Ele morreu com 32 anos, mas em quase todas as imagens que temos hoje parece uma criança que acabou de aproveitar sua brincadeira preferida. O rosto sujo de óleo e poeira, com as órbitas emolduradas pela marca dos óculos e um semieterno sorriso infantil na cara, até mesmo quando falava. Mas, o mais importante, o brilho no olhar de quem está fazendo exatamente aquilo que queria fazer.
Bruce Leslie McLaren nasceu há exatos 81 anos, em 30 de agosto de 1937, em Auckland, na Nova Zelândia, e transformou seu nome em sinônimo de carros velozes. Seu pai, Les, tinha uma garagem oficina, e havia sido piloto de motocicletas até um acidente forçá-lo a correr de automóveis. O pequeno Bruce cresceu brincando entre carros e ferramentas, e desde cedo mostrou paixão pelas competições. Mas foi obrigado a viver sobre duas rodas quando, aos nove anos, foi diagnosticado com a doença de Perthes, uma necrose na articulação da bacia com o fêmur. O tratamento da época era a imobilização e o menino ficou preso a uma espécie de maca sobre rodas, com a perna tracionada, durante dois anos.
“Mesmo naquela época meu pai me treinava para ser um piloto”, ele disse certa vez. “Ele ficava me ensinando como contornar um apex de uma curva ou as coisas que eu tinha que prestar atenção durante uma corrida”. Eventualmente a doença cedeu, mas não sem deixar marcas: McLaren tinha a perna esquerda cinco centímetros menor do que a direita, e durante boa parte da infância caminhou com o auxílio de muletas. Aos 14 anos, a bordo de um Austin 7 que seu pai havia restaurado, ele começou a participar de provas na ilha natal – com resultados cada vez melhores.
Nas décadas de 50 e 60 os pilotos de automóvel eram aves migratórias. Quando o frio chegava no hemisfério norte, eles voavam dos Estados Unidos e da Europa para o continente australiano, mas levavam seus carros juntos. Tanto a Tasman Series quanto o GP da Nova Zelândia (que era uma prova extracampeonato) estavam sempre recheados de nomes famosos como Graham Hill, Jim Clark ou Jack Brabham.
Aliás, foi Brabham, vizinho australiano, quem reparou primeiro no garoto Kiwi. Jack guardava seus carros na garagem de Les McLaren, e acabou adotando Bruce como seu pupilo. Após ser considerado o melhor piloto neozelandês do ano, McLaren ganhou do governo local uma bolsa para passar um ano na Europa e Jack Brabham o levou consigo para a equipe Cooper. Ele começou na F2 e, em Nurburgring, em 1958, em uma corrida onde os carros de sua categoria dividiam a pista ao mesmo tempo com os Fórmula 1, brilhou de forma inconteste, sendo o primeiro colocado da F2 e o quinto na classificação geral, deixando alguns medalhões como Phil Hill para trás.
Sua equipe mais próxima era formada por colegas de juventude da Nova Zelândia. Ele sempre manteve-se cercado por Kiwis e ostentava um orgulho nacional acima da média. Bruce passava horas nos boxes, mexendo em seu carro junto com os mecânicos, e frequentemente encontrando soluções aerodinâmicas que testava e depois que se provavam acertadas eram divididas com os outros pilotos da Cooper.
Em 1959 foi promovido para a categoria principal, conseguindo bons quintos lugares em Mônaco e Reims, e seu primeiro pódio em Aintree. Mas foi na última corrida do campeonato que entrou para a história, vencendo o Grande Prêmio dos Estados Unidos em Sebring, tornando-se então o piloto mais jovem a conseguir uma vitória oficial na F1. Seu recorde só foi quebrado por Fernando Alonso, em 2003. E, para calcinar as dúvidas, venceu também o GP inaugural de 1960, na Argentina. Neste ano, com mais cinco pódios, terminou o campeonato do mundo em segundo lugar, atrás apenas de seu companheiro e guru Jack Brabham. Em 61 a Cooper não foi páreo para as Ferrari, que só eram incomodadas pela Lotus. No ano seguinte, seu quarto campeonato, viu-se alçado a piloto número 1: Jack Brabham havia saído para montar seu próprio time, e Bruce ganhou as atenções da equipe. Foi neste ano também que conheceu o americano Timmy Mayer, com quem faria grande amizade. E também em 62 Bruce McLaren conquistou Mônaco, chegando à frente de Phil Hill por 1,3 segundo, em uma prova com 100 voltas e quase três horas de duração.
Em 1963 ele continua pilotando pela Cooper, mas realiza seu sonho: junta os amigos e funda a Bruce McLaren Motor Racing. Eles tinham energia e ótimas ideias, mas nenhum dinheiro. A primeira sede da empresa foi um canto alugado de um galpão utilizado para guardar máquinas de terraplanagem, de chão batido e iluminação insuficiente. Mas foi lá que Bruce, Teddy Mayer (o irmão mais velho de Timmy) e outros heróis começaram a fazer história. Para ganhar dinheiro suficiente para manter o projeto, McLaren era piloto de testes de quem o quisesse; correu muito para os protótipos da Ford, e fez uma temporada testando os pneus Firestone. Ele resolveu focar nos carros de turismo antes de partir para os Fórmula.
Bruce McLaren não era apenas o dono da companhia e o piloto: ele também era o engenheiro, o aerodinamicista, o companheiro mecânico e inclusive o faxineiro do galpão. Sua liderança era inegável, e nas palavras de um companheiro daqueles tempos “se Bruce chegasse um dia pela manhã e dissesse – “Homens, vamos todos atravessar o Saara a pé agora”, nós largaríamos as ferramentas no chão e caminharíamos no deserto atrás dele.”
Em 1964, o primeiro grande baque: após vencer o seu GP natal na Nova Zelândia, as equipes Cooper (oficial) e McLaren (a patota) tiveram que chorar a morte de Timmy Mayer durante os treinos para o GP de Longford, na Tasmânia. Perguntado se queria deixar de participar na prova no dia seguinte, Bruce respondeu que não. “É isso que nós fazemos”, teria dito.
No funeral do amigo, ficou responsável pela elegia, e suas palavras tornaram-se um lema para a equipe: “A notícia de que ele havia morrido na hora foi um choque terrível para todos nós, mas quem pode dizer que ele não viu mais, fez mais e aprendeu mais em seus poucos anos do que muita gente faz em uma vida? Fazer algo bem vale tanto a pena que morrer tentando fazer ainda melhor não pode ser tão irresponsável. Desperdício seria não fazer nada para aproveitar as próprias capacidades, porque eu acho que a vida é medida em conquistas, não apenas em anos.”
Enquanto corria pela Cooper Bruce ia aos poucos aumentando o potencial da própria equipe, e levado por Teddy Mayer inscreveu a McLaren no Can-Am, o campeonato norte-americano; o segundo carro era pilotado pelo seu compatriota e grande amigo Chris Amon. Essa era também a dupla da McLaren no campeonato de Fórmula 1 de 1966 – Bruce havia deixado a Cooper no final do ano anterior. Porém Amon teve que se contentar com as provas no Canadá e Estados Unidos, pois eles ainda não tinham dinheiro para construir dois carros para a F1. E mesmo o filho único não estava muito bem, pois os motores encontrados (primeiro um Ford V8 depois um Serenissima) não conseguiam entregar a potência necessária, e eram pouquíssimo confiáveis. O destino compensou os pilotos: McLaren e Amon venceram as 24h de Le Mans de 1966 a bordo de um Ford GT40.
Amon foi correr pela Ferrari em 67, e nem mesmo o fundador e então único piloto da equipe conseguiu fazer todas as provas pela McLaren; Bruce acabou correndo três etapas pela equipe americana Eagle, pois não tinha como colocar o próprio carro na pista. Em compensação, a conquista da América começava: o carro que, a pedido de Teddy Mayer foi pintado inteiramente de um laranja depois conhecido como Papaya Orange (com esta cor vamos aparecer nos televisores como faróis, ele dizia), ganhou cinco das seis corridas. Aliás, os títulos de 67 a 71 foram dos carros da McLaren, e em 69 ele e seu novo amigo Denny Hulme – também um Kiwi – venceram todas as 11 corridas da temporada.
Antes disso, a consagração em uma das pistas mais desafiadoras: a primeira vitória de Bruce McLaren dirigindo um carro que levava seu nome foi em Spa, no Grande Prêmio da Bélgica de 1968. Em 69 a equipe terminou em quarto lugar no campeonato de construtores, enquanto Bruce garantia o degrau mais baixo do pódio no de pilotos.
O ritmo frenético de dono de equipe, piloto principal em duas competições distintas e piloto de testes de todo mundo já começa a cansar Bruce. Ele dizia que estava na hora de pensar em parar de correr e focar na administração do time, e talvez fizesse isso ao final de 1970, mas não era uma aposentadoria das pistas que estava em seu futuro. No dia 2 de junho daquele ano, ainda sofrendo com o jetlag de uma viagem transatlântica no dia anterior, Bruce estava ao volante do protótipo M8D em Goodwood, na Inglaterra, quando a carenagem traseira saiu voando do carro, carregada pela nova asa instalada. Isso fez com que o protótipo perdesse o controle, saísse da pista e colidisse com uma torre de cronometragem que havia ali. Bruce McLaren morreu na hora.
Menos de duas semanas depois a equipe era esperada em Morsport, no Canadá, para mais uma etapa da Can-Am. Todos cogitaram que, após a perda de seu criador, eles não fossem aparecer para correr.
Mas eles foram.
E ganharam.
Porque é isso que eles faziam.
FORA DAS PISTAS
São companheiros de aniversário de Bruce McLaren a escritora britânica e mãe de Frankenstein Mary Shelly, o ilustrador Robert Crumb e a atriz Cameron Diaz.
Mas hoje eu não vou deixar vocês com uma música. Fiquem com a homenagem que a McLaren fez a seu fundador na ocasião do aniversário de 50 anos da equipe, em 2013.