Nos estertores do ano de 1974, na brasileiríssima Salvador, nascia um cara com nome pouco nacional: Antoine (claro que viraria Tony, não Tonho) Rizkallah Kanaan Filho, um dos pilotos mais carismáticos do automobilismo verde-amarelo de todos os tempos.
Tony, além de Filho, é “brimo”: tem ascendência libanesa, e herdou do pai não só o nome como a paixão pela velocidade. Foi o “paitrocínio” que o levou às corridas de kart ainda no início da famigerada década de 80, quando o petiz tinha apenas 8 anos. Em 1985, já em São Paulo, começou a competir de verdade e já levou o título de piloto revelação daquele ano (iria repetir a façanha de maneira ampliada em 1996 ao receber o título de Rookie of the Year na Indy Lights e em 1998, na CART). Baseado no kartódromo de Interlagos, Kanaan começou a colecionar títulos: entre 86 e 90 foi 5 vezes campeão paulista e uma vez brasileiro. Neste período, um baque: aos 13 anos perdeu o apoio do pai, que sucumbiu a um câncer. Sua mãe Miriam assumiu as rédeas e manteve o filho em alta rotação em direção ao sucesso.
Com apenas 16 anos participou de uma corrida de kart organizada por Ayrton Senna. Nas palavras do próprio Tony Kanaan, em entrevista para o Globo Esporte:
Lembro muito desse dia, tinha feito a pole position. Minutos antes da largada, no entanto, ele inventou de inverter o grid. Por isso, larguei em último. Até então, ninguém sabia que ele ia correr. Ele deu uma volta de apresentação com um Kadett branco conversível, pegou o kart e grudou atrás do meu na largada. Assim, fui passando um por um, com ele colado em mim. Fizemos a “rapa” naquela prova e consegui ganhar a corrida, na frente dele. Com certeza, foi um momento mágico na minha carreira, que estava só iniciando. Até hoje eu tenho esse troféu na minha sala. Está ao lado da taça de campeão da Fórmula Indy de 2004
A evolução natural seria estrear nos carros de Fórmula e, como naquela época era possível fazer isto no Brasil, em 91 Tony correu na F Ford (6º lugar no campeonato) e em 92, na F Chevrolet (5º geral). Era hora de pegar o caminho do aeroporto.
Depois de uma breve temporada no campeonato europeu de Fórmula Opel, em 1994 Tony correu com um Alfa Romeo pela equipe Cram Competition na obscura Formula Europa Boxer italiana e, com cinco vitórias, levantou o caneco de campeão. Isto garantiu seu passaporte para a F3 italiana no ano seguinte onde, com uma vitória e 9 pódios no total, cravou um quarto lugar no campeonato.
Aos 21 anos, Kanaan fez o caminho de volta pelo Atlântico, porém mantendo-se no hemisfério norte. Começava sua vitoriosa saga americana.
Em 1996 Tony conheceu os ovais da Indy Lights a bordo de um Marlboro Lola T96/20-Buick V6 da Tasman Motorsports. Na estreia, largou em 9º lugar, terminando uma posição atrás. Nas ruas de Long Beach, ainda na segunda prova da temporada, foi apresentado ao pódio: largando em terceiro, abiscoitou uma segunda colocação. Na corrida de Belle Isle, largando em 5º, venceu pela primeira vez na categoria. Em Portland, sua primeira pole. E, na última prova, em Laguna Seca, venceu novamente. No cômputo geral, uma segunda colocação no campeonato em sua primeira participação, atrás apenas do canadense David Empringham (who?).
Mantendo-se na mesma equipe Kanaan venceu mais duas provas em 1997, porém com um campeonato ainda mais consistente sagrou-se campeão com 156 pontos, quatro a mais que o companheiro de equipe Hélio Castoneves. O terceiro lugar geral de Cristiano da Matta verde-amarelou a temporada de vez.
Dois anos na Lights com estes resultados e a promoção estava garantida. A Tasman subiu Kanaan para a Champ Car em 1998. Não foi uma temporada magistral, e no final uma 9ª colocação geral foi o máximo possível. O ano seguinte também foi difícil, correndo pela Forsythe Racing, parceira da Tasman; 85 pontos e uma 11ª colocação.
Era hora de mudar de ares, e Tony resolveu apostar ao mudar de equipe para a estreante Mo Nunn Racing no ano 2000. O carro, equipado com um motor Mercedes, lutou para chegar ao final das corridas, e Kanaan amargou sua pior temporada, com apenas 24 pontos conquistados e um distante 19º lugar. O ano seguinte foi (um pouco) melhor: um pódio e uma pole, 93 pontos e uma 9ª posição no final. Mas os olhos do piloto e da equipe estavam em outro lugar.
O ano de 2002 viu Tony Kanaan e a Mo Nunn batalharem em duas frentes: ainda fizeram a temporada da Champ Car (99 pontos para o piloto, 12º lugar geral) e estrearam juntos na IndyCar, na mítica Indianápolis 500. Com um Chevrolet V8 nº 17, Kanaan foi o rookie mais bem classificado para a largada, com um 5º lugar; na volta número 90 ele se viu na liderança da prova em sua estreia, e ali ficou por 23 voltas até escorregar em uma poça de óleo e bater, abandonando a corrida. Mesmo assim, o encanto entre Tony Kanaan e a Indy 500 tinha começado, e até hoje ele é o único homem a ter liderado a corrida em suas sete primeiras participações.
Para se manter na categoria, Kanaan mudou de casa novamente: em 2003 era piloto da Andretti Green Racing. Foi uma temporada de disputa pelo título, com uma vitória em Phoenix e outros cinco pódios. Algumas batidas e resultados ruins o deixaram com um 4º lugar geral, atrás do campeão Scott Dixon e dos compatriotas Gil de Ferran e Helio Castroneves, mas as nuvens começavam a ir embora.
O número 17 da Andretti Green fez uma temporada impecável em 2004. Sua pior colocação foi um 8º lugar na estreia, seguido pela primeira das três vitórias no ano já na segunda prova. Outros oito pódios lhe deram um total de 618 pontos no final do campeonato, 85 a mais que o companheiro de equipe Dan Wheldon, e o título de campeão veio para Tony Kanaan junto a um recorde não batido até os dias de hoje: ele completou todas as 3.305 voltas da temporada, liderando 889 delas em 13 provas diferentes.
O ano de 2005 foi o do troco, e desta vez o campeão da temporada foi Wheldon, com Kanaan em segundo lugar. Em setembro daquele ano, como prêmio por ter vencido o campeonato de 2004 com um carro impulsionado por um motor Honda, Kanaan foi testar um Fórmula 1 da BAR em Jerez.
Com a melhora dos carros da Penske e da Chip Ganassi, o ano de 2006 foi bem mais difícil para os pilotos da Andretti, e uma 6ª colocação foi o máximo possível para Kanaan. Em compensação, ele venceu na vida: junto com seu bom amigo Rubens Barrichello criou o Instituto Barrichello Kanaan para apoio ao voluntariado. No dia 28 de maio daquele ano, Tony usou a pintura do capacete de Rubinho na Indy 500, enquanto Barrichello devolvia a gentileza durante o GP de Mônaco.
A melhor temporada, ao menos em número de vitórias, foi a de 2007. Foram cinco no total uma a mais do que Dario Franchitti e Scott Dixon, que terminaram à sua frente no campeonato. Outro terceiro lugar geral veio em 2008 e um 6º em 2009 repetido na temporada de 2010, sua oitava e última pela Andretti.
O combinado era mudar para a Ferran Dragon Racing, mas algo deu errado e, para não ficar sem time, Tony acertou com a KV Racing, do também piloto Jimmy Vasser. Uma terceira colocação na estreia mostrou que a decisão de última hora não foi exatamente ruim, e outros dois pódios (além da quarta colocação na Indy 500) lhe deram o 5º lugar geral no ano, convencendo Kanaan a continuar na equipe para 2012, desta vez acompanhado de seu bom companheiro Barrichello. Foram apenas dois terceiros lugares e um 9º lugar ao final do campeonato, mas este buraco na estrada foi o precursor da grande alegria de 2013.
Ainda pela KV, finalmente a quimera foi alcançada e abatida. Na 97ª Indy 500, após 11 tentativas frustradas o primeiro lugar mais cobiçado no automobilismo ianque era ocupado por Tony Kanaan, que de quebra bateu o recorde de maior velocidade média até então, tendo completado a corrida voando a 187,433 milhas por hora (um pouco mais de 300 km/h de média). Kanaan ainda levou o prêmio de piloto mais popular daquele ano e a humilde 11ª colocação no campeonato não teve importância nenhuma.
Uma nova mudança de equipe veio em 2014, com Kanaan chegando na vitoriosa Chip Ganassi e conseguindo uma 7ª colocação geral, com vitória na última corrida. Kanaan terminou em 8º em 2015, novamente em 7º em 2016 e teve uma temporada ruim neste 2017, sem nenhum pódio e apenas numa 10ª posição geral. Este ano também marcou a estreia de Kanaan nas 24h de Le Mans, correndo ao lado de Joey Hand e Dirk Müller na Ford Chip Ganassi e terminando na 22ª colocação geral.
Que em 2018 Tony Kanaan reencontre-se com a vitória, pois ele merece.
lll FORA DAS PISTAS
No último dia de 1759 Arthur Guinness começou a fabricar a famosa cerveja que leva seu nome na Irlanda; ele assinou um contrato de concessão com duração de 9.000 anos, então podem ficar tranquilos que dá tempo de degustar uma.
Fazem aniversário no último dia do ano Sir Alex Fergunson (1941), o cara que é sinônimo de Manchester United, o inglês Bem Kingsley (1943), um dos melhores atores de sua geração, o controverso porém genial Hermann Tilke (1954), responsável por muito do que você vê hoje nos autódromos do mundo, o Doc Holliday de Tombstone e Batman Forever Val Kilmer (1959) e um autor britânico que você tem que ler, Joe Abercrombie (1974).
Mas, enquanto o ano acaba e os 365 dias do Boletim do Paddock continuam, vamos comemorar juntos os 70 anos da rainha do rock nacional, a eterna Rita Lee Jones. Vejo vocês em 2018!
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.