Todo cabeça de gasolina que se preze, além de muitos brasileiros, sabe perfeitamente o significado daquele triste fim de semana entre os dias 29 de abril e 1º de maio de 1994. Os graves acidentes que deixaram feridos na pista, além das perdas de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna.
No entanto, ainda bem antes da era tecnológica, quando a televisão ainda engatinhava nas transmissões televisivas pelo mundo e a expectativa de uma transmissão em tempo real de corridas era um mero devaneio, o circo da Fórmula 1 presenciou um momento tão ou até mais trágico na sua história.
As ocorrências foram no Grande Prêmio da Bélgica de 1960. A etapa realizada entre os dias 18 e 19 de junho daquele ano foram marcados por acidentes horríveis que ceifaram a vida de dois jovens promissores pilotos ingleses.
Para a etapa de Spa-Francorchamps, o favoritismo recaia sobre a Cooper, com Jack Brabham e Bruce McLaren como pilotos principais, além das equipes privadas que usavam chassis da construtora inglesa, estes pilotados pelos belgas Olivier Gendebien e Lucien Bianchi (tio-avô de Jules), além dos britânicos Tony Brooks e Chris Bristow.
Outra construtora que trouxe um grande contingente foi a Lotus. Na equipe oficial, os escoceses Jim Clark e Innes Ireland, além do inglês Alan Stacey guiavam os bólidos principais, enquanto Stirling Moss e Mark Taylor corriam com os carros projetados por Colin Chapman, mas com escuderias privadas.
Destaquei Bristow e Stacey, pois eles foram figuras marcantes naquele fim de semana.
Começando com Alan Stacey: nascido em 1933, o piloto inglês era um exemplo de superação, pois havia perdido uma das pernas, mas usava uma prótese para pilotar e tinha o carro adaptado para o uso da embreagem. Curiosamente, seu mecânico de confiança, Bill Boson, tinha um dos braços amputado. Apesar das dificuldades, Stacey demonstrava tenacidade e corria de modo inteligente e conservador, conquistando a confiança de Chapman, que lhe deu as oportunidades de correr na F1. Aquela seria sua sétima corrida na categoria.

Por sua vez, Chris Bristow era o típico prodígio ousado e veloz. Com apenas 22 anos, já era visto no grid como uma nova joia, com uma pilotagem bastante agressiva. Na sua primeira participação na F1, conquistou o quarto lugar no grid de largada no GP de Mônaco. Apesar de não completar a prova de Monte Carlo, mostrou uma boa impressão e indicava um potencial para o futuro, afinal a etapa belga seria sua quarta na carreira.
Porém, um clima soturno estava a rondar o traçado de Spa-Francorchamps ainda naquela semana.
No primeiro treino livre, Stirling Moss se acidentou após a quebra do eixo traseiro, com o veterano fraturando as duas pernas, ficando fora de boa parte da temporada. Assim, acabavam as chances de Moss brigar pelo campeonato daquele ano.
Mais tarde, foi a vez de Mark Taylor sofrer outro acidente, em decorrência da falha da barra de direção. O inglês teve ferimentos e fraturas por todo o corpo, o que levou ao final prematuro de sua carreira nas pistas. O piloto processou Chapman pela falha no carro que provocou a batida e o dono da Lotus precisou pagar uma indenização após a Justiça definir em favor de Taylor.
A corrida em si foi um verdadeiro passeio de Brabham. O australiano da Cooper largou na pole e liderou a prova de ponta a ponta no circuito de 14 quilômetros. De quebra, a Cooper fechou o pódio, com McLaren em segundo e Gendebien em terceiro (este herdou o posto de Graham Hill, que teve uma quebra na última volta e não cruzou a meta final, ficando fora dos pontos pelo regulamento). Porém, o resultado acabou ficando em segundo plano diante das ocorrências da prova.
Por volta da volta 20, Bristow disputava a sexta posição com o belga Willy Mairesse, que competia com uma Ferrari cliente. Os dois, pilotos audaciosos demais, disputavam a posição de forma frenética.

A primeira tragédia se sucedeu na curva Burneville, um trecho de raio longo, exatamente onde Moss sofrera o seu acidente no dia anterior. Bristow perdeu o controle de seu carro e saiu desgovernado da pista. O carro capotou ao pegar uma saliência no gramado e lançou o piloto inglês (que estava sem cinto de segurança) de encontro a uma cerca de arame farpado próxima à pista, o decapitando.
Já não bastasse a forma absurda em que se sucedera o acidente mortal de Bristow, uma nova fatalidade ocorreria num intervalo de cinco voltas. Era o 25º giro, quando Alan Stacey levava seu carro com todo o cuidado na esperança de somar os primeiros pontos, porém acabou sendo outra vítima do destino.
Quando o inglês chegou na Masta Kink, um “S” de alta velocidade, bastante temida pelos pilotos, um pássaro cruzou o caminho de Stacey e atingiu a cabeça do piloto. Numa época em que os capacetes não passavam de um pedaço de couro acolchoado e não se imaginava a colocação de itens de segurança para a cabeça em carros de monoposto, o impacto fez o inglês perder o controle da sua Lotus e bateu forte, levando o carro a uma explosão. Não se sabe ao certo se a morte foi em decorrência do choque com o passarinho ou se foi pelo incêndio, mas aquela era a segunda vida perdida na mesma corrida.

O clima de consternação afetou drasticamente a Fórmula 1 nos anos seguintes. Jim Clark ficou muito abalado, não só pela perda dos colegas de profissão, como também de bons companheiros, afinal, havia uma relação amistosa do futuro bicampeão com a dupla. Outro fator notado foi sempre o tom crítico ao qual o escocês se referia à Spa. O choque com as fatalidades e com as condições precárias de segurança foram alvo de questionamentos a partir de então.
A FISA (atual FIA) enfim tomou medidas drásticas para melhorar a segurança dos carros pela primeira vez em sua história. Primeiro reduziu a potência dos motores pela metade (de 3 mil cc para 1,5 mil cc), além de proibir os turbocompressores; os carros passariam a ter um limite de peso mínimo de 450 kg, e também designou profissionais para fiscalizar as pistas e estabelecer um padrão mais rigoroso.
Outra novidade foi a obrigatoriedade de equipamentos de segurança específicos para os pilotos e bólidos, como capacetes mais resistentes, macacões à prova de incêndio, sistema de frenagem dupla e ancoragem padronizada de cinto de segurança. As alterações foram aplicadas a partir da temporada de 1961 e permitiu avanços neste item.

A Fórmula 1 ainda passou por grandes tragédias ao longo dos anos seguintes, mas a preocupação com a segurança já teve os primeiros sinais a partir da perda de dois jovens valores do automobilismo inglês que perderam suas vidas em busca da glória nas pistas.
Fonte: Continental Circus, Projeto Motor e Stats F1