Ele foi campeão de Fórmula 1. Venceu o campeonato da Indy 4 vezes, incluindo a Indy 500. Ganhou a ROC (Corrida dos Campeões). Chegou em primeiro na Daytona 500 e na NASCAR. Faturou sua categoria nas 24h de Le Mans, chegando num segundo lugar geral. Viu a bandeira quadriculada antes dos outros nas 12h de Sebring, ganhou corridas na América, Europa, Ásia e África, nos anos 50, 60, 70, 80 e 90. Correu de Fórmula, Esportivo, Protótipo, Gaiola, em pistas ovais, circuitos mistos, traçados de rua, estradas de terra. E ainda participou da animação da Pixar, Carros.
Mario Gabriele Andretti nasceu em 28 de fevereiro de 1940 em Montona, naquela parte da Itália fora da bota, na margem oposta à Veneza do Mar Adriático. Três meses depois de seu nascimento (e de seu irmão gêmeo Aldo), Mussolini resolveu entrar na Segunda Guerra. Ao final dela, sua cidade natal tornaria-se parte da Iugoslávia (hoje Croácia), mudaria de nome para Motovun e estaria sob domínio comunista. Aos 8 anos Mario e sua família fugiram do regime russo e foram parar em um campo de refugiados em Lucca, na Itália natal. A vida não era fácil, porém ele disse que seu pai nunca deixou lhes faltar o básico – eles sempre tiveram onde dormir, nunca passaram fome nem deixaram de ir à escola. Mas aqueles anos foram de espera por algo definitivo em suas vidas.
Em 1954 Mario e Aldo viram Alberto Ascari na Mille Miglia, e resolveram ir até Monza para assistir à prova de Fórmula 1. Ambos decidiram que era aquilo o que queriam fazer. No ano seguinte, os vistos americanos que seu pai vinha tentando há tempos finalmente foram aprovados, e os Andretti foram parar em Nazareth, na Pensilvânia, onde morava um cunhado do pai dos garotos. Mario e Aldo tornaram-se ajudantes na oficina do tio, e o futuro campeão logo conheceu uma moça chamada Dee Ann, que se prontificou a ensinar-lhe a falar inglês (e, seis anos depois casou-se com ele, teve dois filhos e viveu junto a seu marido por 57 anos).
Além do emprego e da namorada, Mario Andretti descobriu outra coisa: bem perto da sua casa havia uma pista oval, de terra, onde disputavam-se corridas. Eram provas dos chamados stock cars, ou de midgets, que nós conhecemos aqui como gaiolas. Ele e Aldo tinham que participar, mas para isso precisavam de um carro. Só havia três maneiras de botar a mão em um: roubando (os meninos eram muito honestos para isso), comprando (com que dinheiro?) ou fazendo um com as próprias mãos. Aproveitando qualquer oportunidade para aprender sobre motores, suspensões, carrocerias e afins e economizando o dinheiro que ganhavam na garagem do tio, conseguiram trabalhar em um Hudson Commodore 1948 e, com 19 anos (e carteiras de identidade falsas que diziam que tinham 21), começaram a participar das provas. Nas quatro primeiras corridas, Aldo venceu duas vezes e Mario as outras duas. Eles corriam onde e quando houvesse uma oportunidade: houve um dia em que Mario Andretti venceu três corridas em duas pistas diferentes entre o café da manhã e o jantar.
Aldo sofreu um acidente pouco depois, ficou ferido e finalmente os pais deles descobriram o que eles faziam nas horas vagas. Tentaram acabar com a brincadeira, mas Mario insistiu e continuou. Em 1964, aos 24 anos, tornou-se oficialmente um cidadão norte-americano e fez sua estreia na USAC, ou Indycar. Não participou de todas as provas (pulou a Indy 500 pois não se achava pronto), e continuou a participar de corridas em outras categorias.
Sua primeira vitória com os fórmulas da USAC veio em 65 – ano em que se sagraria pela primeira vez campeão da categoria. Na Indy 500, uma terceira posição lhe rendeu o prêmio de Rookie of The Year (seus dois filhos também ganhariam a honraria no futuro) e, mais do que isso, a atenção de Colin Chapman, que estava lá com Jim Clark, o vencedor da prova. Andretti disse a Chapman que seu sonho era chegar à Fórmula 1, e o inglês respondeu “quando você achar que está pronto, me ligue”. Mario levou a sério a preparação: foi bicampeão da Indy em 66 (e pole nas 500 milhas famosas), e perdeu o título pela menor margem de pontos da história em 67 (para A. J. Foyt) e 68 (para Bobby Unser).
Já dava para fazer aquela ligação, e no GP dos Estados Unidos de 1968, em Watkins Glen, Chapman lhe deu uma Lotus 49. O estreante Andretti fez a pole position, à frente de Jackie Stewart, Graham Hill, Jochen Rindt, Bruce McLaren e outros. “Ah, tudo bem, era o seu GP de casa, ele estava acostumado”, pensaram os outros pilotos. Acontece que ele nunca tinha corrido naquele circuito. E a inexperiência fez com que perdesse a ponta na largada, mas ele estava pressionando Stewart quando o carro literalmente começou a desmontar-se sob ele: na volta 9 ele perdeu parte do bico, e a asa dianteira direita começou a ser arrastada no chão. Na 33, uma suspensão quebrada o tirou de vez da prova, que foi vencida pelo escocês da Matra.
Em 69, algumas participações esporádicas (África do Sul, Alemanha e Estados Unidos), e nenhuma prova terminada. Seu foco estava ainda na Indy: venceu nove corridas, a 53ª Indianápolis 500 e sagrou-se tricampeão. Ele ainda estava focado no seu próprio continente, participando de provas da F5000 (duas temporadas e dois vice campeonatos), de corridas em pista de terra pela USAC (vice em 73 e campeão em 74) e outras categorias menores. Quando surgia uma oportunidade, participava de uma corrida ou outra na F1. Correu 5 provas pela March em 70 (só terminou uma, a primeira vez que via a bandeira quadriculada. Foi na Espanha, e ele subiu ao pódio com a terceira posição), 6 pela Ferrari em 71 (na abertura da temporada, na África do Sul, sua primeira vez pela equipe italiana terminou com sua vitória inaugural) e mais 5 provas em 72, também pela Scuderia.
Após um hiato, finalmente fechou um contrato com a Parnelli, sua equipe na Indy, para participar de uma temporada completa na Fórmula 1. Eles correram as duas últimas provas de 74, no Canadá e nos EUA, para ambientarem-se, e então alinharam no grid desde o início de 1975. O carro não era grande coisa, e a confiabilidade deixava a desejar. Uma quarta posição em Anderstorp foi o melhor possível. Em 76 as coisas começaram novamente devagar, e depois de duas provas a Parnelli abandonou o barco, mas Colin Chapman tinha uma vaga na Lotus e para Andretti a segunda metade da temporada foi bem melhor: pódios na Holanda e no Canadá culminaram na vitória na última corrida do ano, em Fuji, debaixo de uma tempestade torrencial tão grande que fez com que Niki Lauda abandonasse suas chances de ser campeão e James Hunt achasse que não tinha terminado na posição suficiente para levar o título.
Mario ajudou no desenvolvimento do famoso carro asa da Lotus. O Lotus 78 era rápido, porém não muito confiável. Andretti venceu com ele quatro corridas em 77, mais do que qualquer outro piloto, mas com 7 abandonos um terceiro lugar no campeonato era tudo o que dava para pegar. Ao menos comemorou vitórias em seus dois países: em Monza e em Long Beach, a última vez que um americano ganhou em casa.
O ano de 1978, no entanto, foi diferente para melhor. O carro terminava as corridas, e isso somado às nove poles lhe deram seis vitórias, a última delas, em Zandvoort, na Holanda, seria a última de um piloto americano até o momento em que este texto está sendo escrito, em 2019. Na corrida seguinte, na mesma Monza em que ele e seu irmão haviam ido ver Ascari 24 anos antes, um sexto lugar foi suficiente para que Mario Andretti se tornasse campeão do mundo. Não houve comemoração – ele venceu a prova mas perdeu cinco posições por ter queimado a relargada, que só aconteceu após um acidente que mandou seu companheiro de equipe, concorrente ao título e bom amigo Ronnie Peterson ao hospital. Infelizmente, o sueco morreria menos de 24h depois em decorrência de uma embolia gerada pelas fraturas nas pernas.
O título esfriou o ímpeto de Andretti, que já devia estar com saudades de casa. Ainda permaneceu na Lotus por mais dois anos, e correu a temporada de 81 pela Alfa Romeo, mas não frequentava mais as primeiras posições. Suas últimas participações foram três esporádicos GPs em 82, para substituir pilotos que não podiam correr – foram dois abandonos, um pela Williams em Long Beach e outro pela Ferrari em Las Vegas, mas em Monza, com o vermelho do cavalinho rampante junto à sua torcida, uma apresentação de honra: pole position e pódio, na terceira colocação, fizeram com que a história de Mario Andretti na Fórmula 1 terminasse em festa.
Os anos 80 começavam, e com eles uma nova força se erguia nas competições americanas. A CART surgiu para rivalizar com a USAC, e rapidamente tornou-se a principal categoria. Andretti deve ter pensado: “ok, nessa daí eu ainda não venci”. Em 1982, aos 42 anos, ele começava um novo desafio. No ano seguinte, subiu as apostas e juntou-se ao novo time capitaneado pelo ator Paul Newman e por Carl Haas. A Newman/Haas venceu a primeira vez na história naquele ano em Elkhart Lake, e era Andretti quem estava pisando no acelerador. Em 84, mais um ano destruidor: seis vitórias, oito poles e dez recordes de pista lhe deram o quarto campeonato da Indy, e pela terceira vez o título de Driver of the Year, cada um deles em uma década diferente (1969, 1978, 1984, este último pela primeira vez na história com uma votação unânime). Como Vito Andolini, que também veio da Itália para virar um gigante na América, ele começou a passar o bastão para seu filho Michael – em Phoenix 86 os dois Andretti dividiram a primeira fila, e isso aconteceria mais nove vezes até o fim daquela década.
Mesmo com mais de 50 anos, nosso aniversariante do dia não deixava a peteca cair (caramba, essa gíria entrega geral a idade). Em 1992 ele tornou-se o mais velho piloto a conseguir uma pole na Indy, em Michigan e, em Cleveland, bateu o recorde de participações ao atingir 370 corridas (e ainda faria mais 37 depois destas). Com a vitória na Phoenix 200 em 1993, tornou-se o primeiro piloto a vencer provas da Indy em quatro décadas distintas. Mas já era hora de parar, e Andretti decidiu que 1994 seria sua despedida. A turnê final foi chamada de Arriverci, Mario, e marcada por homenagens por onde passava.
Aliás, homenagens não faltaram. No ano 2000 ele foi eleito o Piloto do Século. Faz parte de diversos Halls da Fama no mundo todo, é “prefeito honorário” da comunidade exilada de Motovun e em 2006 foi agraciado com a maior honraria civil da Itália, tornando-se Commendatore dell’Ordine al Merito dela Rpubblica Italiana. O único outro homem ligado ao automobilismo a receber a comenda foi Enzo Ferrari. Seu nome virou sinônimo de velocidade e foi citado em canções de artistas tão díspares quanto Beastie Boys, DJ Khaled, Ice Cube e Gwen Stefani.
Aos 79 completados hoje, Mario Andretti é dono de uma vinícola na Califórnia, postos de gasolina, joga tênis, pratica esqui aquático, está no Twitter e anda pelos paddocks com um tablet embaixo do braço. Ninguém se surpreenderia muito se ele vestisse um macacão e resolvesse participar de mais alguma prova.
FORA DAS PISTAS
Em 28 de fevereiro de 1953 James Watson e Francis Crick anunciaram para amigos que tinham descoberto a estrutura do DNA e, 30 anos depois, o último episódio de M*A*S*H foi ao ar. Estas duas efemérides tem muito pouco em comum, mas tanto o DNA quanto a série podem ser bastantes divertidos.
Nasceram quase no dia extra dos anos bissextos o nobel Linus Pauling, o gangster Bugsy Siegel, o designer gráfico Storm Thorgerson, responsável pelas capas de The Dark Side of the Moon, Dirt Deeds Done Dirt Cheap, Led Zeppelyn e várias mais, Ingo Hoffmann e o cara que criou os Rolling Stones, Brian Jones. Assim como Jones, um cara que fez uma música fenomenal e que se foi cedo demais foi o vocalista da banda de rock mais importante da história do Paraná, um figuraça que eu tive a chance e a honra de conhecer chamado Ivo Rodrigues. Fiquem com a banda Blindagem.
A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.
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