Há 17 anos, em 29 de abril de 2001, eu tive pena da McLaren. Durou pouco, passou logo, mas ao ver um cara legal como Mika Häkkinen lento e abandonando a cinco curvas de receber a bandeirada em primeiro lugar, numa Barcelona onde ele havia vencido nos três anos anteriores e que tinha sido palco de sua inflexão rumo ao título na temporada de 2000, pensei: “mas é a puta que o pariu mesmo”. Quando um Schumacher que tinha brigado bastante naquela corrida, largado na pole, feito a volta mais rápida e aberto o último giro mais de 40 segundos atrás do finlandês recebeu a bandeirada em primeiro lugar com a Ferrari eu já estava comemorando e tinha esquecido a tristeza.
Mika parece nunca ter se recuperado deste abandono. O próprio Schumi disse que sentia muito pelo adversário, e que se esse abandono ocorresse 20 voltas antes não seria tão dolorido.
Foi mais um exemplo clássico de que, na Fórmula 1, luck is really a bitch; é mais ou menos quando um daqueles dois outs que seu adversário tem bate no river e você é eliminado em um torneio de poker logo antes da premiação. Häkkinen ao menos tem o consolo de não estar sozinho nesse grupo de desafortunados, os chamados “Last Laps Losers”:
lll Monaco 23/05/1982
Primeira corrida após a morte de Gilles Villeneuve na Bélgica, e a Ferrari entrou com apenas um carro, de Didier Pironi. Quando nos encaminhávamos para o final da corrida, a briga era entre a Renault de Prost e a Brabham de Patrese, que ainda não tinha visto a quadriculada em primeiro lugar na vida. Programada para 76 voltas, quando faltavam quatro começou uma chuva leve, porém com nuvens escuras o suficiente para fazer o pessoal fechar as janelas dos iates no porto. Patrese começou a pressionar Prost (que também queria terminar rápido, antes que o toró chegasse), o que fez com que o Professor Hidrofóbico cometesse um erro e acabasse no guard rail da Chicane do Porto, na volta 74. Caminho livre para o italiano, primeira vitória à vista, mas…
Na volta 75, ao contornar a Loews, Patrese rodou e o motor desligou. Pironi passou, provavelmente com um sorriso na cara e aprontando mentalmente o discurso em que ofereceria esta vitória à Gilles, porém dali a pouco não tinha mais combustível, e começou a se arrastar pela pista; deu mais uma volta, e parou dentro do túnel. Andrea de Cesaris (!) era o próximo na fila, mas também ficou sem combustível (na subida do Cassino, antes ainda de passar pela Ferrari encostada). Lá atrás, para abrir a volta, vinha um manco Derek Daly, com avarias graves tanto na asa dianteira quanto na traseira de sua Williams. Estava lento, mas chegaria, se não tivesse um problema de câmbio que o deixou ainda na Rascasse.
Por fim, já que ninguém queria vencer mesmo, Patrese teve tempo de fazer o motor pegar no tranco na descida e conseguiu sua primeira vitória na carreira, depois de tantos terem a chance. Pironi e de Cesaris ainda ficaram com o segundo e terceiro posto, mesmo não terminando. Foi algo tão inesperado, que James Hunt, à época comentarista da BBC, disse: “bom, estávamos naquela situação ridícula, sentados ao lado da linha de chegada esperando alguém passar e vencer a corrida mas ninguém aparecia!”.
lll Canadá, 02/06/1991
As Williams estavam com tudo, e nosso herói aí de cima, Ricardo Patrese, entubou quase meio segundo em Mansell, ficando com a pole numa primeira fila do tio Frank. Senna e Prost vinham a seguir. Piquet, de Benneton, estava num distante oitavo lugar (seu companheiro de equipe, Roberto Pupo Moreno, largou em quinto).
Mas o Leão tracionou bem e assumiu a ponta logo no início. Na volta 25, após as McLarens de Senna e Berger abandonarem (rings a bell, anyone?), tudo se encaminhava para uma dobradinha Mansell/Patrese, com a disputa entre Alesi, Prost e Piquet bem lá atrás. As duas Ferraris acabaram saindo da prova, e Piquet foi conseguindo se aproximar de Patrese, que tinha problemas de câmbio e vinha lento. Acabou perdendo a posição para o brasileiro e para Stefano Modena, com sua Tyrrell.
Nigel estava com o fish e as chips na mão, e resolveu “ir prá galera” na última volta: desacelerou e passava acenando para a turma. Mas um carro de Fórmula 1 é feito para andar rápido, e o motor do inglês deu um “stall” – a versão oficial foi pane elétrica – , ou seja, simplesmente apagou, para desespero de Mansell e diversão de Piquet, que passou gargalhando por ele e depois, com sua finesse característica, disse que quando viu o britânico ali parado, quase teve um orgasmo (é claro que ele não usou esse termo técnico, mas podem haver crianças lendo isto daqui). Foi a última vitória de Nelsão na F1.
lll Itália, 10/09/1967
Jim Clark, mesmo com uma Lotus não muito confiável em termos de durabilidade, fez a pole position logo à frente de Jack Brabham e Bruce McLaren. Jack pulou à frente na largada, e Clark acabou fechando a volta apenas em quarto lugar. Mas na terceira volta já tinha novamente chegado à liderança, e começou uma bela disputa Roda com Roda™ com Denny Hulme até a volta 12, quando um pneu furado o obrigou a fazer um pit stop forçado. Naquela época, pneus eram trocados com marretas e dava tempo do piloto ler os classificados do domingo enquanto o serviço era feito, então quando Jim voltou à corrida estava uma volta atrás dos líderes.
Mas Monza 67 ficaria conhecida como uma das melhores corridas do escocês caladão. Na volta 59 (a corrida teria 68), Clark tinha acabado de ultrapassar Surtees pelo terceiro lugar, quando Hill abandonou com um motor estourado. Foi questão de tempo até conseguir tomar a primeira posição de Brabham, na penúltima volta da corrida.
Só que é óbvio que esse GP não estaria aqui no texto se não houvesse um “se”. Na última volta a Lotus foi ficando lenta, com problemas na bomba de combustível. O suficiente para ser ultrapassada logo antes da bandeirada por Surtees (em sua última vitória da carreira, e a última da Honda até 2006) e Brabham, que chegou menos de um carro atrás do vencedor.
Clark ficou em terceiro. Um final muito infeliz para uma corrida que foi épica. Mas ele não podia reclamar, porque já tinha estado do outro lado da cerca.
lll Bélgica, 14/06/1964
Jim Clark estava a bordo de sua Lotus – o carro fora reconstruído após seu acidente em Aintree, em abril, mas não apresentava o mesmo rendimento dos rivais. A primeira fila ficou com Dan Gurney e sua Brabham, ao lado da BRM de Graham Hill e da outra Brabham, do próprio Jack (naquela época, tínhamos três pilotos por fila). Na segunda fila, a Ferrari de John Surtees. Clark estava só na terceira fila, ao lado de Bruce McLaren, à época pilotando pela Cooper. A turma dessa época deve ver aquela foto clássica da galera no muro em 86 e pensar “pffffff”. Mas divago.
Na segunda volta, Surtees estava na liderança, mas um problema de motor logo o tirou da disputa; Gurney retomou o primeiro posto, seguido por Clark e Hill, com Bruce McLaren na quarta colocação. Hill pai fez uma ultrapassagem fácil e abriu bastante de Clark, que após parar para tomar água (ainda bem que não existiam pilotos finlandeses naquela época), perdeu também o terceiro posto para Bruce.
Na volta 28, começou a festa. Gurney estava com pouco combustível, e parou para reabastecer, perdendo a posição para Hill e McLaren. Só que a Brabham não estava pronta, e mandou o piloto de volta sem colocar combustível. Bruce McLaren estava com o motor pipocando e foi ficando lento, permitindo a aproximação de Gurney. Quando este ia fazer a ultrapassagem, a gasosa acabou de vez. Quase ao mesmo tempo, um problema na bomba de combustível deixava Hill coçando o bigode na beira da pista, e a Cooper iria ganhar a corrida, mesmo com os problemas… se o motor não apagasse definitivamente logo antes da La Source (a linha de chegada, à época, era logo depois do grampo, e não antes como hoje). Bruce conseguiu fazer a curva e estava descendo “na banguela” prá receber a bandeirada, quando um surpreendente Clark apareceu e fez a ultrapassagem a poucos metros da linha final, levando o GP por menos de três segundos. Brabham chegou em terceiro, mas quem ganhou a bandeirada de campeão na hora foi a outra BRM de Richie Ginther – foi tanta mudança na última volta que os comissários ficaram mais perdidos que cebola em salada de frutas. O próprio Clark só ficaria sabendo que foi o vencedor depois, porque o combustível da Lotus acabou na subida após a Eau Rouge.
A história não confirma isso, mas acho que foi nesse dia que Bruce McLaren decidiu montar uma equipe só dele, para que uma coisa dessas nunca mais acontecesse com um de seus pilotos…
lll FORA DAS PISTAS
Hoje Jerry Seinfield está completando 64 anos. Friends foi ótima, How I Met Your Mother é bem legal e eu assisti Two And a Half Men inteira. Mas A Melhor Série Sobre Nada ainda é a sitcom fundamental, e nada indica que será ultrapassada um dia. Além de ser a inspiração para algo muito legal que vem por aí, nas podosferas do Brasil…
Jerry também é um cabeça de gasolina, e comanda um show online onde entrevista celebridades a bordo de um de seus muitos carros.
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.