365 DiasColunistasFórmula 1Séries
Tendência

A gênese dos campeões da Fórmula 1

A gênese dos campeões da Fórmula 1 – Dia 162 dos 365 dias mais importantes da história do automobilismo | Segunda Temporada

Ao longo da história, os grandes pilotos do automobilismo mundial tiveram seus momentos de glória e de controvérsias. Os momentos de genialidade muitas vezes se intercalaram por incidentes que chocaram os espectadores, a mídia e os próprios envolvidos com o esporte. Mesmo os heróis que alguns fãs tanto cultuam já tiveram seus instantes de depravação.

Enfim, toda essa natureza rústica que afeta praticamente todo grande piloto da história está enraizada desde às origens da categoria. E coube ao primeiro piloto a atingir o olimpo da F1 a personificar este perfil.

Silverstone, maio de 1950: Alfa Romeo e Giuseppe Farina comemoram a vitória no primeiro GP de Fórmula 1. Fonte: F1

Este foi Giuseppe Antonio “Nino” Farina. Nascido em 30 de outubro de 1906 na cidade italiana de Turim, a origem familiar já demonstrava o potencial pelos automóveis, já que seu tio, Giovanni Battista foi um dos fundadores da Pininfarina, fábrica de carrocerias prestadora de serviços para grandes montadoras, como a Ferrari.

Vindo de uma família abastada, Giuseppe foi um estudante com afinco e concluiu doutorado em Ciências Políticas, além de seguir carreira militar chegando a ser um oficial de cavalaria, mas optou por seguir carreira nos esportes. Apesar de ter desempenhos notáveis no atletismo, no esqui e até mesmo no futebol, mas o grande desejo foi pelo automobilismo.

Silverstone, maio de 1950: Da esquerda para a direita: O Rei Jorge VI cumprimenta Juan Manuel Fangio, Giuseppe Farina e Luigi Fagioli durante a sua visita ao Grande Prêmio da Inglaterra, na abertura do campeonato inaugural da Fórmula 1. Fonte: F1

Farina teve passagens por corridas de subidas de montanha nos anos 1920 e voltou a competir na década seguinte, tendo resultados significativos. Deste jeito chamou a atenção de Enzo Ferrari, na época apenas o dono de uma equipe subsidiária da Alfa Romeo, para competir em competições internacionais. Foi nessa passagem que Nino iniciou uma grande amizade com o lendário Tazio Nuvolari.

O promissor piloto italiano logo se destacou pelo estilo de pilotagem ágil e agressivo. A volúpia com que disputava as posições e o temperamento arrogante tornaram-se uma marca registrada naquela época e esse foi um fator que irritou os demais pilotos. Houve quem acusasse Farina de ter matado dois pilotos em acidentes (Marcel Lehoux no GP de Deauville, na França; e Laszio Hartmann no GP de Trípoli, na Líbia, na época em que o país africano era colônia italiana).

Silverstone, julho de 1952: Giuseppe Farina (centro) fala sobre táticas com os pilotos da Ferrari Piero Taruffi (à esquerda) e Alberto Ascari (à direita) antes do GP da Inglaterra. Farina conquistou a pole, mas só conseguiu terminar em sexto depois de problemas técnicos. Fonte: F1

Apesar das investigações darem conta que os acidentes não foram provocados pela manobra de Farina, muitos ainda mantiveram as acusações sobre Farina, como Stirling Moss: “Naquele tempo, havia uma certa tolerância a manobras sujas e todos nós, às vezes, lançávamos mão delas. Mas Farina abusava. Ele era um combatente sobrevivente reclamando da incompetência das suas vítimas e ninguém discordava de que ele havia causado ambos os acidentes fatais”. No entanto, Enzo Ferrari o defendia, inclusive na própria biografia do Comendador.

Apesar do estilo de pilotagem agressivo, Nino ainda era visto como um piloto promissor, com potencial de ser um grande vencedor. No entanto, a Segunda Guerra Mundial interrompeu as corridas de carro pelo mundo e o italiano teve de se afastar da sua paixão até 1946.

Silverstone, julho de 1953: Após chegar em terceiro no Grande Prêmio da Inglaterra para a Ferrari, Giuseppe Farina se prepara para a corrida de apoio da Formula Libre Trophy. Fonte: F1

Ao voltar às pistas, com 40 anos Farina mostrou que mesmo com os melhores anos possivelmente tendo passado, o italiano ainda tinha lenha para queimar. Na primeira corrida realizada após a guerra, Nino venceu a bordo de uma Alfa Romeo o Grand Prix of Nations, em Genebra (Suíça). Em 1948, Giuseppe venceu o GP de Mônaco, pilotando uma Maserati, o que lhe serviu de passaporte para ser contratado como piloto oficial da marca do trevo para os anos seguintes.

O desafio não seria apenas baseado em provas esporádicas. A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) decidiu organizar uma disputa incluindo todas as principais corridas automobilísticas do mundo em que os pilotos que fossem melhores colocados somariam pontos e, no fim do ano, quem tivesse mais

Silverstone, julho de 1953: Giuseppe Farina, no Thin Wall Special, alinha-se na primeira fila do grid para a corrida do Formula Libre Trophy que se seguiu ao Grande Prêmio da Inglaterra. O carro número dois é o BRM de Ken Wharton, com a Ferrari de Mike Hawthorn em primeiro plano. Fonte; @F1

pontos seria o campeão. Portanto, o ano de 1950 seria o primeiro em que ocorreria um Campeonato Mundial de Pilotos para carros de monoposto. Assim nascia aquela que seria mundialmente conhecida como a Fórmula 1.

A primeira corrida da história sob a chancela de “F1” foi no dia 13 de maio de 1950 em Silverstone. Lá a Alfa Romeo se apresentou como o carro a ser batido, colocando os quatro carros nas quatro primeiras posições. Apesar dos esforços de Luigi Fagioli, Reg Parnell e do promissor argentino Juan Manuel Fangio, a primeira pole position da história foi de Farina.

Não bastasse isso, o italiano foi o piloto dominante da primeira corrida válida pelo certame mundial. Giuseppe liderou 63 dos 70 giros, fez a volta mais rápida da prova (que naquele ano valia um ponto) e tornou-se o primeiro vencedor da história da F1.

Farina voltou a vencer na temporada no GP da Suíça e liderou boa parte do mundial, porém Fangio já mostrava sua habilidade e venceu três provas, assumindo a liderança antes da última etapa da temporada, o GP da Itália, em Monza. Nino tinha 22 pontos, contra 26 de Fangio e 24 de Fagioli (que teria descarte de pontos, já que apenas os quatro melhores resultados das sete etapas contariam para a classificação final).

Fangio começou fazendo a sua parte, ficando com a pole. Já Farina partia de terceiro, tendo a Ferrari de Alberto Ascari entre eles. Para o argentino, a situação estava perfeita, pois até um segundo lugar lhe garantia o título.

No entanto, Ascari iniciou a prova querendo aprontar para cima da Alfa. O ferrarista assumiu a ponta, com Fangio marcando Farina na briga pelo segundo lugar. O sonho da primeira vitória da escuderia italiana, no entanto, durou até a volta 21, quando o motor de Ascari explodiu próximo aos boxes, deixando a liderança nas mãos de Farina.

Para Nino, a vitória pouco resolveria se Fangio permanecesse em segundo, pois o resultado ainda favorecia El Maestro, mas a sorte abandonou o argentino na volta 34, quando um problema de câmbio tirou sua Alfa da disputa.

Como última tentativa, Fangio tentou pegar o carro de Piero Taruffi para completar a prova e tentar galgar o máximo de posições possível (a manobra era permitida no regulamento da época), mas o outro bólido também quebrou, deixando o argentino fora da prova, com o consolo de ter apenas um ponto da volta mais rápida.

Sem o seu principal opositor, bastou Farina conduzir o carro até o final e evitar quaisquer problemas para vencer a prova da sua terra natal e sagrar-se o primeiro campeão mundial de Fórmula 1 da história. Giuseppe terminou o campeonato com 30 pontos, contra 27 de Fangio e os 24 de Fagioli.

Depois da conquista histórica, o restante da carreira de Farina na F1 não teve o mesmo brilho. Em 1951, a Ferrari surgiu com mais força e Farina venceu apenas a corrida da Bélgica, fechando a temporada em quarto, com 19 pontos.

A Alfa Romeo deixou a categoria ao final daquele ano e Farina mudou-se para a escuderia de Maranello em 1952. Nino não venceu, mas teve quatro segundos lugares, terminando com o vice-campeonato, atrás do companheiro de equipe, Alberto Ascari.

No ano seguinte, Farina conquistou uma vitória apoteótica no circuito de Nurburgring, em seu traçado de 22 quilômetros. Aquele seu último triunfo ajudou nos 26 pontos conquistados, que lhe valeram um terceiro lugar, atrás de Fangio e de Ascari.

Depois desta sequência, a idade e o estilo agressivo começaram a cobrar seus preços. Em 1954, Farina se lesiona em dois acidentes em outras competições e teve apenas um segundo lugar na Argentina. Na temporada seguinte, reparte um segundo e um terceiro lugar com José Froilan Gonzalez, Maurice Trintignant e Umberto Maglioli no GP da Argentina, além de obter outro terceiro posto na Bélgica, este sozinho, encerrando sua carreira na F1 com cinco vitórias, cinco poles, cinco voltas mais rápidas e 20 pódios.

Farina ainda tentou participar duas vezes das 500 Milhas de Indianápolis em duas ocasiões: Em 1956, chegou a instalar um motor Ferrari com as configurações ideais para a prova na Brickyard, mas o carro não teve um rendimento bom e o italiano sequer se classificou. No ano seguinte, Farina participou de alguns treinos, mas após presenciar o acidente fatal de Keith Andrews, Nino resolveu desistir daquela empreitada.

Fora das pistas, Farina atuou como representante da Alfa Romeo e da Jaguar na Itália, além de frequentar as principais provas na Europa como espectador e como representante do marketing das montadoras com a qual tinha contato. Nino também estava ajudando nas filmagens do lendário filme Grand Prix, cujo personagem Jean Pierre Sarti, interpretado pelo ator francês Yves Morrand, era inspirado no próprio Giuseppe, que fazia as vezes de dublê.

Em 30 de junho de 1966, Nino dirigia seu Lotus Cortina a caminho de Reims, onde ocorreria o GP da França, quando perdeu o controle do carro numa estrada na região de Chamberry e acertou um poste telefônico. Foi nesta colisão em que a vida de Giuseppe Farina chegava ao fim.

Para Juan Manuel Fangio, o rival era alguém bem esquisito: “Nunca foi visitar um corredor ferido. Quando eu fui visita-lo no hospital, ele me perguntou o porquê da minha visita. Disse que sentia muito por ele e que queria vê-lo bem. Ele me respondeu que eu deveria estar feliz, pois era um a menos a enfrentar na corrida seguinte. Na pista, era um louco”.

Com um temperamento forte, especialmente dentro das pistas, Giuseppe Farina deixou um DNA que foi seguido à risca por muitos pilotos que entravam na pista pensando apenas em vencer, não importa como acontecia. Um perfil que ocorreu com frequência na categoria, desde a gênese da Fórmula 1 até os dias atuais. Nada mais justo que o primeiro campeão tenha sido alguém com estas características.

Fonte: Stats F1, Fred Sabino (Globoesporte.com), Continental Circus e Wikipedia

Mostrar mais

Deixe uma resposta

Botão Voltar ao topo