Uma das temporadas mais marcantes para o torcedor brasileiro e para os fãs de automobilismo teve início há exatamente 30 anos. Num ano de transição dentro da Fórmula 1, a categoria viu um dos domínios mais absurdos de uma escuderia dentro do grid, mas com um duelo marcante entre dois grandes gênios das pistas. O primeiro embate terminou com a consagração do professor que viria a ser o “Rei do Rio”, mas deixava a sensação que um forte oponente estava no horizonte.
O autódromo de Jacarepaguá recebia a categoria máxima do automobilismo naquele 3 de abril de 1988 (exatamente quatro dias antes da chegada ao mundo deste escriba que vos escreve) para a primeira etapa de um certame que seria histórico.
A primeira razão era o fato de ser o último campeonato (até 2014) em que os motores turbos seriam utilizados. Apenas Honda, Ferrari e Megatron (que era um BMW rebatizado) seguiam com os propulsores nessa configuração, enquanto a Ford Cosworth e a Judd já apresentavam unidades de potência aspiradas, que, embora mais econômicas, ainda deviam em potência.
Com essas mudanças, a McLaren emergia como a equipe a ser batida. A escuderia de Woking passaria a usar os motores Honda para voltar a ser a dominadora da categoria. Ron Dennis fez os esforços para montar aquele que seria o Dream Team da Fórmula 1. Ao lado do já vitorioso francês Alain Prost, a esquadra trazia o brasileiro Ayrton Senna para montar a dupla mais forte do grid.
Com uma dupla excepcional e o motor mais eficiente e poderoso do grid, o bólido precisava estar à altura. Para isso, Gordon Murray (egresso da Brabham, que se ausentara daquela temporada por questões financeiras) projetou o MP4/4, com conceitos similares aos dos seus últimos bólidos, com a sua “prancha de skate”.
A Lotus também se movimentava para ter uma temporada digna. Após perder Senna, a equipe investiu pesado para trazer o tricampeão Nelson Piquet. A manutenção do motor Honda (e por tabela do japonês Satoru Nakajima) era outro trunfo, embora o modelo 100T não demonstrasse uma capacidade espetacular.
Já a Ferrari se apegava ao bom final de campeonato que teve em 1987, quando obteve duas vitórias com Gerhard Berger. A escuderia de Maranello apostava no austríaco e em Michele Alboreto para ser a principal rival da McLaren.
Por sua vez, a atual campeã Williams passava por um período de transição. Sem o apoio da Honda e na espera pelos motores aspirados da Renault apenas para 1989, a equipe inglesa tinha que se virar com os modestos Judd em um ano sem muitas expectativas. Nigel Mansell voltava após a ausência na parte final do campeonato anterior devido ao grave acidente em Suzuka e ainda precisava recuperar a forma. Ao seu lado, o experiente Riccardo Patrese.
Enquanto isso, a Benetton despontava como a ameaça mais real às quatro grandes, tendo o eficiente motor Ford Cosworth, um bom projeto de Rory Byrne, o B188, além de uma dupla promissora: o belga Thierry Boutsen e o italiano Alessandro Nannini.
No meio do pelotão, destaque para a March, simpática equipe bancada pelo grupo japonês Leyton House, que tinha o promissor modelo 188 (um dos primeiros carros de Fórmula 1 com os toques geniais de Adrian Newey) e contava com uma jovem dupla: o italiano Ivan Capelli (em seu segundo ano na escuderia) e o estreante brasileiro Maurício Gugelmin.
No pelotão, haviam três equipes novas: a alemã Rial, que contava com o patrocínio (e o risco dos acidentes) de Andrea de Cesaris; a italiana EuroBrun, com o piloto local Stefano Modena e o argentino Oscar Larrauri; e a Scuderia Italia, que tinha o apoio oficial da Dallara. Contudo, a construtora acabou atrasando na construção do carro para a temporada e teve que usar um bólido projetado na Fórmula 3000 do ano anterior(!) na primeira corrida do ano. Obviamente, Alex Caffi não conseguiu se classificar na etapa carioca.
Sobre a classificação, Ayrton Senna aproveitou a oportunidade para mostrar o seu cartão de visita: com o tempo de 1:28.096, o brasileiro abocanhava a pole position na primeira prova do ano. Nigel Mansell mostrou que estava recuperado e buscava o segundo tempo, se posicionando à frente de Alain Prost. Gerhard Berger, Nelson Piquet e Michele Alboreto fechavam os seis primeiros.
O que Senna não imaginava é que o sonho da vitória em solo brasileiro começava a ruir antes da largada. O seu carro morreu no grid de largada, com problemas de câmbio. A March de Capelli também apresentou muita fumaça, por conta de falhas na embreagem. O brasileiro correu para os boxes pegar o carro reserva para relargar dos boxes (o problema é que isso era proibido na época e ninguém na McLaren se deu conta disso).
Na largada, Prost se aproveitou do espaço vago no grid e pulou melhor que Mansell para assumir a ponta. O inglês também fora superado por Berger, caindo para terceiro. Mais atrás, a estreia de Gugelmin acabava ainda na reta dos boxes, após pane na transmissão.
Enquanto Prost disparava na ponta, Senna vinha de trás engolindo o pelotão com alguma facilidade. Em apenas 13 voltas, o brasileiro já era o sexto colocado. Mais três voltas, e Boutsen era ultrapassado pela McLaren número 12. Mais uma volta, era a vez de Piquet ser ultrapassado. Até com facilidade, dada a diferença entre os dois carros.
Abre parênteses: a manobra foi simbólica para demonstrar que ambos se respeitavam dentro da pista, uma vez que a rivalidade entre ambos ficou bem escancarada na pré-temporada pelas polêmicas declarações (primeiro de Senna, ao falar que sumiu para que o rival pudesse aparecer na mídia; e depois Piquet ao insinuar que o compatriota não gostava de mulher [sic]). Tais declarações reverberam até os dias atuais, com os seus exageros de sempre, mas que não demonstram o que ambos realmente eram. Fecha parênteses.
De volta à corrida, com o abandono de Mansell (graças ao motor Judd que abriu o bico), Senna já era o terceiro. O brasileiro fez a troca de pneus e voltou em sexto, mas enfim, a FISA tomou uma decisão sobre a troca de carros antes da largada (lembra?) e após 31 longas voltas, saiu o veredito. A bandeira preta com a placa mostrando o número 12 no posto de comando da reta dos boxes indicava que Senna estava desclassificado. Uma desilusão ao torcedor presente em Jacarepaguá.
Sem um dos favoritos e com Prost passeando na ponta, assim como Berger, sólido em segundo, a disputa estava resumida a quem subiria ao pódio no terceiro posto. Piquet precisou fazer a segunda parada, caindo para quinto, atrás de Boutsen e da Arrows de Derek Warwick.
O belga tinha problemas com sua Benetton e via o inglês e o brasileiro se aproximando. Na volta 45, o brasileiro se aproveitou e passou os dois de uma vez no fim da reta oposta, levantando a multidão. O ritmo do belga despencou arduamente, perdendo posições para a Ferrari de Alboreto e a Lotus de Nakajima, ficando fora da zona de pontos. Já Piquet conseguiria aquele que seria um dos melhores resultados do ano que poderia fazer com a Lotus, no terceiro lugar.
Nas voltas finais, Prost apenas administrou a vantagem para Berger até completar os 60 giros vencendo pela quinta vez em Jacarepaguá. Nenhum outro piloto venceu tantas provas na pista carioca pela Fórmula 1, o que levou o Professor a receber outra alcunha pelo qual é conhecido: o Rei do Rio!
Já para o torcedor brasileiro, apesar das decepções com Senna e Gugelmin e com o consolo no pódio de Piquet, o sentimento é que a temporada poderia ser bem melhor para os pilotos do país. E assim acabaria sendo ao longo do ano.
Fontes: Continental Circus, JCS Speedway, Jornal do Brasil e Stats F1
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