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Riccardo Patrese: uma jornada de resiliência nas pistas da Fórmula 1

Conhecendo a trajetória do piloto italiano que desafiou as eras da velocidade e deixou sua marca na história da categoria máxima do automobilismo.

A Fórmula 1 teve grandes transformações entre as décadas de 1970, 80 e 90, com a tecnologia se integrando cada vez mais nos carros da categoria, a segurança mais desenvolvida e uma série de mudanças nos motores (a transição e consolidação da era turbo, além da volta dos aspirados), assim como em toda a aerodinâmica. De uma geração na categoria que tinha como grandes nomes Niki Lauda, Emerson Fittipaldi, Mario Andretti, James Hunt, Ronnie Peterson, entre outros; para outra com Alain Prost, Ayrton Senna, Nigel Mansell, Nelson Piquet e os jovens Michael Schumacher e Rubens Barrichello. Curiosamente, um homem pode falar que bateu roda com todos os citados.

Nascido em 17 de abril de 1954 na cidade de Pádua, Riccardo Gabriele Patrese passou a se envolver com o esporte a motor aos 11 anos. Logo, o jovem italiano tornou-se um grande destaque do kartismo italiano e começou a colecionar vitórias.

Começo promissor, com título mundial de Kart (Rodrigo Mattar)

O ponto alto foi em 1974, quando ganhou o Campeonato Mundial de Kart, disputado no Estoril, em Portugal. O piloto da terra da bota derrotou nomes como Eddie Cheever Jr., Terry Fullerton (o rival de Ayrton Senna nos tempos da base) Henri Toivonen (lenda do WRC) e um certo Alain Prost.

Patrese continuou fazendo trabalho digno nas categorias de monoposto, ganhando o título da F3 Europeia em 1976 e foi quinto no certame da Fórmula 2 no ano seguinte, mostrando habilidade e agressividade.

Assim, ainda em 1977, Patrese já fazia sua estreia na F1. A vaga que apareceu foi na Shadow, para o lugar do compatriota Renzo Zorzi. O italiano disputa nove etapas, somando um ponto no GP do Japão.

Patrese chegou a assinar um pré-contrato com a Ferrari, mas escolheu em 1978 correr por uma nova equipe. O curioso é que esta seria uma dissidência da Shadow. Franco Ambrosio, Alan Rees Jackie Oliver, David Wass e Tony Southgate fundaram a Arrows e levaram o italiano a tiracolo. A escuderia ainda teria Gunnar Nilsson no segundo carro, mas como o sueco teve um câncer nos testículos e se retirou das pistas (e posteriormente viria a falecer pela doença).

O primeiro carro da nova escuderia, projetado por Southgate, foi o FA1. O problema é que o bólido era exatamente igual ao DN9 pilotado pela Shadow. O chefão da escuderia estadunidense, Don Nichols, não tolerou a petulância dos dissidentes e enfiou uma queixa-crime em cima deles.

Enquanto a Shadow padecia e perecia, a Arrows se virava muito bem para uma novata. Na sua segunda prova da equipe, na África do Sul, o italiano liderou a etapa por 37 voltas, surpreendendo a todos. No entanto, o motor acabou o deixando na mão. Ao longo do ano, as boas impressões continuaram com boas corridas: dois sextos lugares em Long Beach e em Mônaco, além de um incrível segundo na Suécia empolgavam o circo sobre este novo conjunto.

Patrese no Arrows A1, lançado após a polêmica com a Shadow (Bandeira Verde)

No entanto, a justiça deu ganho de causa para Nichols e a Arrows teve que tirar o seu carro das pistas, lançando o A1. Após dois abandonos, o GP da Itália, em Monza, era a grande chance da equipe mostrar algo. Mas foi nesta prova que viria o grande baque da carreira de Patrese.

O italiano largava em 12º, com a esperança de somar alguns pontos na sua corrida local. A largada (a primeira usando procedimento com faróis) foi caótica, com muitos carros não tendo alinhado e ainda estando em movimento antes da partida. Patrese pegou a pista de fora, como outros, na ânsia de beliscar algumas posições e, ao voltar à pista se deparou com a McLaren de James Hunt.

Com o toque entre os dois, desencadeou-se um acidente impressionante na reta dos boxes e um incêndio enorme da Lotus de Ronnie Peterson. Após uma série de erros no resgate e no atendimento médico, o sueco viria a falecer três dias depois.

Hunt se apressou em apontar o dedo para Patrese e culpá-lo pelo acidente. Liderados pelo inglês, outros pilotos da GPDA pediram a cabeça do novato pelas atitudes irresponsáveis (sendo que o italiano não era exatamente o mais agressivo do grid, que tinha nomes como Gilles Villeneuve, Jody Scheckter e o próprio Peterson). Assim, o piloto da Arrows foi banido do GP dos Estados Unidos pelo acidente.

Patrese voltou e conquistou um quarto lugar em Montreal no encerramento do campeonato, fechando a temporada com 11 pontos em 12º, um desempenho bom para um piloto jovem e promissor. No entanto, a sombra pelo acidente ainda o perturbara.

O ano de 1979 foi complicado, num ousado e belo Arrows A2, Patrese sofreu com muitas quebras e com um rendimento bem abaixo do esperado, fechando o ano com um mísero quinto lugar no GP da Bélgica, em Zolder, ainda com o carro do ano anterior.

Arrows A2: bonitinho mais ordinário (F1 Corradi)

Já em 1980, as coisas seguiram um pouco melhor: Patrese teve um brilhante segundo lugar em Long Beach e um sexto no GP do Brasil, em Interlagos, o que lhe garantiu sete pontos e o nono posto no campeonato de pilotos. Após um flerte com a Alfa Romeo, o italiano seguiu na Arrows para 1981 e lá mostrou a sua capacidade.

Na abertura do campeonato, novamente em Long Beach, Patrese obteve a primeira pole position da carreira e a única da Arrows. Na prova norte-americana, o italiano liderou no início, mas abandonou com problemas de pressão de combustível.

Logo depois, dois pódios com um terceiro em Jacarepaguá e um segundo em Ímola. No entanto, a Arrows trocou o fornecedor de pneu por exigência da Michelin e a equipe teve que se virar com os problemáticos Pirelli na parte final do ano, não permitindo mais nenhum resultado relevante para a escuderia.

Com o bom início de campeonato, Bernie Ecclestone foi atrás de Patrese para coloca-lo para a função de segundo piloto da Brabham para correr ao lado do então campeão mundial Nelson Piquet. A contratação do italiano foi b ao para manter o patrocínio da Parmalat na escuderia para aquele ano em que a esquadra teria em mãos o novo motor turbo da BMW.

Como primeiro piloto, Piquet ficou com o motor bávaro em todo o campeonato, enquanto Patrese se virou em cinco etapas com o velho Ford Cosworth DFV V8 aspirado. Mas a mudança até que foi melhor para o italiano, pois os pontos somados com a unidade de potência (em tese) mais defasada lhe permitiram somar 21 pontos, terminando o certame de 1982 em 10º, um ponto e uma posição à frente do brasileiro!

Como se não bastasse isso, Patrese teve a sua primeira vitória na F1. E foi uma vitória chorada e lembrada por muitos: como não lembrar daquela maluquice do GP de Mônaco de 1982?

O mais incrível é que Patrese não sabia que havia acabado de ganhar aquela corrida, “Depois do meu erro, eu pensei que tinha terminado em segundo, porque eu vi na minha frente que havia uma Williams e eu pensava que era o de Rosberg, […]. Alguém de um dos patrocinadores estava dizendo para mim ‘Riccardo, Riccardo, você ganhou a corrida’, e eu estava perguntando ‘você tem certeza, porque eu não sei nada?!’ Naturalmente, naqueles dias, não tínhamos um rádio de modo que ninguém me poderia dizer o resultado, como eles podem agora. Eu fui imediatamente para o pódio para ser recebido pela Princesa Grace, então não houve tempo para ver os meus mecânicos antes de receber o troféu”, declarou em entrevista ao Memória F1.

“O que tá acontecendo?” (Memória F1)

Se em 1982, Patrese teve sua vitória mais saborosa, o ano seguinte foi o da derrota mais dolorosa nas pistas. A ocasião foi o GP de San Marino, em Ímola. A bordo do Brabham BT52, o italiano disputava a ponta nas voltas finais com o francês Patrick Tambay, da Ferrari.

Faltando seis giros para o fim, Patrese passou Tambay na altura da Tamburello e assumia a ponta, mas poucas curvas depois, o piloto da Brabham se perdeu na Acqua Minerale e bateu forte nos pneus. Os tifosi presentes vibraram com a batida como se fosse um gol em final de Copa do Mundo, pois era a vitória da Ferrari garantida.

O revés e a torcida pelo seu infortúnio por não estar em um carro vermelho causaram em Patrese uma revolta grande com seus patrícios, pois considerou aquela atitude uma afronta. O italiano ficou bem amargurado com a torcida local e com a própria Ferrari por tabela.

O restante da temporada também foi sofrido para o italiano. Um festival de quebras e acidentes, com nove abandonos nas nove etapas iniciais. Das 15 provas do calendário, Patrese só pontuou em duas: um terceiro lugar em Hockenheim e uma vitória na etapa final, em Kyalami (na prova que consagrou o bicampeonato de Piquet) lhe permitiram apenas 13 pontos e um nono lugar na classificação entre os pilotos.

Tempos sombrios na Alfa (Continental Circus)

Após não chegar a acordo financeiro com Bernie, o italiano voltou a conversar com a Alfa e acertou um contrato de dois anos com a montadora de Milão. E que anos difíceis! Um festival de quebras e acidentes. Em 1984, ainda deu para abiscoitar um pódio em Monza e oito pontos no campeonato, mas em 1985, um desastre completo: nenhum ponto conquistado nem por Patrese, nem por Eddie Cheever, e a Alfa se retirou depois do vexame. Para o italiano, a principal lembrança foi a pancada em Mônaco com Piquet.


Patrese voltou à Brabham em 1986, mas a escuderia não era mais a mesma. Piquet havia se mudado para a Williams e o motor BMW já não tinha a mesma potência de outrora. Embora o revolucionário, mas problemático, BT55 trouxesse alguma expectativa, foi mais um ano de calvário para o italiano, a não ser pelos dois sextos lugares em Ímola e Detroit, que lhe deram dois pontos.

A temporada de 1987 foi ligeiramente melhor, com um quinto lugar na Hungria e um pódio, com o terceiro posto, no México. Com esses resultados, a Williams chamou o italiano para correr a última etapa, na Austrália, em substituição ao lesionado Nigel Mansell, o que fez reeditar a parceria com Piquet nos tempos de Brabham.

O cantar do cisne na Brabham (Rodrigo Mattar)

Com Piquet rumando para a Lotus, Patrese ficou em Grove, agora com o recuperado Mansell. A temporada de 1988 foi complicada, com os tétricos motores Judd. O italiano somou apenas oito míseros pontos e terminou o ano em 11º.

Em 1989, vieram os motores Renault aspirados (afinal a era turbo tinha acabado) e a Williams buscava um salto para voltar ao topo da categoria. Patrese escapou da carambola na largada da primeira corrida, em Jacarepaguá e liderou pela primeira vez em seis anos uma corrida, mas abandona com problemas no alternador. Naquela etapa, o italiano chegava de 177 corridas e deixava para trás Graham Hill e Jacques Laffite, tornando-se, até então, o recordista de provas disputadas na Fórmula 1.

Ainda que a Williams não fosse páreo para a McLaren de Alain Prost e Ayrton Senna, o italiano mostrou muita regularidade, somando pontos e resultados expressivos. Uma pole em Hungaroring, quatro segundos lugares (no ciclo norte-americano entre Hermanos Rodriguez, Phoenix e Montreal, além de Suzuka) e dois terceiros (Paul Ricard e Adelaide) o ajudaram a obter a soma de 40 pontos e o terceiro lugar entre os pilotos. Ou seja, Patrese foi o “campeão do resto” de 1989.

As expectativas para 1990 eram bem altas e Patrese consegue acabar com um jejum e uma maldição: o italiano reencontrou o caminho da vitória ao vencer em Ímola, no palco da dolorosa derrota de sete anos atrás. Além disso, encerrou um tabu de mais de seis anos, ao vencer o GP de San Marino.

O fim do jejum em Ímola (Continental Circus)

Porém foi só isso. Com o carro não atingindo o desempenho esperado e o italiano, assim como o belga Thierry Boutsen, não entregaram o esperado pela escuderia inglesa. Boutsen foi dispensado no fim do ano e a Williams trouxe de volta Mansell. Apesar do sétimo lugar em 1990, Patrese ganhou um voto de confiança para permanecer em Grove em 1991.

O FW14, projetado por Adrian Newey, mostrou-se um carro estupendo e vinha para brigar pelo topo, apesar das falhas mecânicas. Patrese até vence primeiro na temporada, com o triunfo no México, mas é Mansell que demonstra mais cacife para brigar com Senna pelo título.

O italiano vence pela segunda vez na temporada no Estoril, em corrida marcada pelo pit desastrado com o piloto inglês, que praticamente acabou com as chances da Williams faturar o campeonato daquele ano. Patrese fechou o ano em terceiro, com 53 pontos, sendo a única vez em que venceu mais de uma etapa no ano.

Um carro diferenciado, mas o italiano não empolgou (Memória F1)

Para 1992, a escuderia de Grove veio ainda mais avassaladora e, com o FW14B, varreu a concorrência sem dó, nem piedade… mas apenas com Mansell. Enquanto o Leão vencia o certame com 108 pontos, Patrese fez 56. O italiano ainda foi vice-campeão, mas as corridas burocráticas, a falta de agressividade e o desânimo do veterano, as críticas foram bem pesadas sobre o seu desempenho.

Para se ter uma ideia, mesmo tendo o “carro de outro mundo”, o italiano venceu apenas uma corrida, no Japão, penúltima prova do campeonato. Em perspectiva, o quinto colocado daquele campeonato, Gerhard Berger teve duas vitórias! E isso com uma McLaren decadente. E por falar em Berger, o lance que marcou o ano de Patrese foi justamente com o austríaco.

Sentindo que a batata estava assando e com a especulação de Prost e Senna na Williams, Patrese se apressou e antes do fim do campeonato fechou contrato com a Benetton para disputar o campeonato de 1993.

A última temporada do italiano foi até digna, já ciente da função de segundo piloto, pois a preferência era pelo promissor Michael Schumacher, Patrese beliscou dois pódios (terceiro em Silverstone e segundo em Hungaroring), fechando a temporada em quinto, com 20 pontos.

Despedida digna na Benetton (Rodrigo Mattar)

Após 256 corridas, seis vitórias, oito poles, 37 pódios e 13 melhores voltas, Riccardo Patrese deixava a Fórmula 1, como aquele que tinha feito a carreira mais longeva até então.

Patrese ainda seguiu perambulando pelo mundo do automobilismo em várias áreas: participou da DTM e das 24 horas de Le Mans, mas sem brilho. Também atuou como relações públicas e comentou corridas na televisão italiana. Teve uma passagem pela GP Masters em 2005 e em 2006, tendo um terceiro lugar como melhor resultado.

Quase 600 corridas de F1 em uma só foto! (Rodrigo Mattar)

O italiano voltou aos holofotes da F1 em 2008, quando Rubens Barrichello (que estreara na F1 no ano em que Patrese parou) superou o recorde de corridas do ex-piloto. O italiano foi convidado pela Honda para dar umas voltas no carro de 2008, numa reverência ao antigo recordista.

Outro evento envolvendo um carro Honda foi um “teste” que ele fez com o Civic Type-R e que levou a esposa Francesca para dar uma volta no circuito de Jerez, na Espanha, em um vídeo que se tornou um viral desde os tempos do Orkut.


Atualmente, no alto dos seus 70 anos, Riccardo cuida da carreira do seu filho Lorenzo, que já segue os passos do pai no kart, inclusive usando a mesma pintura de capacete, com o sonho de perpetuar o nome Patrese nas gerações futuras do esporte a motor.

Fonte: Bandeira Verde, Continental Circus, Memória F1, Rodrigo Mattar e Stats F1

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