A F1 desembarca em Las Vegas em 2023, mas a história do automobilismo em Las Vegas vem de longa data. Em 1965, foi construído o Stardust International Raceway, erguido no meio do deserto de Nevada por Moe Dalitz, responsável por hotéis e cassinos no Estado. A ideia era ser mais uma atração para o público dos cassinos e segundo a lenda, para a lavagem de dinheiro da máfia. O nome veio do Stardust Casino, gerenciado por Dalitz.
Com uma cena automobilística fraca, o gerente da pista, Leo Margolian, se juntou ao Californian Sports Car Club (Cal Club) para trazer as corridas de carros esportivos para a nova pista. O Cal Club também prestou assessoria no traçado a ser realizado, fazendo modificações no traçado original.
No dia 21 de setembro de 1965, a nova pista foi inaugurada, contando com a presença dos membros da equipe Carrol Shelby Cobra Racing, que levou alguns modelos para estrearem a pista, com Ken Miles levando Moe Dalitz como passageiro. A estreia oficial aconteceu no mês seguinte, nos dias 3 e 4 de outubro , com um circuito ainda inacabado. Faltava ainda construir as arquibancadas e não havia separação entre a pista e o pit-lane e a área de espectadores era separada da pista por correntes. Jerry Entin foi o vencedor da primeira bateria, levando ainda a volta mais rápida do dia.
O evento de outubro foi um sucesso, mas ainda faltava o desafio com o público, já que a corrida inaugural era para ser mais um evento privado. Nas seis semanas seguintes, os organizadores conseguiram erguer arquibancadas e construir barreiras de proteção na pista, tudo para receber o Stardust Grand Prix, realizado entre os dias 12 e 14 de novembro. A corrida teve várias trocas de líderes, até que Hap Sharp herdou a vitória, após a quebra de Jim Hall a duas voltas do fim.
Nos anos seguintes, mais categorias começaram a disputar corridas no circuito, como a SCCA United States Road Racing, Can-Am Challenge e Trans-Am, com a Can-AM fazendo suas decisões de título na pista de Las Vegas.
Mesmo com corridas acontecendo a todo vapor, o circuito passou para a mão de novos donos no começo de 1968, depois que a associação que cuidava da pista se dissolveu. As corridas ainda aconteceram durante o ano, até que a derradeira corrida, uma etapa amadora da SCCA, encerrou as atividades na pista em fevereiro de 1969, apenas com algumas corridas de drag sendo feitas depois disso. O circuito não estava conseguindo atrair o público esperado e uma inundação em março de 1969 pôs fim a história do circuito de vez. A pista mudou de mãos várias vezes, até que a expansão da cidade chegou e no final dos anos 1970, o circuito deixou de existir por completo.
A cena automobilística não deixou de existir, com o Las Vegas Speedway Park sendo inaugurado em 1972, justamente para suprir a falta de um local de corrida deixado pelo fechamento do Stardust, com a IMSA fazendo um evento na pista poucos meses depois da abertura.
Com menos de 3 km de extensão, o circuito foi muito utilizado para testes, até que em 1989, o local foi colocado à venda. Correndo contra o tempo, o entusiasta de corridas Robert Deiro conseguiu convencer o empresário Richie Clyne a se envolver no projeto. Por sua vez, Clyne apresentou a proposta para o dono do Imperial Palace, Ralph Engelstad, que deu o dinheiro necessário para a compra do circuito, que passou a ser um complexo com várias pistas, com algumas categorias passando a correr por lá, como a NASCAR Whelen All-American Series.
A pista passou por uma imensa reforma em 1996, que construiu mais uma pista, que podia ser usada como mista ou como oval, conseguindo atrair categorias como a Indy (IRL) e a NASCAR.
O circuito continuou a ter sucesso, mesmo após ser vendido. Uma tragédia, no entanto, acabou abalando o circuito. Em 2011, durante a disputa da última etapa da Indycar, um acidente envolvendo 15 carros tirou a vida de Dan Wheldon. Em sua homenagem, os pilotos deram cinco voltas em formação, observados pelos membros das equipes perfilados no pit-lane. A categoria nunca mais voltou a correr em Las Vegas depois desse acidente. Atualmente, a NASCAR é a principal categoria correndo no circuito.
Stardust pode ter deixado de existir, mas os donos dos cassinos ainda tinham planos que incluíam o automobilismo na cidade, ainda mais com o crescimento da popularidade da F1. Uma corrida na cidade atrairia o público, que gastaria nos cassinos e hotéis da cidade, trazendo lucro.
O hotel Caesar Palace fez um acordo para sediar a última etapa da temporada de 1981, logo após a corrida em Watkins Glen. Só que os promotores de Watkins Glen não conseguiram pagar os custos da corrida e a etapa foi cancelada, deixando os holofotes todos na corrida em Las Vegas, que fecharia a temporada com uma disputa de título. A corrida foi vencida por Alan Jones, com Nelson Piquet levando o título com apenas um ponto à frente de Carlos Reutemann.
Se por um lado, pilotos e equipes gostaram do clima de festa de Las Vegas, o mesmo não se pode dizer do traçado. A pista foi construída no estacionamento do hotel e além de não oferecer elevações, ainda era muito apertada, já que o tamanho do estacionamento não ajudava. Os pilotos também reclamaram da falta de referências, já que a pista era delimitada por grandes blocos de concreto, tornando a corrida monótona e cansativa para os pilotos.
No ano seguinte, mais uma disputa por título aconteceu no circuito de Las Vegas, com Keke Rosberg sagrando-se campeão, numa corrida vencida por Michele Alboreto, a primeira do piloto italiano na categoria.
Com um baixo número de espectadores e sem conseguir atrair os milionários para gastar nos cassinos, os donos do Caesars Palace conseguiram um acordo e cancelaram o contrato, com a etapa estadunidense indo para outras cidades. O cassino não ficou sem receber corridas, conseguindo trazer a Indycar no lugar em 1983, fazendo algumas modificações no traçado. A categoria correu no cassino por dois anos, até os donos perderem o interesse em investir no automobilismo. Um outro cassino hotel foi construído no final da pista e o restante acabou virando uma extensão do Caesar e um shopping.
Mais de 40 anos depois, Las Vegas ganha mais uma chance de receber a F1. Com a categoria se tornando mais popular e atraindo cada vez mais público, a Liberty Media, dona da F1, começou a focar no público estadunidense e nos grandes espetáculos. Austin, que já fazia parte do calendário, ganhou a companhia de Miami, com a corrida sendo marcada pelo luxo e pelas celebridades. Visando expandir ainda mais nos Estados Unidos, a categoria viu em Las Vegas a oportunidade de produzir outra corrida grandiosa, a terceira no país.
O grande chamariz da corrida na terra dos cassinos são os carros passando pela famosa Strip, avenida que corta parte da cidade e onde estão concentradas as principais atrações e cassinos. Novamente a construção da pista ficou por conta da empresa de Hermann Tilke, mais precisamente seu filho Carsten, que ficou encarregado não só por gerenciar o desenho da pista, mas por também conseguir as licenças e se certificar que os hotéis e cassinos em volta aprovassem o projeto. Trinta e um projetos depois, finalmente o desenho final ficou pronto.
Os boxes e o pitlane, assim como a linha de largada e chegada, foram construídos de forma permanente em um estacionamento desocupado, que foi comprado pela própria F1. Em sentido anti-horário, os pilotos já se deparam com um hairpin, seguido por mais uma curva, antes de entrar na reta Koval Lane. depois de uma série de curvas, finalmente os carros chegam na Las Vegas Boulevard, a famosa Strip, onde os pilotos passam pelos principais cassinos, como Treasure Island, The Mirage, Caesar’s Palace e as fontes do Bellagio, no 1,9km de extensão da reta.
A Fórmula 1 garantiu a possibilidade de ter uma prova norturna em um local que é conhecido por suas luzes!
Las Vegas pit complex & start finish straight, hospitality units along Koval, The Sphere (T5-10) & Las Vegas Boulevarde where cars will reach max speed as they pass The Venetian, Treasure Island, Ballagio, The Mirage & Caesars Palace. pic.twitter.com/NyEP4c4XFH
— Mark Gallagher (@_markgallagher) September 26, 2023
O maior desafio em se construir um circuito de rua é minimizar o impacto no dia a dia. Quando se passa pela principal avenida da cidade e nas atrações mais visitadas, esse impacto acaba sendo sentido, mesmo com os esforços para minimizar isso. Os promotores afirmam que a maior disrupção seria apenas no primeiro ano de corrida, já que foi preciso também construir a parte do paddock, que será permanente, além de pavimentar as ruas para receber os carros de F1.
Quando as obras para a construção das arquibancadas começaram, moradores e turistas já começaram a reclamar que as barreiras e tapumes acabaram bloqueando toda a vista de algumas atrações. Na ponte que liga a rua a um dos principais hotéis recebeu uma película, para que transeuntes não pudessem ver a corrida sem pagar, que foi logo arrancada pelos passantes. A solução foi instalar uma grade na frente, com um teto também sendo colocado, evitando qualquer tipo de visualização. Acontece que essa ponte também dá uma visão privilegiada da fonte do hotel Bellagio, que com sua dança coreografada, é uma das atrações principais da Strip.
Uma das particularidades da corrida é que, além de ser noturna, as 50 voltas pelos 6.201km do circuito, serão disputadas no sábado, ao invés do domingo, para que o público possa aproveitar a cidade depois da corrida, com os treinos livres começando na quinta e a classificação sendo feita na sexta-feira. A abertura oficial do evento vai ser feita na quarta-feira, com shows de vários artistas e a participação dos 20 pilotos, sendo transmitida pelo canal no YouTube da F1.
Os ingressos para assistir a corrida de pé custavam 500 dólares (cerca de 2500 reais) e se esgotaram rapidamente. Para quem quiser um lugar na arquibancada, o ingresso mais barato sai por 1.500 dólares (7.300 reais), podendo chegar até a 3.280 dólares (16 mil reais). Todos os setores têm comida e bebida não alcoólica inclusas.
Para quem tem alguns milhões sobrando no bolso, é possível comprar um pacote por módicos 5 milhões de dólares (25 milhões de reais), que inclui 5 noites Sky Villa, no hotel Caesars Palace, que tem um terraço com vista para a Strip, com capacidade para 75 pessoas. O pacote ainda inclui 12 passes para o paddock. Equipes também estão oferecendo pacotes de hospitalidade em hotéis, com preços variando de 5 a 90 mil dólares e com o serviço de alimentação ficando nas mãos de grandes nomes da gastronomia.