison Blanche, com o resto do circuito também sendo repaginado para atender aos padrões de segurança.

Circuito de Maison Blanche, que funciona como escola de pilotagem e de testes. – Foto: reprodução

Em 2015, a Porsche se apropriou do local e criou a Porsche Experience Centre, depois de ter criado uma escola de pilotagem no local quatro anos antes.

A Porsche abriu um centro de experiência, junto com a escola de pilotagem da montadora que já existia em Le Mans. – Foto: reprodução

Nada mais justo para a equipe mais bem sucedida na icônica corrida. Mais de 800 carros da fabricante já participaram das 24 Horas desde 1951. Só na corrida de 1971, por exemplo, 33 dos 49 carros eram da Porsche. A equipe venceu 19 vezes na classificação geral, sendo sete consecutivas (entre 1981 e 1987), além de conquistar 108 vitórias em classes. Na edição de 2021, oito equipes utilizarão doze Porsches 911 RSR nas corridas nas classes GTE Pro e Am.

Curiosidades e tradições

As 24 horas de Le Mans acontecem desde 1923 e desde então, apenas em alguns anos a corrida não aconteceu. A primeira vez foi em 1936, devido a uma greve geral na França. Entre 1940 e 1948, não só a corrida de Le Mans não aconteceu, mas todo o automobilismo europeu foi paralisado pela Segunda Guerra Mundial.

A corrida de Le Mans tinha suas particularidades quando se falava de classificação. Até 1963, ela não existia e os pilotos eram alinhados no grid de largada por tamanho de motor, com os maiores na frente e os menores atrás. Depois disso, a corrida passou a ter um sistema de classificação a qual estamos acostumados, com a posição no grid sendo definida pelo tempo de volta.

Outra coisa que Le Mans tinha de diferente eram as largadas. Desde sua primeira corrida, em 1923, até 1969, os pilotos tinham que atravessar a pista correndo e entrar rápido em seus carros. Esse estilo de largada acabou sendo copiado nas 12h de Sebring.

Pilotos correm para seus carros, na tradicional largada em Le Mans. O sistema foi mudado em 1970, depois de um acidente fatal no ano anterior. – Foto: reprodução

A partir de 1970, a largada passou a ser com os pilotos já nos carros, depois da morte de John Woolfe na primeira volta da corrida de 1969. Woolfe bateu na Maison Blanche e como estava sem cinto de segurança por conta do procedimento que era adotado, foi arremessado do carro, causando a mudança na largada, com os pilotos já estando devidamente afivelados nos carros. No começo os carros ainda ficaram angulados, como eram colocados antigamente, sendo alinhados de frente em 1971.

Desde 1971, os carros se alinham de frente para a largada. – Foto: reprodução

E se hoje o mínimo exigido é três pilotos se revezando no carro, com um limite de tempo em que um único piloto pode ficar atrás do volante, nem sempre foi assim. E já houve quem tentou fazer as 24 horas da corrida sozinho! Cinco pilotos se aventuraram nessa, incluindo Eddie Hall, que em 1950 pegou seu Bentley de 17 anos e chegou em 8º na classificação geral, batendo Ferrari e Aston Martin.

Eddie Hall na edição de 1950, na qual correu sozinho, chegando em 8º na classificação geral. – Foto: reprodução

Outra tradição que nasceu em Le Mans foi o banho de champanhe no pódio. Na verdade, o primeiro a fazer o gesto foi Graham Hill, em fevereiro de 1966, no GP da Austrália, quando os fotógrafos pediram para que o piloto repartisse a bebida com eles e Hill deu um banho de champanhe em quem estava por perto. Como o evento não era televisionado, não teve um alcance internacional.

Graham Hill espalhando champanhe na comemoração do pódio em 1966. – Foto: reprodução

Alguns meses mais tarde, ao vencer em Le Mans, Jo Siffert acabou espalhando champanhe em todo mundo por acidente, já que a bebida estava quente por ter ficado muito tempo ao sol. O gesto de comemorar com um banho de champanhe veio em definitivo em 1967, quando ainda extasiado com a vitória, Dan Gurney nem pensou quando chacoalhou a garrafa e jogou a bebida nos convidados, que incluíam Henry Ford II e Carroll Shelby, começando assim uma tradição que ganhou ainda mais amplitude depois que Jackie Stewart repetiu o ato depois de vencer o GP da França de F1, em 1969.

Feliz com a vitória, Gurney nem pensou quando chacoalhou a garrafa e deu um banho nos convidados que estavam em volta, começando a tradição. – Foto: reprodução

O troféu entregue aos vencedores passou por modificações durante os anos. No começo, eram três modelos de taças, dependendo da ocasião, sendo premiadas equipes com vitórias consecutivas.

No começo de Le Mans, os vencedores erguiam o troféu Rudge-Whitworth, oferecido pelo patrocinador da corrida. – Foto: reprodução

Hoje os vencedores levantam o troféu criado em 1993, que pesa 70 kg e volta para os organizadores depois da corrida. A equipe que vencer a corrida três vezes consecutivas pode levar o troféu para casa definitivamente. Em 2013, a deusa Nike que enfeitava o centro da peça foi substituída por uma réplica do troféu Rudge-Whitworth.

Em 2013, para comemorar os 90 anos da prova, o troféu teve a parte central substituída pelo troféu Rudge-Whitworth. – Foto: reprodução

Ter uma boa vantagem na liderança traz tranquilidade para os pilotos e os ingleses Dudley Benjafield e Sammy Davis que o digam! Os dois venceram a edição de 1927 com 349,808 km de vantagem para os franceses André de Victor e Jean Hasley, a maior vantagem entre o vencedor e o segundo colocado.

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E com 13,629 km de extensão, um carro de safety car não dá conta do recado e em Le Mans são usados três veículos.

As estrelas do show

Se Graham Hill era o Mr. Mônaco, Tom Kristensen ficou conhecido como Mr. Le Mans. Isso porque o piloto dinamarquês subiu 14 vezes no pódio, vencendo nove edições da corrida, entre 1997 e 2013, sendo o maior vencedor nessa prova. E Endurance é a especialidade do piloto, já que ele também venceu seis vezes as 12 Horas de Sebring, sendo o maior vencedor na pista estadunidense. Em número de participações, o dinamarquês perde para o francês Henri Pescarolo, que participou da prova 33 vezes entre 1966 e 2009, vencendo três vezes.

O dinamarquês Tom Kristensen é o maior vencedor em Le Mans, com nove triunfos na prova francesa. – Foto: reprodução

A F1 pode ter disputado apenas uma corrida em Le Mans, mas seus pilotos não perderam a chance de disputar a famosa prova de endurance. No total, 65 pilotos que passaram pela F1 já venceram em Le Mans.

O seleto grupo de pilotos que foram campeões na F1 e venceram em Le Mans conta com cinco integrantes. Mike Hawthorn foi o primeiro a vencer, disputando a vitória na corrida francesa com Juan Manuel Fangio em 1955, ano do fatídico acidente. O piloto britânico venceu o campeonato da F1 em 1958.

Já Phil Hill tem 3 vitórias em Le Mans no currículo (1958, 1961 e 1962) em 14 participações na prova, sendo campeão na F1 em 1961. Jochen Rindt venceu o campeonato de F1 em 1970, já tendo a vitória na edição de 1965 de Le Mans na conta. O espanhol Fernando Alonso tem dois títulos na F1 e depois de se aposentar momentaneamente da categoria, passou a disputar outras séries, inclusive o endurance, vencendo a prova de Le Mans em duas ocasiões. O espanhol chegou perto de conquistar a tríplice coroa, quando liderava as 500 Milhas de Indianápolis, em 2017. O piloto acabou abandonando a poucas voltas do fim com problemas no motor.

Já que Alonso não conseguiu a Tríplice Coroa, o feito ainda continua inteiramente nas mãos de Graham Hill. O piloto britânico bicampeão mundial de F1, venceu a primeira de suas cinco corridas em Mônaco em 1963. Em 1966, foi a vez de Hill conquistar as 500 Milhas e em 1972, completar a Tríplice Coroa com a vitória em Le Mans, no que foi sua 10ª e última participação na corrida francesa.

Graham Hill festeja a vitória na edição de 1972 de Le Mans com seu companheiro de equipe, Henri Pescarolo. Com o triunfo, Hill conquistou a Tríplice Coroa, feito que ainda não foi alcançado. – Foto: reprodução

Na lista de pilotos de F1 que venceram uma corrida na categoria e também se sagraram vencedores em Le Mans temos doze nomes. O mais bem sucedido foi Jacky Ickx, que venceu a corrida de 24 Horas em seis ocasiões, além de ter mais oito vitórias na F1. Os outros nomes são Jose Gonzales Froilan, Maurice Trintignant, Ludovico Scarfiotti, Lorenzo Bandini, Bruce McLaren, Dan Gurney, Pedro Rodriguez, Didier Pironi, Johnny Herbert, Jochen Mass e Michele Alboreto. E ainda há 48 pilotos que venceram a prestigiada prova francesa, mas nunca venceram na F1, sendo que a dupla que venceu a corrida de 2020 foi formada por três ex-pilotos da categoria: Sébastien Buemi, Kazuki Nakajima e Brendon Hartley.

E as mulheres participaram em peso da corrida. Odette Siko e Marguerite Mareuse foram as primeiras a se aventurar na pista francesa em 1930, chegando em 7º na classificação geral e em 2º em sua categoria, correndo com um Bugatti T 40 inscrito por Mareuse.

Marguerite Mareuse e Odette Siko foram as pioneiras entre as mulheres em Le Mans. Siko participou de quatro corridas consecutivas, tendo o melhor resultado entre as mulheres, chegando em 4º na classificação geral e vencendo em sua classe em 1932. – Foto: reprodução

Até 2020, 63 mulheres já competiram em Le Mans, com dez delas conseguindo vencer em suas classes. A lista de participantes conta com nomes conhecidos, como Michele Mouton, vencedora do Campeonato Mundial de Rally e Lella Lombardi, única mulher a competir na F1. A francesa Anne-Charlotte Verney foi a pilota com mais participações, com 10 provas realizadas entre 1974 e 1983.

Em 2021, duas equipes terão um carro guiado somente por mulheres. A Richard Mille Racing Team repete a escalação do ano anterior com Tatiana Calderón, Sophia Floerisch e Beitske Visser, e a Iron Lynx vem com Rahel Frey, Sarah Bovy e Michelle Gatting. E isso não é novidade em Le Mans, que já teve 26 equipes formadas por mulheres competindo desde a criação da corrida.

Equipe Richard Mille, repete sua formação com três mulheres e será uma das duas equipes formadas apenas por pilotas em 2021. – Foto: reprodução

Outra curiosidade entre os participantes de 2021 é que 9 das 62 equipes são formadas exclusivamente por pilotos da mesma nacionalidade. Na equipe dinamarquesa High Class Racing, além dos três pilotos serem do mesmo país da equipe, ainda conta com uma dupla de pai e filho. Jan e Kevin Magnussen vão correr juntos pela primeira vez, sendo que Jan é um veterano na prova francesa, vencendo quatro vezes em sua classe, enquanto que Kevin faz sua estreia na corrida, tendo começado a correr em endurance em 2021. Os Magnussen não foram os únicos pais e filhos a disputarem a prova. Em 1950, Louis Rosier percorreu quase toda a prova sozinho, com seu filho Jean Louis Rosier pilotando por duas voltas. Em 1983, Mario Andretti subiu ao pódio com seu filho Michael e em 2012, Martin Brundle teve seu filho Alex, que nasceu no ano em que Martin venceu em Le Mans, como seu companheiro de equipe.

Kevin Magnussen cresceu vendo seu pai Jan participar de corridas de endurance e agora vai ter a chance de correr ao seu lado. – Foto: reprodução

Entre os pilotos brasileiros, nenhum participou da corrida de F1 em 1967. Nas 24h, o país já teve 34 representantes. O primeiro foi Bernardo Souza Dantas, que participou da corrida de 1935, com o Brasil tendo novamente um representante em 1954, com Hermano da Silva Ramos. A partir daí, os brasileiros se empolgaram para correr na famosa corrida.

Bernardo de Souza Dantas foi o primeiro brasileiro a competir em Le Mans, em 1935. – Foto: reprodução

Nenhum brasileiro venceu a classificação geral, com quatro pilotos chegando bem perto. José Carlos Pace em 1973, Raul Boesel em 1974, Lucas Di Grassi em 2014 e Bruno Senna em 2020, chegaram em segundo.

Bruno Senna (à esquerda) comemora o segundo lugar na edição de 2020. – Foto: reprodução

A edição de 1978 contou com uma equipe totalmente brasileira, depois de uma parceria com a Cachia Team para a criação da Cachia Team Pace, em homenagem a José Carlos Pace. O carro, pilotado por Alfredo Guaraná Menezes, Paulo Gomes e Mário Amaral, terminou a corrida em 7º lugar.

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E o Brasil tem uma marca triste na corrida, com Christian Heins sendo um dos 23 pilotos que perderam a vida em Le Mans, depois que sua Alpine explodiu em um acidente na corrida de 1963. Outro piloto que se envolveu em um grave acidente foi Fritz d’Orey, que bateu forte na classificação para a corrida de 1960, ficando oito meses se recuperando das lesões, encerrando sua carreira no automobilismo.

O piloto brasileiro Christian Heins entrou para a estatística de Le Mans como um dos 23 pilotos que faleceram na pista francesa. – Foto: reprodução

Em 2023 cinco pilotos brasileiros participarão da corrida. São eles:

Hypercars

Felipe Nasr
Pipo Derani

LMP2

Pietro Fittipaldi
André Negrão

GTE AM

Daniel Serra

Até hoje, 35 pilotos brasileiros já participaram das 24 Horas de Le Mans. Por um lado, nunca um deles chegou ao lugar mais alto do pódio na categoria geral, mas vários estiveram no top-3 e quatro conseguiram vencer a corrida em classes intermediárias.

Programação para às 24 Horas de Le Mans – WEC – Foto Ale Ranieri BP
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