Vincenzo era um playboy. Seu pai, Ignazio, era Senador do Reino da Itália, e sua mãe, uma baronesa. A família, uma das mais ricas do país (e do mundo) à época, era praticamente dona de toda a Sicília. Vincenzo recebeu o nome do avô, então era chamado de Júnior. Vincenzo Florio Jr.
Nascido em março de 1883, não era muito chegado ao trabalho. Gostava mesmo é de viajar pela Europa (Paris, Cannes, Montecarlo, o básico). Sua família tinha cinco iates (ok, eles moravam em uma ilha, vocês queriam o quê?). Aos 17 anos Vincenzo apaixonou-se pelo então novo esporte radical, o automobilismo. Comprou um carro e disputava corridas com a elite da época, tendo inclusive vencido uma em 1903, organizada pelo Conde Rignano em um trajeto que ligava Pádua a Bovolenta. Vincenzo gostou da ideia de ser o patrocinador e ter seu nome associado a uma prova de corridas, e decidiu que sua Sicília era um bom lugar para acelerar, com as montanhas junto ao mar e as estradas vicinais, e os vilarejos entre tudo isto. Aproveitou a nomenclatura que o conde usava no seu evento, e que em italiano significa “placa” ou mais precisamente “prato” (como naqueles oferecidos como troféu aos campeões), e em 09 de maio de 1906 nascia a Targa Florio.
O “circuito” logo tornou-se um dos preferidos dos grandes pilotos pela sua complexidade. Iniciando e terminando na comuna de Cerda, perto da Capital Palermo (e onde hoje se encontra o Museo Vincenzo Florio), nas primeiras versões passava por localidades que devem ter seus nomes lidos com entonação carcamana, com as pontas dos dedos de uma das mãos unidas e apontando para o céu: Caltavuturo, Collesano, Castellana, Castelbuono, Polizzi Generosa, entre outras delícias como estas. Na verdade, ele dava uma boa panorâmica pela ilha, em 146 quilômetros de estradas de terra estreitas, subidas de montanhas e longas retas ao nível do mar Tirreno. Este ficou conhecido como o Circuito Grande, e a prova consistia em fazê-lo três vezes no menor tempo possível. A Targa Florio, o evento regular de automobilismo mais antigo, sempre foi disputada no “esquema rali”, com os carros partindo em intervalos regulares, uma vez que o traçado e as condições da pista não permitiriam ultrapassagens. O campeão original foi o italiano Alessandro Cagno em um Itala 35/40HP, que percorreu a distância de quase 450 km em 9:32:22, uma velocidade média de cerca de 47 km/h.
Entre 1912 e 1914 decidiu-se que a prova consistiria em uma volta completa na ilha, um total de terríveis 975 quilômetros, que foram completados em 16 horas e 51 minutos no melhor dos resultados. Percebendo a loucura logística e no risco de ninguém sobreviver a isso, após a Primeira Guerra retornaram à região habitual, em um trajeto encurtado para 108 km, chamado de Circuito Médio, que foi usado entre 1919 e 1930, aumentando o número de voltas para 4 ou 5 dependendo da edição da Targa. Em 1931 o Grande foi utilizado pela última vez, e no ano seguinte estreou o Circuito Piccolo, com “apenas” 72 km. Nestes dois anos, o campeão foi um velho conhecido nosso, Tazio Nuvolari, a bordo de um Alfa Romeo 8C-2300 Monza, com uma velocidade média próxima a 70 km/h.
A Targa Florio sempre teve sua mística pela dificuldade apresentada aos pilotos (para se ter uma ideia, na menor conformação de traçado existiam entre 800 e 900 curvas, que chegavam a duas mil por volta no Circuito Grande. Nurburgring, no seu maior traçado, tem 180), que era ainda pior por se tratar de estradas abertas ao público, então o reconhecimento do terreno tinha que ser feito em velocidade de passeio, pois o risco de encontrar um motorista de final de semana era muito elevado. Todo o evento tinha uma aura mítica, com uma série de personalidades sempre presente, troféus desenhados por artistas famosos e o próprio charme da Sicília.
A partir de 1955 a prova foi incorporada ao Campeonato Mundial da FIA, ao lado das 12h de Sebring e das 24h de Le Mans, e vários pilotos e marcas que fariam carreira na Fórmula 1 foram vencedores lá: Stirling Moss venceu de Mercedes em 1955, Luigi Musso de Ferrari 250 em 58 e Rolf Stommelen de Porsche 910 em 1967. A volta recorde foi de Helmut Marko, em 1972, a bordo de um Alfa Romeo 33TT3 com uma média de 128 quilômetros horários.
Esta velocidade média baixa para os padrões do automobilismo provavelmente foi uma das responsáveis pela quantidade menor do que o normal de fatalidades. Até ser excluída como evento profissional contando pontos para o campeonato, em 1973, um total de 9 pessoas (incluindo espectadores atingidos) perderam a vida. Considerando-se 61 provas, o número é bem menor do que, por exemplo, os da Mille Miglia, que ceifou a vida de 56 pessoas em 24 corridas, ou a mexicana Carrera Panamericana, que nas cinco vezes em que foi disputada contabilizou um total de 25 vítimas fatais.
Mesmo assim, as estreitas estradas montanhosas, os trechos que cortavam vilarejos cheios de curiosos à beira – e às vezes dentro – da pista, e a total impossibilidade de proteger todo o trajeto com guard rails fizeram com que a Targa Florio se despedisse em 1977, após ser classificada pelo mesmo Helmut Marko que a domou como “totalmente insana”.
lll FORA DAS PISTAS
O dia 09 de maio marca a estreia mundial de Vertigo, um dos melhores filmes do mestre Alfred Hitchcock. Nasceram nesta data o piloto de aviões e ás italiano da Primeira Guerra Francesco Baracca, cujo cavalo negro rampante pintado em sua fuselagem inspirou Enzo Ferrari a criar uma das logomarcas mais reconhecidas da história, a atriz Rosario Dawson, o mesa-tenista Hugo Hoyama e William Joseph Martin Joel, conhecido como Billy Joel (e também como Piano Man). Fiquem com um de seus múltiplos sucessos, num clipe divertidíssimo que resume os anos 80.
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.