O circuito de Spa-Francorchamps tem uma longa tradição no automobilismo. Além de fazer parte da primeira temporada da F1, também é um dos que mais recebeu corridas da categoria até o momento. A história do circuito começou com a grande popularidade do automobilismo na Bélgica depois da Primeira Guerra Mundial. O cavaleiro Jules de Thier buscava um local para trazer de volta a La Meuse Cup, uma corrida patrocinada pelo jornal La Meuse, no qual Thier era dono e que foi interrompida pela guerra. Thier se encontrou com o Barão Joseph de Crawhez (prefeito de Spa) e o piloto Henri Langlois van Ophem, para escolher onde o circuito seria construído. O local escolhido foi um triângulo formado pelas estradas 32, 23 e 440, que conectam as cidades de Francorchamps, Malmédy e Stavelot, cerca de 150 km da capital Bruxelas.
A primeira tentativa de se organizar uma corrida em Spa aconteceu em 1921, mas com somente um inscrito, a corrida não foi adiante. A pista, que tinha 15,820 km, acabou sendo inaugurada por motociclistas no dia 12 de agosto de 1921, com os carros só competindo em 1922, com a vitória do Barão de Tornaco.
Dois anos depois, foi a vez das 24 Horas de Francorchamps serem disputadas. O primeiro grande evento internacional veio em 1925, com o GP da Bélgica, válido pelo Mundial de Construtores e organizado pela AIACR (Association Internationale des Automobile Clubs Reconnus, hoje conhecida como FIA). A corrida foi vencida por Antonio Ascari, que pilotando uma Alfa Romeo, completou os 800 km da prova em 6h43m.
Em 1939, veio a mudança que culminou na criação de uma das mais famosas sequências de curvas do automobilismo: Eau Rouge e Raidillon, quando um trecho foi construído por cima da Virage de Ancienne Douane, ligando as duas curvas. O nome Eau Rouge vem de um riacho de 15 km que passa por debaixo do circuito e que por ter uma alta concentração de ferro, sua água acaba tendo uma coloração avermelhada.
Assim como aconteceu nas outras pistas da Europa, a Segunda Guerra Mundial trouxe destruição ao circuito de Spa, que teve que esperar até 1947 para que a reconstrução fosse concluída, com a mudança da curva Stavelot, que foi alterada para que o circuito se mantivesse dentro dos limites da cidade e a retirada da chicane Malmedy, que tinha sido introduzida numa mudança em 1934.
No dia 18 de junho de 1950, Spa recebeu sua primeira corrida de F1, vencida por Juan Manuel Fangio, com a Alfa Romeo. A corrida contou com a participação de Alberto Ascari, filho de Antonio, primeiro vencedor no circuito, que chegou em 5º e que depois veio a vencer o GP da Bélgica em 1952 e 1953.
Mas o maior problema do circuito era a segurança e acidentes graves eram frequentes. Um dos pilotos a se acidentarem na pista foi Stirling Moss, que bateu forte na curva Burnenville, durante o treino para a corrida de 1960 e sofreu várias fraturas, inclusive nas pernas. Ao ir buscar socorro, o piloto Mike Taylor teve uma quebra de barra de direção e bateu forte, ficando paralisado por anos. Durante a corrida, Chris Bristow e Alan Stacy perderam a vida na mesma curva em que Moss se acidentou, sendo os dois únicos pilotos de F1 a falecerem no circuito, dos 49 pilotos que perderam a vida na pista belga até o momento, sem contar mais quatro fiscais. A morte de Bristow revelou a falta de segurança da época, já que o piloto perdeu o controle do carro e capotou, sendo decapitado por uma cerca de arame farpado que ficava ao lado da pista. Os guard rails só seriam instalados no circuito três anos depois, em 1963.
Em 1966, um grave acidente fez Jackie Stewart pedir mais segurança, não só para os carros, mas nos circuitos também, já que naquela época, não havia muitos fiscais ou equipe médica no local. Após o acidente, Stewart ficou preso no carro, sendo encharcado pelo combustível que vazava. O piloto foi socorrido por Graham Hill e Bob Bondurant, que viram o carro do escocês capotar. Com ajuda de ferramentas emprestadas por espectadores, já que não havia fiscais na pista, eles conseguiram tirar o piloto do carro e o levaram para um celeiro numa fazenda perto da pista, até a chegada da ambulância, que só foi enviada pelo diretor de prova quando ele viu que apenas sete carros completaram a primeira volta e mandou o resgate atrás dos pilotos faltantes.
Os pilotos se juntaram a Stewart pedindo medidas de segurança em Spa e como não foram atendidos, a corrida de 1969 foi boicotada. No ano seguinte, uma obra no último minuto instalou barreiras em volta da pista, depois que a chicane na Malmedy foi reconstruída. A corrida de 1970, vencida pelo mexicano Pedro Rodriguez, foi a última no circuito antes do GP da Bélgica passar a ser disputado nos circuitos de Zolder e Nivelle. As 24 horas de Spa, assim como outras séries de carros esportivos e motovelocidade continuaram a correr no circuito, mas entre 1971 e 1975, mais oito mortes aconteceram na pista belga. Uma mudança foi feita, instalando uma chicane na Masta Kink, mas o resultado foi pior do que o esperado e sendo mais perigosa que a própria curva, a chicane nunca foi usada.
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Se nada fosse feito com relação à segurança da pista, o circuito corria um sério risco de não receber mais nenhuma categoria. A solução veio em 1979, com a construção de uma seção de 6,947 km, mudando o formato da pista para o que é conhecido hoje. A solução agradou, já que criou uma pista que reunia desafios, mas sem se descuidar muito da segurança.
Outras mudanças vieram para tentar diminuir a velocidade dos carros, com a construção da chicane “Bus Stop”, que na verdade era o local de uma parada de ônibus de verdade, já que o circuito ainda era formado por ruas públicas. Depois de vários acidentes em Zolder, a F1 voltou para Spa em 1983, usando os boxes construídos para a F1, entre a Bus Stop e a La Source, Em 1985, Spa passou a sediar o GP da Bélgica definitivamente.
Apesar da segurança ter sido reforçada, acidentes continuaram a acontecer, como o de Alex Zanardi, na Raidillon, durante o treino para a corrida de 1993. Por conta desse acidente, uma chicane foi adicionada na Eau Rouge, mas a mudança durou apenas um ano, com o traçado original voltando a ser usado, com uma área de escape aumentada. Outra mudança estreou em 2000, com alteração da entrada e saída dos boxes. Outra mudança expressiva veio em 2004, com a alteração na entrada da Bus Stop, que ganhou uma curva acentuada antes de seguir para a chicane.
Se tudo parecia seguro para o circuito, uma demanda por mais mudanças, feitas por Bernie Ecclestone em 2005, colocou em cheque a continuidade do circuito no calendário. Com uma administração falida, o circuito não conseguiu cumprir com o pedido e a corrida não aconteceu em 2006, depois de já ter ficado de fora em 2003, quando a proibição de propaganda de tabaco passou a vigorar. O governo da Wallonia, onde o circuito está localizado, teve que correr para liberar o dinheiro necessário para a reforma, que incluiu novas instalações dos boxes, o que afetou a Bus Stop, que ganhou espaço para ser remodelada, assim como a La Source, que foi ampliada. Outra mudança foi o fechamento das estradas ao redor, para tornar Spa um circuito permanente e fechado pela primeira vez.
Apesar de todas as alterações, Spa continua sendo uma pista perigosa. A primeira curva teve sua cota de acidentes, muitos envolvendo vários pilotos. O mais famoso foi o da largada de 1998, quando David Coulthard perdeu o controle do carro e bateu na barreira de proteção. O impacto devolveu o piloto para o meio da pista, causando uma batida que envolveu 13 carros.
O maior perigo, no entanto, está nas curvas Eau Rouge e Raidillon, local de diversos acidentes. Em 2018, durante o treino para as 6 horas de Spa, Pietro Fittipaldi quebrou as duas pernas depois que uma pane elétrica o fez perder o controle do carro. Na F1, Kevin Magnussen sofreu uma forte batida em 2016, que fez o encosto de cabeça sair voando. Apesar da força da batida, o piloto dinamarquês sofreu apenas um corte no tornozelo.
O famoso trecho já vitimou sete pilotos em toda a história do circuito, sendo o piloto francês Anthoine Hubert, o último a falecer nessas curvas, quando se envolveu em um acidente com múltiplos carros durante a primeira corrida da F2, em 2019. No acidente, Hubert saiu da pista e bateu na proteção de pneus. Seu carro foi lançado de volta à pista e Juan Manuel Correa não conseguiu desviar, batendo na lateral do carro do piloto francês. Hubert faleceu no hospital no mesmo dia, enquanto que Juan Manuel Correa quase teve um pé amputado e apesar de voltar a correr, ainda sofre com as lesões.
Por ser um trecho estreito, os carros não têm para onde ir depois de uma batida e ainda correm o risco de serem arremessados de volta para a pista, correndo o risco de serem acertados por outros competidores. Se o acidente que vitimou Hubert já não tivesse sido suficiente, em 2021, outros acidentes graves aconteceram no trecho. Um deles envolveu seis pilotas da W Series, com todas saindo ilesas. Na classificação da F1, feita sob chuva torrencial, Lando Norris rodou no famoso trecho, batendo forte na barreira de proteção, mas escapando sem nenhum ferimento. Já Jack Aitken não teve a mesma sorte durante as 24h de Spa, ficando mais de dois meses afastado das pistas por conta de fraturas nas vértebras e clavícula.
Esses acidentes finalmente trouxeram mudanças no trecho. Uma casa que estava na parte de fora da curva foi demolida para que uma área de escape maior fosse construída. Outras curvas também receberam alterações nas áreas de escape, que receberam brita para as competições de motovelocidade.
Para marcar a mudança, quem subiu no pódio em 2022 recebeu um troféu especial, feito com madeira de um carvalho centenário que ficava perto da pista, pedaços do asfalto do trecho Eau Rouge/ Raidillon que chegam a datar na década de 1990, além de um pouco da água da Eau Rouge.
Mesmo com as mudanças, o trecho continuou fazendo vítimas. Em 2023, correndo sob forte chuva pela FRECA, o piloto neerlandês Dilano van ‘t Hoff se envolveu em um acidente na Kemmel Straight e foi atingido em T, da mesma maneira como aconteceu com Hubert. Assim como o francês, Dilano não sobreviveu aos ferimentos e faleceu aos 18 anos.
Quanto aos vencedores, Michael Schumacher foi o piloto que venceu em Spa, com 6 vezes. A pista é especial para o piloto alemão, já que foi lá que ele conquistou a primeira sua vitória em 1992, um ano depois de ter estreado na F1 no mesmo circuito. Foi também em Spa que o piloto celebrou seu sétimo título por antecipação, em 2004. Outro piloto que comemorou seu primeiro triunfo no circuito belga foi Charles Leclerc, que venceu a corrida em 2019.
Entre os brasileiros, Senna venceu no circuito em 5 ocasiões e Felipe Massa, levou a corrida de 2008. E apesar de ter cinco vitórias, Ayrton Senna nunca conquistou uma volta mais rápida em Spa. Mas o nome Senna não ficou de fora dessa, com Bruno Senna representando a família e conquistado a marca durante a corrida de 2012.
Em número de pódios, Lewis Hamilton está na liderança, com 10 no total, sendo 4 vitórias. Schumacher aparece em 2º, com 9 pódios. Entre os brasileiros, Senna tem 6, enquanto que Barrichello e Massa estão empatados com dois.
Já entre os belgas, nenhum piloto da casa venceu em Spa até agora, com Paul Frère, Olivier Gendebien e Jacky Ickx, conseguindo apenas pódios. O grid atual tem 3 representantes indiretos do país. Lance Stroll e Lando Norris têm cidadania belga por parte de mãe e Max Verstappen, apesar de correr sob a bandeira neerlandesa, nasceu na Bélgica e também tem mãe belga.
Atualmente, Spa também abriga corridas da WEC como as 6h e 24h de Spa, além de provas de GT, motovelocidade e DTM. Já na F1, seu futuro é incerto. O contrato com a F1 vencia em 2022 e a histórica pista podia ficar de fora do calendário de 2023, já inchado com a inclusão de novas pistas. Depois de conseguir uma extensão para 2023, a pista já foi confirmada para 2024.