A história do circuito de AVUS começou nos primeiros anos de 1900, quando o príncipe Henry da Prússia, à frente do Kaiserlichen Automobil-Club, estava inconformado com o mau desempenho das montadoras alemãs nas corridas. Ele se juntou a outros nobres e criaram o Automobil-Verkehrs und ÜbungsStraße GmbH (tráfego de automóveis e estrada de treinamento Ltda), também conhecido como AVUS, para construir uma pista de treinamento na cidade de Berlim.
A empresa só conseguiu os fundos necessários para fazer a pista sair do papel em 1913. A pista de AVUS era composta por duas longas retas, com dois hairpin em cada extremidade da pista. A pista tinha inicialmente 19,569 km, mas o dinheiro acabou quando a pista estava pela metade e a Primeira Guerra Mundial acabou de vez com os planos de recomeçar as obras nos anos seguintes. Quando a Guerra acabou, o empresário Hugo Stinnes salvou o projeto e as obras puderam recomeçar, com a pista sendo inaugurada no dia c em sua completa extensão. O berlinense Christian Riecken foi o vencedor da corrida principal, nos dois dias de corridas.
O circuito não foi usado apenas para testes e corridas. Quem tivesse um carro e quisesse usufruir da pista, bastava pagar 10 Reichsmark por volta ou uma assinatura trimestral de 1000 Reichsmark, um valor extremamente alto para a época. A pista, no entanto, tinha um pequeno problema. O peso dos carros se mostrou demais para o material usado na superfície e lombadas começaram a aparecer na pista, o que a tornava extremamente perigosa. Depois de anos de pesquisa, AVUS se tornou uma das primeiras estradas no mundo a receber uma camada de asfalto.
As corridas de motos foram as primeiras a usar a pista para competições, mas ao invés de usar a extensão completa da pista, um hairpin foi construído especialmente para a categoria e servia para que os competidores fizessem o retorno. O traçado reduzido tinha 8,500 km de extensão.
Foi somente em 1926 que a pista recebeu uma corrida de peso, com a realização do primeiro Grande Prêmio da Alemanha, que foi vencida por Rudolf Caracciola, correndo pela Mercedes.
A corrida não ficou livre de acidentes graves. Nos treinos, Carlo Cattaneo, que era mecânico do piloto Luigi Platé, faleceu em um acidente. Já na corrida, Adolf Rosenberger se chocou contra a cabine de resultados, matando os três ocupantes.
Todos esses acidentes fizeram os organizadores da corrida transferirem a prova de 1927 para o circuito de Nürburgring. Nesse tempo, a pista de AVUS foi reasfaltada e serviu como testes para carros foguetes, com Fritz von Opel atingindo a marca de 238 km/h em um Opel RAK 2.
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Os problemas econômicos causados pela Grande Depressão paralisaram as corridas até 1931. No retorno das corridas, Caracciola venceu novamente com a Mercedes.
Em 1936, a AVUS foi fechada para competições para dar lugar às obras que a tornaria a pista mais rápida do mundo. Um banking de 43° de inclinação foi construído na parte norte da pista. A inclinação, que era a maior já vista em circuitos, era para ser percorrida pelos pilotos com o pé embaixo.
Para se ter uma ideia, Indianápolis tem uma inclinação de 11°, Monza tinha um banking de 21º e o famoso banking de Daytona tem 31º. Sem nenhuma barreira de proteção, qualquer erro poderia fazer o carro voar para fora da pista, o que rendeu o apelido de “Parede da Morte”. Na saída do banking foi construída uma torre de controle com a famosa estrela da Mercedes no topo, enquanto que a arquibancada, chamada de AVUS Tribune, foi colocada na linha de largada/chegada. Com a reforma, a pista passou a ter 19,279 km de extensão e a parte de motociclismo terminou com 8,327 km.
Com as Olimpíadas acontecendo em Berlim em 1936, o circuito também foi usado para as provas de ciclismo em estrada, maratonas e os 50 km de marcha atlética. O circuito reabriu para as competições em 1937 e no ano seguinte, a corrida AVUS viu a Auto Union batalhar com a Mercedes pelo recorde de velocidade, já que os carros de Grande Prêmio foram proibidos de competir e as equipes trouxeram os modelos de streamlined no lugar.
A corrida não-oficial foi realizada em duas baterias. Na classificação para a segunda, o piloto da Auto Union, Luigi Fagioli marcou a pole com o tempo de 4 minutos 8.2 segundos, com uma velocidade média de 280 km/h, tornando-se a volta mais rápida do automobilismo até aquele momento, sendo batida apenas 19 anos depois, na Race of Two Worlds, em Monza. A primeira bateria foi vencida por Rudolf Caracciola, depois de bater Bernd Rosemeyer na reta final.
A Mercedes ficou com o recorde na corrida, quando Hermann Lang, que venceu a segunda bateria, marcou a velocidade média de 261,2 km/h, que só seria batida em 1958.
Apesar da alta velocidade, o público não parecia muito animado, já que a longa reta deixava os espectadores muito tempo sem ver os carros. No ano seguinte, as corridas passaram a acontecer usando a pista de motociclismo. A pista sofreu outro baque, com a proibição de carros de Grande Prêmio de disputarem corridas no circuito, depois que Bernd Rosemeyer faleceu tentando bater um recorde de velocidade em Frankfurt e a pista de AVUS, por ser muito veloz, passou a não ser considerada segura para os carros.
O circuito entrou em reforma mais uma vez, com o plano de construir um novo banking na parte sul, já que o original seria destruído para conectar o circuito com uma estrada. Com isso, o circuito se transformaria em uma estrada pública, que seria fechada quando tivesse corridas agendadas. Mas novamente uma guerra entrou no caminho das obras, com alguns prédios sendo destruídos e a pista sofrendo danos pela passagem dos veículos militares.
Com a Alemanha destruída depois da guerra, as corridas ficaram de lado. O banking que estava sendo construído no lado sul acabou sendo transformado em um centro de treinamento de tiros do exército estadunidense, já que a barreira de terra já erguida era perfeita para amortecer a munição. A área ficou sendo usada para esse fim até a queda do muro de Berlim, quando foi desocupada e abandonada.
Quatorze anos se passaram até que o dinheiro necessário para trazer o circuito de volta à vida fosse reunido. A pista ganhou uma nova camada de asfalto e o desvio que servia para o motociclismo acabou se tornando a parte sul do circuito, que passou a ter 8,299 km.
Reaberto em 1951, logo o circuito, que continuou com sua fama de rápido, começou a atrair os olhares. As Fórmulas 2 e 3 foram as primeiras a voltar ao circuito, no dia 1° de julho de 1951, com um público de 350.000 espectadores assistindo Paul Greifzu vencer as duas corridas. Em 1954, AVUS recebeu uma corrida não-oficial da F1, que teve a vitória de Karl Kling e o domínio da Mercedes, que levou os três primeiros lugares com Fangio e Hermann completando o pódio.
O sucesso levou AVUS a conseguir tirar o GP da Alemanha das mãos de Nürburgring e receber a F1 de forma oficial no dia 2 de agosto de 1959. Com medo do desgaste excessivo dos pneus no banking, a corrida foi disputada em duas baterias, com a Ferrari de Tony Brooks vencendo ambas e ficando com a vitória.
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A corrida não ficou marcada apenas pelo formato diferente de disputa, mas também pelos acidentes. Durante a corrida, Hans Herrmann capotou e foi jogado para fora do carro. Incrivelmente, o piloto escapou do acidente sem sofrer ferimentos.
Já Jean Behra não teve a mesma sorte durante uma corrida de F2, que serviu de apoio para a F1. O francês acabou sendo vítima da “Parede da Morte”, quando perdeu o controle e seu Porsche voou por cima do banking. Não foi a primeira vez que um acidente desse tipo acontecia nessa parte do circuito, mas o piloto acabou saindo com vida. Já Behra não teve a mesma sorte, batendo com a cabeça num poste depois de ser jogado para fora do carro. Depois disso, as competições pararam de usar a parte de banking de todos os circuitos.
Essa foi a primeira morte no famoso banking e em choque, as autoridades suspenderam as atividades na pista até decidir o que fazer com o circuito. Apenas o motociclismo, que não usava essa parte do circuito, continuou a realizar suas provas. Apenas em 1961 os carros puderam voltar, mas apenas categorias de turismo e esportivos. Com a velocidade dos carros crescendo a cada ano, o circuito passou a ser considerado muito perigoso.
Com o desenvolvimento das estradas ao redor, o famoso banking na parte norte iria ser reduzido, para ao seu lado ser construído um anel rodoviário. Em 1967, as últimas competições usando o banking foram realizadas e em junho, essa parte do circuito foi demolida.
Enquanto a curva para ligar as duas pistas não ficava pronta, as corridas aconteciam apenas nas retas. Em 1971, no aniversário de 50 anos do circuito, a reforma terminou e a pista, que passou a ter 8,109 km, pode ser usada em sua totalidade. A F3 foi a primeira categoria mais importante a voltar a competir na pista, em 1976, com outras categorias alemãs vindo competir no circuito logo em seguida.
Em 1984, a DTM chegou no circuito e se tornou um sucesso logo de cara. A parte sul sofreria uma alteração em 1987, com a construção de um hairpin ainda mais apertado perto da área dos boxes, diminuindo o tamanho da pista para 4,879 km.
Com disputas acirradas dentro da pista e as velocidades dos carros aumentando a cada ano, o circuito começou a se tornar perigoso novamente e mais uma reforma foi feita em 1992, diminuindo o tamanho da pista mais uma vez, reduzindo o traçado para 2,639 km.
A DTM acabou saindo do circuito, com o campeonato de Super Touring se tornando a principal atração. Mas logo na primeira corrida, um acidente tirou a vida do piloto Kieth O’dor. Uma chicane foi adicionada ao local do acidente em 1996, mas com o circuito de Lausitzring sendo construído cerca de 130 km de Berlim, AVUS acabou perdendo seu apelo, com a última corrida oficial sendo realizada em 1998. No ano seguinte, uma corrida de veteranos foi feita para formalizar a despedida do circuito.
A torre de controle acabou se transformando em um restaurante e hotel para caminhoneiros e a arquibancada foi preservada como um monumento, apesar de não ser bem cuidada.
Em 2018, os prédios remanescentes foram comprados pelo empresário Hamid Djadda, que visava construir um local de eventos no local. O teto da torre de controle, que já estava corroído pelo tempo, foi o primeiro a ser restaurado.
A proximidade da arquibancada com a rodovia fez com que o restante da obra tivesse que ser feita em curtos espaços de tempo, para não atrapalhar o tráfego. Boa parte do projeto ficou pronta em outubro de 2021, quando o circuito completou 100 anos. Uma parte do novo complexo foi alugado por dez anos para uma emissora de televisão e na parte central da arquibancada foi construído um centro de eventos.
Nem mesmo as arquibancadas podem ser usadas, já que o Departamento de Trânsito nas Estradas não quer que a movimentação distraia os motoristas. Isso também acaba com os planos de Djadda de expor carros antigos no local, como aparece no projeto original.