Ainda hoje nos deliciamos ao ver desafios de velocidade inusitados, como uma disputa entre carros esportivos, monopostos, motocicletas e aviões. Compartilhamos as imagens nas redes sociais e entre os amigos, sejam eles amantes do automobilismo ou não. Imaginem então o frenesi causado no início do século XX por uma disputa entre um automóvel (os primeiros Benz foram lançados em 1888, e o Ford T veio ao mundo em 1908) e um avião (os Wright lançaram seu biplano aos céus em 1903, e Santos-Dumont tirou o 14-bis do chão em 1906).
Pois em 10 de janeiro de 1914 começou o que foi chamado de “Campeonato do Universo”. A disputa entre um biplano Curtis e um Fiat 100-hp era uma apresentação arranjada, até porque o avião não atingia mais do que a metade da velocidade máxima do automóvel, mas mesmo assim os 35 eventos que aconteceram por todos os Estados Unidos reuniram multidões para ver essas máquinas ainda tão desconhecidas e seus pilotos destemidos. No ar (às vezes nem tanto, pois em momentos as rodas do biplano ficavam a menos de 8 metros do automóvel), estava Lincoln “Linc” Beachey, apelidado de “O Dono do Céu”. Só que o grande nome era o “Speed King” Barney Oldfield, o primeiro piloto a ter seu nome conhecido por todo o país.
Berna Eli Oldfield nasceu em Ohio, em 1878, e cresceu fascinado por tudo que era rápido. Aos 13 anos era o mascote e “garoto da água” dos bombeiros em Toledo, e passava os finais de semana torcendo por um incêndio só para poder cortar as ruas em disparada na charrete puxada por dois cavalos. Tornou-se porteiro de hotel aos 15, e seu chefe disse que “Berna é nome de menina. Vamos te chamar de Barney”. Simpático e malandro, era quem mais recebia gorjetas, e guardou todo seu dinheiro até conseguir comprar uma motocicleta.
Logo estava participando de corridas organizadas na região, geralmente realizadas em hipódromos. Aos 16 foi convidado por fabricantes para representar o estado de Ohio em uma disputa nacional, e com o segundo lugar conseguiu um emprego de “representante comercial” na fábrica de motocicletas Stearns. Fez amizades com outros pilotos, incluindo Tom Cooper, que o apresentou a um amigo de Detroit chamado Henry Ford. O industrial tinha preparado dois automóveis para competição, e convidou Cooper e Oldfield para participarem de um teste em Michigan. Eles aceitaram, mas ao chegar lá nenhum dos carros deu a partida; apesar disso, os pilotos resolveram comprar as máquinas pela pechincha de 800 dólares.
Barney agora tinha um carro, e logo conseguiu um desafio: enfrentar o campeão Alexander Winton em uma corrida de 5 milhas (cerca de 8 quilômetros). O Ford, batizado de “Número 999”, foi levado até o local do evento, e diz a lenda que na manhã do dia da corrida Oldfield aprendeu a dirigir um automóvel. De qualquer maneira, Barney deixou Winton comendo poeira, e chegou à linha final cerca de 800m à frente do adversário. Seu nome começou a ficar conhecido.
Com a experiência nas motocicletas e sem muito medo do que poderia acontecer, ele logo desenvolveu um estilo agressivo, colocando o carro de lado nas curvas para ganhar tempo e fazendo manobras arriscadas. Como os eventos oficiais, patrocinados pelo American Automobile Association (AAA) eram raros, ele corria onde lhe pagassem: exibições em pistas de corrida de cavalos, feiras rurais, e até em alguns recém-construídos “autódromos”. Em 1903 tornou-se o primeiro ser humano a completar uma milha em um minuto, na velocidade então impressionante de 97 km/h. Algumas semanas depois, baixou o tempo e venceu a velocidade média de 100 km/h. Contratado pelo rival Winton para demonstrações, viajou o país inteiro, ganhando bastante dinheiro e tornando-se ainda mais famoso. Em “corridas” arranjadas como melhor de três, ele competia com algum ás local e seguia sempre o mesmo script: vencia a primeira prova por meio carro, deixava o outro piloto ganhar a segunda e então o humilhava na terceira.
Tanta fama atrairia inveja, e Oldfield acabou suspenso das provas oficiais da AAA por “competir em eventos não sancionados”. Seria o primeiro de vários ganchos que ele tomou na carreira, porém nosso herói não se importava, e continuava sua road trip. Nessa época ele recebia no mínimo quatro mil dólares por aparição, algo como U$ 96.000 nos dias de hoje. Também tornou-se um astro de Hollywood, protagonizando o filme “Barney Oldfield’s Race for Life”, e atuando em alguns shows na Broadway. Carismático e sempre com um charuto bem preso entre os dentes (mesmo quando estava dirigindo”, seu rosto era conhecido por todos os Estados Unidos, e ele ganhou o apelido de “Rei da Velocidade”.
Em uma das raras vezes em que sua carteirinha de sócio da AAA não estava suspensa, competiu na sua primeira Indianápolis 500 em 1914, largando da 30ª posição e chegando no 5º lugar. O “Championship of the Universe” teve uma pausa para que ele participasse da prova. Dois anos depois voltou a disputar uma Indy 500, fazendo história durante os treinos, quando se tornou o primeiro homem a girar uma volta no circuito com velocidade média de 100 milhas por hora (160 km/h).
Aposentou-se como um homem rico (ele e Beachey faturaram juntos o equivalente a atuais seis milhões de dólares em suas apresentações). Qual deles venceu a batalha entre carro e avião? Pode-se dizer que ambos foram campeões do universo, enquanto os vencedores foram os expectadores que puderam assistir.
lll FORA DAS PISTAS
Nasceram em 10 de janeiro o boxeador George Foreman, cantora Pat Benatar, o piloto Eddie Cheever, o nadador César Cielo e Sir Roderick David “Rod” Stewart, que tentou ser jogador de futebol, chegou a trabalhar como coveiro mas fez sucesso mesmo com sua voz rouca, perfeita para o rock and roll na juventude e para se tornar o melhor crooner da atualidade. Vou roubar um pouquinho e deixar duas dele: a apaixonante The Way You Look Tonight e minha favorita, Maggie May:
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.