Há quem diga que a Fórmula 1 é o esporte individual mais coletivo do planeta. Mesmo que apenas uma pessoa pilota o carro, isso representa apenas a ponta do iceberg, uma vez que uma grande equipe sempre está empenhada na força-tarefa dedicada a fazer aquela máquina funcionar em plena forma. Tendo isso em vista, ter um grande líder com talento para administrar tantas personalidades diferentes com maestria é extremamente importante, e no dia 23 de Novembro de 1954, um dos principais chefes de equipe da história da Fórmula 1 pisou no mundo pela primeira vez.
Nascido em Lancashire, na Inglaterra, Ross Brawn se encantou com a engenharia em seus primeiros anos de vida, constantemente visitando o circuito local para assistir diferentes tipos de corrida. Quando mais velho, se tornou aprendiz no Centro Britânico de Pesquisa de Energia Atômica e logo começou sua graduação em Engenharia Mecânica, até que sua vida tomou uma direção inesperada graças a um golpe de sorte. Ross já trabalhava como mecânico em uma equipe de Fórmula 3, mas um dia se deparou com uma possibilidade de emprego em uma equipe de Fórmula 1 recém-formada, a Frank Williams Grand Prix, que seria baseada na cidade em que ele morava. O britânico se candidatou para a vaga e foi entrevistado por ninguém menos que Patrick Head antes de receber seu cargo de ferramenteiro, uma das habilidades que havia aprendido durante seus estudos.
Não demorou para que Brawn escalasse a hierarquia da equipe, assumindo a função de aerodinamicista no túnel de vento da equipe e participando do departamento de pesquisa e desenvolvimento. Anos depois, a americana Haas Lola levou Ross para o seu time de design, aproveitando a presença do campeão mundial Alan Jones e o experiente Patrick Tambay em seus cockpits. Todavia, mesmo com um dos melhores chassis do grid e dois bons nomes no volante, os motores de 4 cilindros da Hart e os V6 da Ford deixavam a equipe na mão em brigas contra as gigantes McLaren e Williams. Os americanos fecharam as portas no ano seguinte, levando o britânico a se encaminhar para a Arrows, onde foi responsável pelo design dos bólidos entre 1986 e 1989.
Após um período na divisão de supercarros da Jaguar, sendo inclusive líder de design do carro campeão mundial de 1991, Brawn voltou para a F1 através da Benetton, assumindo a função de diretor técnico e trabalhando com Michael Schumacher pela primeira vez logo em seu primeiro ano na equipe britânica. A combinação foi extremamente bem-sucedida, rendendo títulos mundiais em 1994 e 1995. Enquanto o piloto alemão recebia os créditos de sua genialidade no volante, Brawn começava a se destacar na administração da equipe, especialmente em suas decisões estratégicas.
Em 1996, Michael decidiu ir para a Ferrari, atraindo o britânico a fazer a mesma mudança no final do mesmo ano. Essas duas transferências iniciaram a fundação do famoso “dream team” na escuderia italiana. O impacto da presença dos dois foi sentida já no ano seguinte, pois mesmo com a superioridade clara dos monopostos de Williams e McLaren, os cavalos rampantes ainda eram capazes de brigar por títulos devido ao braço de Schumacher e ao talento logístico e estratégico de Brawn. Após alguns anos de reconstrução em Maranello, uma das sequências mais dominantes da história começou. Entre 1999 e 2004, os italianos conquistaram seis títulos de construtores consecutivos, enquanto Michael foi responsável por cinco triunfos em sequência entre os pilotos a partir de 2000. Esse sucesso avassalador era atribuído principalmente ao time dos sonhos que era formado pelo chefe de equipe Jean Todt, o designer chefe Rory Bryne, o piloto Michael Schumacher e Ross Brawn como diretor técnico, sendo considerado por muitos como a peça vital nesse fino equilíbrio de sucesso. A Renault eventualmente superou a superpotência italiana nas duas temporadas seguintes e o dream team foi aos poucos se desfazendo, mas o nome do britânico já estava consolidado como um dos gênios do esporte em diversas áreas, um profissional completo.
2007 foi um ano sabático para Brawn, que retornou para a categoria em 2008 como chefe de equipe da Honda. O time japonês teve uma temporada tímida, e mesmo com um projeto promissor para o ano seguinte, essa falta de resultados foi suficiente para a montadora retirar sua participação na Fórmula 1. A compra integral da equipe só foi concretizada em Março de 2009, com o próprio britânico sendo responsável por 54% das ações. Várias divisões da antiga Honda foram mantidas, inclusive a dupla de pilotos, que era formada por Button e Barrichello, motores Mercedes substituíram os japoneses e a equipe foi renomeada Brawn GP. Em meio a diversas polêmicas envolvendo o difusor duplo, o projeto foi extremamente efetivo, a Brawn foi campeã do mundial de construtores e Button, do mundial de pilotos. O sucesso foi tanto que atraiu as atenções da própria fornecedora de motores, e em Novembro de 2009, a Mercedes completou a compra da equipe, mantendo Ross como chefe de equipe. A Brawn GP entrou para a história como a equipe com melhor aproveitamento na Fórmula 1, conquistando os dois títulos possíveis em seu único ano de existência.
Junto com a compra, a Mercedes mudou também a dupla de pilotos, trazendo o jovem Nico Rosberg e tirando o heptacampeão Michael Schumacher da aposentadoria. Segundo o piloto, um dos motivos principais para seu retorno foi justamente a presença de Ross Brawn na equipe. A trinca alemã começou devagar em 2010 mas o primeiro pódio veio com o 3º lugar de Nico no GP de Malásia. O desempenho da Mercedes continuou evoluindo gradativamente até sua primeira vitória no GP da China de 2012, novamente pelas mãos de Rosberg. Três etapas depois, a primeira pole da equipe foi conquistada por Michael, no GP de Mônaco. No final do ano, Schumacher anunciou sua segunda aposentadoria, abrindo caminho para a chegada de Lewis Hamilton, iniciando uma parceira de extremo sucesso com Nico Rosberg. 2013 representou mais uma subida no rendimento da equipe, que agora sofria em parte com a confiabilidade, mas não deixava de mostrar seu potencial na performance. Entretanto, o ano também marcou a saída de Ross Brawn da equipe, alegando desavenças e problemas de confiança com Toto Wolff e Niki Lauda.
Longe da categoria durante 3 anos, 2017 marcou o retorno de Ross Brawn, agora trabalhando na organização da Fórmula 1. Respeitado pela esmagadora maioria do Paddock, o britânico deixou um legado de 16 títulos mundiais entre construtores e pilotos, além de uma tremenda admiração por parte de grandes nomes como Christian Horner e Adrian Newey. Ross revolucionou a categoria e indiscutivelmente marcou a história como uma das mentes mais brilhantes da Fórmula 1, seja no quesito esportivo, técnico ou estratégico, o que explica porque é considerado um dos profissionais mais completos que já entrou em uma garagem de Fórmula 1.