Automobilismo é um esporte naturalmente perigoso. Mesmo com toda a evolução tecnológica, os pilotos estão sujeitos ao risco de andar em alta velocidade com os mais diversos carros e nos mais variados pavimentos e/ou cenários. Se o medo de um grave acidente permeia os envolvidos com o esporte, imagina a sensação no passado, em que as mortes eram contabilizadas a granel?
Driblar o destino foi o caminho tomado pelo suíço Marc Surer. Nascido em 18 de setembro de 1951, o piloto teve que dar os seus pulos para fazer carreira no automobilismo, uma vez que a modalidade foi banida pelo país dos Alpes após o desastre das 24 Horas de Le Mans de 1955. Assim, o rapaz teve de rumar para a Alemanha, onde pôde iniciar sua carreira no kart em 1972.
Após alguns resultados de destaque, Surer foi recrutado pela BMW no fim de 1976 para integrar a equipe de jovens pilotos da montadora, se juntando a nomes como o alemão Mafred Winkelhock e o ítalo-americano Eddie Cheever. O suíço participou de competições de turismo e também foi ganhando experiência na Fórmula 2, ainda em 1977.
Em 1978, Surer já foi um dos candidatos ao título da divisão de acesso para a F1, mas ficou com o vice. No ano seguinte, não teve para ninguém: Com bastante regularidade e se aproveitando das oportunidades dadas pelos rivais, o helvético conquistou o título da F2, se credenciando para subir à categoria máxima dos monopostos.
Ainda em 1979, Surur fez a sua estreia na Fórmula 1, competindo pela modesta Ensign. Em três corridas, não conseguiu se classificar em duas e na terceira, no GP dos EUA em Watkins Glein, andou 32 voltas até ter um problema de motor.
Iniciando a década de 1980, o suíço encontrou uma vaga na alemã ATS. Surer abandonou na Argentina e quase pontuou no Brasil, demonstrando alguma evolução, mas a temporada ficou comprometida logo na terceira etapa, quando sofreu um acidente em Kyalami e fraturou os dois tornozelos, perdendo parte da temporada. Assim, não conseguiu repetir o desempenho nas provas finais daquele ano.
Depois da decepção no último campeonato, Surer ficou sem emprego até perto da abertura do mundial de 1981. A Ensign, sua velha casa, precisava de um piloto para o GP do Brasil, em Jacarepaguá, uma vez que negaram a superlicença ao obscuro colombiano Ricardo Londoño, que levava os patrocinadores à escuderia inglesa. Com a oportunidade em mãos, o helvético teve o seu grande momento na F1.
Com a chuva que caiu no Rio de Janeiro pouco antes da corrida, Surer teve uma atuação de gala, com ultrapassagens uma tocada precisa, conquistando um excelente quarto lugar no circuito de Jacarepaguá.
Surer ainda beliscou mais um ponto com o sexto lugar no GP de Mônaco, mas nem assim, foi o suficiente para arranjar dinheiro suficiente para a Ensign, que optou pelo dinheiro trazido pelo chileno Eliseo Salazar, deixando o suíço a pé.
O helvético ainda arranjou uma vaga na modesta Theodore para o restante do ano, mas o novo carro era uma verdadeira jabiraca e o piloto europeu pouco pôde fazer no restante do ano. Para piorar, Surer sofreu outro acidente em uma corrida de outra categoria e sofria nova lesão nas pernas, novamente em Kyalami.
Após se recuperar do segundo grande acidente da carreira, o suíço perdeu as primeiras corridas, até achar uma vaga na Arrows, sendo esta o seu verdadeiro lar na F1. Surer ficou na escuderia por quase três anos, tendo bons momentos, mas algumas quebras e pontuando algumas vezes. A sua melhor temporada é 1983, quando faz quatro pontos.
Em 1985, o helvético foca mais no endurance e nos ralis, com direito a vitória nos 1000 km de Monza, ao lado de Manfred Winkelhock, a bordo do Porsche 962. Porém, o bom relacionamento com a BMW no passado abre as portas para uma vaga até interessante: o segundo carro da Brabham.
Surer é escalado pela escuderia de Bernie Ecclestone em substituição ao inexpressivo francês François Hesnaut. O suíço chegaria sem badalações já que estava apenas para cumprir a função de segundo piloto, numa equipe que tinha Nelson Piquet como principal estrela.
Apesar da história e da tradição, a Brabham já dava sinais de fraqueza, iniciando sua decadência, e Surer tinha dificuldades com um carro complicado e com a preferência por Piquet. Ainda assim, repetiu o melhor resultado da carreira, com um quarto posto em Monza e termina o ano com cinco pontos. Embora tenha sido um desempenho modesto, este acabou sendo o melhor campeonato na F1.
Surer voltou para a Arrows em 1986 e dividia as atenções com provas do Campeonato Europeu de Rali do Grupo B. As primeiras cinco corridas foram bem discretas, sem pontos ganhos, mas havia perspectivas de dias melhores. No entanto, o desafio dos ralis teve uma grande consequência.
Contextualizando: os ralis do Grupo B foram considerados como a “Era Dourada” do Mundial de Rali, com grandes marcas, como Audi, Ford, Lancia e BMW construindo máquinas potentes para as provas dos certames internacionais, tornando-se ícones da história do esporte a motor. Entretanto, com carros tão rápidos, os acidentes eram mais temidos e a preocupação com a segurança colocava a modalidade em risco.
As mortes de Attilio Bettega e do lendário finlandês Henri Toivonen, colocavam em xeque a continuidade das provas de carros do Grupo B. Em 31 de maio de 1986, Surer competia no Rali Hessen, na Alemanha, a bordo de um Ford RS200, tendo como copiloto o alemão Michel Wyder. Em um trecho de alta velocidade, o suíço perdeu o controle e a catástrofe aconteceu.
Wyder, que estava na esquerda do carro (já que era um veículo de mão inglesa) faleceu no local. Já Surer foi arremessado para fora do bólido no momento em que este virava uma bola de fogo. O acidente é comparado com o sofrido por Robert Kubica em 2011, por se tratar de um piloto de F1 envolvido em um acidente de rali, mas o suíço teve bem mais danos.
Foram três meses de internação com queimaduras de segundo e terceiro grau por todo o corpo, além de múltiplas fraturas. O helvético ainda precisou fazer 41 transfusões de sangue durante o período no hospital. Felizmente, Surer se recuperou bem e conseguiu levar uma vida normal.
Todavia, o acidente no Rali Hessen foi o suficiente para perceber que correr de carro era um negócio bem perigoso e Marc Surer decidiu pendurar o capacete depois disso. A BMW reconheceu os serviços prestados pelo helvético e lhe deu um emprego de instrutor de pilotagem.
Além disso, Surer tornou-se comentarista de TV na Alemanha, sendo um dos nomes mais consagrados no ramo dentro do circo da F1. Afinal, com os anos dentro da categoria e com a resistência à prova em muitas ocasiões, o suíço provou ser sobrevivente dos perigos do automobilismo.
Fonte: Bandeira Verde, Continental Circus, Contos da F1 e Memória F1