O ano de 2021 foi um marco importante para a Fórmula 1 no Brasil. Após um intervalo de quatro décadas, a Rede Bandeirantes de Televisão (também conhecida como Band) voltou a ser a emissora responsável pela transmissão da Fórmula 1 no Brasil, encerrando um ciclo em que a categoria foi exibida pela Globo no país.
O primeiro ano de transmissão na emissora do Morumbi foi bem positivo na avaliação geral do público que acompanha a F1 no Brasil. Com uma cobertura bem mais ampla em relação ao que a Globo fazia nos últimos anos (exibindo a classificação e a cerimônia de pódio, por exemplo), os fãs mais assíduos celebraram a mudança.
Em termos de audiência, houve uma queda natural em comparação com a Globo, pois o alcance da Band é bem menor em comparação à emissora carioca. Todavia, o canal da Família Saad se deu muito bem, com a F1 sendo um dos seus melhores produtos da casa na medição do público, bem como no faturamento, com a chegada de diferentes anunciantes. O fato do campeonato de 2021 ter sido bastante disputado também ajudou nesse aspecto.
Apesar deste sucesso comercial, a qualidade da transmissão esteve longe de ser uma unanimidade. Alguns erros de informações ou de traduções, além de algumas “piadas” ou frases de cunho pejorativo desagradaram uma parcela dos fãs, com estes questionando a postura da equipe de transmissão em muitos momentos.
Parte dessa mudança vai muito da linha editorial de cada emissora. Historicamente, a Globo sempre teve uma postura mais polida na cobertura dos eventos esportivos (exceto em situações quando havia um piloto brasileiro envolvido, mas isto é história para outra ocasião), enquanto a Band sempre foi liberal para o uso do humor e de comentários mais ríspidos no esporte, como vistos nos programas futebolísticos do canal paulista. Assim, a cobertura da F1 acabou tendo um viés mais descompromissado.
Assim, a temporada de 2022 chegou e, conforme as corridas foram acontecendo, surgiram os primeiros sinais de desgaste na relação entre a emissora de TV e o público. Os erros de informação e tradução tiveram um aumento preocupante. Além disso, em quase todas as etapas, alguns comentários pegaram mal entre uma parte do público.
A gota d’água ocorreu durante o GP da Espanha, quando o narrador Sérgio Maurício aproveitou a aparição da bandeira do Botafogo na transmissão para tirar sarro de um produtor da Band. O comentário não saiu na transmissão oficial, mas pôde ser ouvido no vídeo do canal do Youtube da emissora, que mostrava apenas a equipe da cobertura televisiva.
O comentário causou indignação pelo teor elitista e discriminatório, além de envolver a maior torcida futebolística do Brasil, a do Flamengo, sendo repercutida negativamente por vários influenciadores digitais, comentaristas esportivos de outros meios e até mesmo por dirigentes do clube carioca.
Outra coisa que incomodou o público foi a resposta do narrador nas redes sociais em algumas cobranças em corridas anteriores, em que chegou a responder comentários negativos com deboche. O locutor chegou a deletar a sua conta do Twitter após a aparição do áudio na corrida espanhola. Pouco depois, no Instagram, Maurício se pronunciou e pediu desculpas pelo comentário.
Direitos de transmissão: A chave do futuro está com a Liberty
O episódio vem em um momento complicado para a Band, pois a emissora está em seu último ano de contrato com a Liberty Media, que é a administradora da F1. A companhia estadunidense busca uma parceira que cumpra os pedidos propostos para exibir a modalidade no Brasil e o canal do Morumbi tem atendido esses requisitos, contudo, essas polêmicas podem prejudicar a imagem e o projeto fica em risco.
Outro ponto limitante é a própria capacidade da Band. A emissora não possui um alcance tão grande fora de São Paulo e a audiência das corridas em outras cidades ainda está aquém do obtido na capital paulista. Além disso, o próprio financiamento da compra dos direitos vêm das cotas de patrocínio, nas quais uma parte vai diretamente à Liberty. Assim, o canal do Morumbi teria uma operação muito arriscada para quitar o valor necessário para se manter como a casa da F1 no Brasil.
Alheia a esta polêmica, a Rede Globo monitora a questão sobre os direitos, embora as possibilidades da emissora carioca recuperar o posto de canal oficial da F1 estejam pequenas hoje. Afinal, os custos com a compra das transmissões são altos, ainda mais com o câmbio do dólar desfavorável, o que não anima os executivos responsáveis pela negociação.
Outro ponto que atrapalha a negociação são as cláusulas contratuais sobre as transmissões, que levaram ao fim da parceria de 40 anos. A Liberty quer um tratamento próximo daquele que a Band vem dando à F1, em termos de espaço na programação. Porém, a Globo possui uma grade de programação que não permite grandes manobras e tornaria inviável a transmissão de todas as provas da temporada, como a empresa estadunidense quer.
Claro, há sinais que a Globo poderia ceder, como ocorreu na licitação da Copa Libertadores da América, em que a emissora carioca só recuperou os direitos de transmissão do torneio de futebol de clubes após ceder em itens históricos, como a exibição de patrocinadores parceiros. No entanto, a possibilidade disso acontecer com a F1 é menor, já que a audiência do automobilismo ainda é bem inferior ao do futebol.
Assim, podemos concluir que as chances da F1 voltar à Globo são mínimas no momento em que este texto é escrito. Todavia, o mercado publicitário e de mídia esportiva está em constante movimento e surpresas podem rolar.
Uma delas acontece justamente no fim de semana do GP do Azerbaijão. A notícia aqui no Brasil, divulgada por Flávio Ricco, do R7, é de que o Sistema Brasileiro de Televisão, ou como todo mundo conhece, o SBT, também estará na briga para ter os direitos de transmissão da F1.
A emissora de Sílvio Santos chegou a negociar com a Liberty a respeito dos direitos assim que a F1 saiu da Globo ao fim de 2020, mas as conversas não evoluiram e a Band tomou à frente, ficando com a transmissão.
Embora não seja uma emissora que tradicionalmente dá ênfase ao esporte, como suas rivais, o SBT tem investido forte em esporte, notoriamente em competições de futebol, desde quando conquistou os direitos da Libertadores. O canal da Família Abravanel ainda conquistou os direitos dos campeonatos da Europa e teve um bom desempenho de audiência na final da Liga dos Campeões, entre Real Madrid e Liverpool no mês de maio.
Apesar de ter perdido a Libertadores para os próximos anos para a Globo, a emissora paulista ainda segue forte em projetos esportivos, pois terá o ano que vem competições como a Copa Sul Americana, a Copa América de futebol feminino, além de jogos das três competições da UEFA (Liga dos Campeões, Liga Europa e Conference League). Por isso, buscar outra modalidade para diversificar o cardápio da emissora pode fazer sentido no projeto de readequação do SBT com o esporte.
Ainda à favor do SBT teria o fato da emissora ter um alcance nacional maior que o da Band e que talvez tenha menos nomes a buscar no mercado para fazer parte da transmissão. Vale lembrar que o principal narrador da emissora, Téo José, tem uma carreira notória com o automobilismo, com transmissões de F1 no rádio, além de várias competições na TV, principalmente a Fórmula Indy.
Entretanto, alguns fatores podem pesar contra: o primeiro é a falta de cultura esportiva, já que o SBT tradicionalmente tem uma cobertura mais voltada para o entretenimento, ao contrário de suas rivais. Outro ponto pode ser a bagunça da sua grade de programação, já que programas da emissora entram e saem sem mais nem menos. Um problema notório notado pelos telespectadores do canal há 40 anos.
Ironicamente, a grade de programação mais estável nos últimos anos é justamente a do domingo, pois os programas de Celso Portiolli e Eliana são os mais estáveis e trazem boas audiências no período, e isso é um problema para a F1, especialmente nas provas do período da tarde, já que haveria o risco da categoria ser preterida em nome da audiência, um problema recorrente nos tempos de Globo e que o próprio SBT já fez lá nos anos 90 com a Indy (que, na época, era a divisão da CART).
E isso leva a mais um ponto negativo: o SBT não tem uma emissora de TV paga para jogar as transmissões de treinos livres como a Globo tem com o Sportv e a Band com o BandSports. A própria transmissão também corre o risco de não ter o mesmo espaço e ser jogada no site ou aplicativo da emissora, como a rival carioca já fez em outros tempos.
Para este caso, a solução pode vir de uma parceria com um veículo de comunicação pago, que pode transmitir o conteúdo não exibido no SBT. Mas aí tem outro cenário que pode mexer com o meio de transmissão do fã e limitar até ainda mais o acesso, ou talvez não.
Dito isso, podemos ter a possibilidade de uma batalha de transmissões por assinatura, não apenas na TV paga, como também no streaming, que hoje em dia competem pelos mesmos pacotes de transmissão das diversas competições mundo afora.
Um candidato natural que está em voga é o Grupo Disney. O conglomerado tem sido bem agressivo na compra de direitos de transmissão mundo afora, especialmente após a aquisição de produtos da Fox. No aspecto de direitos de transmissão, a empresa simbolizada por Mickey Mouse comprou mais de trinta direitos de transmissão de diversos eventos só este ano no Brasil.
Além disso, a Disney, por meio da ESPN, possui os direitos da F1 nos Estados Unidos e em todo o restante da América Latina. O grupo ainda possui um portfólio diversificado e tem uma seção bem recheada de esporte a motor, com MotoGP e Fórmula Indy no seu cardápio. Ter a F1 seria a joia da coroa.
Além da patota do Mickey, outros grupos com streaming podem se interessar por direitos de transmissão: O Prime Vídeo, da Amazon, tem sido um forte player na busca de direitos de transmissão mundo afora e está expandindo seu projeto no Brasil, tendo a transmissões de eventos, como a Copa do Brasil, em parceria com a Globo.
Outro grupo que vem forte no país é a Viacom, responsável por marcas como MTV e Nickelodeon, é a detentora do serviço de streaming Paramount+, que ainda está começando no Brasil, mas entrou forte no mercado esportivo, conquistando os direitos de transmissão da Libertadores e da Copa Sulamericana em conjunto com o Grupo Disney.
Outro grupo lembrado é a Warner, que é a detentora da TNT Sports (que aqui no Brasil absorveu o antigo Esporte Interativo) e possui o serviço de streaming HBO Max. Contudo, após a aprovação da fusão da rede com a Discovery, a nova direção tem mudado algumas coisas e o grupo tem ficado mais afastado da briga pelas transmissões esportivas, o que torna quase descartada desta briga.
Ainda há também a Netflix. Embora a empresa tenha sido mais reticente em transmissões esportivas, a companhia de streaming produz a famigerada série Drive to Survive e, no mercado dos Estados Unidos, anunciou que entrará na briga pelos direitos de transmissão da F1 para 2023, Esta pode ser a oportunidade que a companhia tem de expandir seus horizontes e começar com tudo neste ramo.
Todavia, a forma como as empresas de streaming vão lidar com esta disputa podem impactar profundamente os rumos da transmissão no país. Algumas destas companhias pode embarcar numa espécie de “parceria” com o SBT e ficar com todo o conteúdo não exibido na emissora paulista (se esta sair vitoriosa), ou ainda pode ocorrer da empresa vencedora simplesmente levar tudo e deixar a F1 fora da TV Aberta.
Este último pode ser até o pior cenário, pois limitaria ainda mais o acesso às corridas pelos fãs, que precisariam pagar um serviço de assinatura para acompanhar a F1. Seria uma atitude oposta da adotada pela Liberty nos últimos anos, que tem o objetivo de aumentar a popularidade da categoria.
Mesmo após a mudança para a Band, o Brasil ainda segue como uma das maiores audiências do mundo e o país é um mercado estratégico para a categoria no que diz respeito à composição da categoria. Portanto, é pouco provável um cenário de perda de transmissão de TV aberta, embora não possa ser totalmente descartada. Desta forma, a possibilidade de termos um canal de mídia paga assumindo o direito de transmissão seria mais lógico se fosse em conjunto com uma emissora como o próprio SBT, que não tem vínculo com uma emissora a la carte.
Assim, o cenário mais provável, conforme as conversas de bastidores, é da Band permanecer como a detentora do direito de transmissão, por ter a maior disponibilidade em relação à cobertura mais curta. Por outro lado, a emissora paulista ainda padece de melhorias na qualidade da sua transmissão, que tem alguns pontos a serem aprimorados, além de resolver a questão financeira, pois a concorrência vem forte
Também resta saber quais serão os critérios da Liberty. Qual fator pesará mais: o financeiro ou a disponibilidade? O alcance das emissoras candidatas será avaliado? Estas e outras perguntas só devem ser respondidas mais para o fim do ano, quando for definida a vencedora desta disputa que se inicia.