A Itália tem uma longa tradição no automobilismo, sendo palco de provas famosas como a Mille Miglia e a Targa Florio, além de ser casa de equipes tradicionais no automobilismo, como Ferrari e Alfa Romeo. E para correr, vale qualquer coisa, até mesmo transformar o projeto de uma estrada em pista de corrida.
Nos anos 1940, Alfredo Campagnoli, Graziano Golinelli, Ugo Montevecchi e Gualtiero Vighi, todos apaixonados por motociclismo, se aproveitaram da construção de uma nova estrada perto da cidade de Imola, no norte da Itália, para convencer as autoridades de construir também um tão sonhado circuito no local, usando o argumento de que a construção do circuito traria vantagens econômicas, como a criação de novos empregos.
O local, por sua geografia e por já contar com algumas estradas rurais que poderiam ser aproveitadas, era ideal para a nova pista. Projeto aprovado, o novo circuito teve sua construção iniciada em 1950 e a estrada acabou incorporada ao autódromo de 5,018 km, ligando as curvas Tosa e Piratella. A nova pista se chamaria informalmente de Circuito de Santerno, em homenagem ao rio que corria ao lado.
O projeto do novo autódromo interessava muito à Ferrari, já que a nova pista ficaria próxima à fábrica da equipe (que só teria sua pista própria em 1972). Enzo Ferrari, que estava presente no dia em que a construção começou, mandou seus pilotos Ascari, Marzotto e Villoresi para a inauguração do circuito, em 19 de outubro de 1952, com os três se alternando no volante de um carro esportivo. O motociclismo, principal motivação para a construção do circuito, não ficou de fora do primeiro treino e em abril de 1953, foi a primeira categoria a disputar uma corrida no local, com as provas de 125cc e 500cc sendo disputadas pelo campeonato italiano. Em 1954, foi a vez dos carros esportivos disputarem a Coppa d’Oro Shell, com a Ferrari batendo a Maserati pela vitória.
O circuito continuou recebendo apenas corridas de motociclismo e carros esportivos até 1963, quando foi disputada a primeira corrida de automobilismo que seguia as regras da F1, mas que não fazia parte da competição oficial, com Jim Clark vencendo com a Lotus, numa corrida que não contou com a Ferrari.
Nos anos seguintes, o autódromo foi recebendo melhorias e em 1970, foi renomeado para Autódromo Dino Ferrari, em homenagem ao filho do fundador da Ferrari, que faleceu em 1956, aos 24 anos. Em 1988, após a morte de Enzo, houve uma nova mudança de nome, passando a se chamar Autódromo Enzo e Dino Ferrari, nome que se mantém até hoje.
O traçado do circuito foi mudado pela primeira vez em agosto de 1972, com a construção da Variante Bassa, e depois em 1974, com a construção da Variante Alta, que visava diminuir a velocidade dos carros. Até então, o circuito ainda era um misto de ruas públicas e privadas, mas no final dos anos 1970, foi definido que o circuito seria permanente, fechando suas ruas para o público e possibilitando uma melhora na infraestrutura.
O resultado veio anos mais tarde, com a F1 disputando uma corrida não-oficial, o GP Dino Ferrari, em 1979, vencida por Niki Lauda com a Brabham-Alfa Romeo.
Em 1980, após uma disputa com Monza, Ímola recebeu sua primeira corrida oficial na categoria, deixando Monza de fora do calendário pela primeira vez desde o começo da F1. A corrida, que teve a vitória de Nelson Piquet, foi um sucesso e para não concorrer com Monza, foi criado o GP de San Marino, aproveitando a proximidade do circuito com o país que fica no meio da Itália. O primeiro GP de San Marino foi disputado em 1981, com Piquet novamente subindo no degrau mais alto do pódio.
Com o circuito recebendo as corridas da F1, novas modificações foram feitas, criando novas áreas de escape e chicanes, como na Acque Minerale e na Variante Alta, que recebeu uma chicane extra apenas para as competições de motociclismo. Mas a maior preocupação era com a curva Tamburello, que por ter um rio correndo atrás, não permitia a criação de uma área de escape maior. E as preocupações se mostraram certeiras, quando Nelson Piquet sofreu um acidente em 1987, que o fez perder a corrida.
Outro piloto que se acidentou na Tamburello foi Gerhard Berger, que conseguiu escapar apenas com queimaduras nas mãos após sua Ferrari sofrer uma quebra e pegar fogo após a batida contra o muro, durante a corrida de 1989. O piloto austríaco perderia a corrida seguinte por conta dos ferimentos. Outros dois acidentes na Tamburello aconteceram em testes, com Michele Alboreto em 1991 e Riccardo Patrese, em 1992, mas os dois pilotos não sofreram ferimentos.
Durante o fim de semana da corrida, em 1994, novos acidentes marcaram o circuito. No treino de sexta-feira, Rubens Barrichello bateu sua Jordan na Variante Bassa, saindo com ferimentos leves. No dia seguinte, Roland Ratzenberger não teve a mesma sorte e após uma forte batida na Villeneuve, acabou falecendo.
Mas o pior acidente da história do circuito aconteceu no dia 1º de maio, dia da corrida. Enquanto liderava a prova, o carro de Ayrton Senna saiu da pista e acertou o muro da fatídica curva Tamburello. Os ferimentos causados pelo impacto acabaram vitimando o piloto brasileiro, causando uma grande comoção, não só na comunidade do automobilismo, mas também nos torcedores do mundo todo. Em sua homenagem, uma estátua de bronze foi erguida próximo ao local do acidente e logo se tornou ponto de peregrinação para os fãs do piloto.
Outros menores incidentes que aconteceram durante o fim de semana fizeram com que Ímola passasse por uma reconstrução total, com a curva Tamburello recebendo uma chicane e as áreas de escapes por todo o circuito sendo ampliadas.
Com a reforma, o circuito continuou recebendo as corridas da F1 e por três anos, entre 1996 e 1997, também foi palco da MotoGP. Se a pista recebeu melhorias, o mesmo não se pode dizer das áreas do paddock e das garagens, que ainda eram as mesmas desde 1979. Com isso, a F1 não renovou o contrato com o Autódromo e em 2006 foi realizada a última corrida, com a vitória de Michael Schumacher.
As melhorias que foram pedidas pela categoria começaram a ser atendidas, com todo o paddock original sendo demolido para a construção de uma estrutura maior. Mas a empresa responsável pelo circuito faliu, paralisando as construções e impossibilitando a volta do circuito ao calendário. Após ter os direitos de gestão vendidos, as obras puderam recomeçar, com o circuito sendo reinaugurado em 2008, abrigando o World Touring Car Championship. A maior mudança veio na remoção da Variante Bassa, que teve que ceder o espaço para o novo pitlane. Uma nova Variante Bassa foi agregada em 2009, como exigência para a realização da etapa de Superbikes, mas seria usada apenas para as etapas de motociclismo.
Os custos da reforma provaram ser demais para a Formula Imola, que tinha comprado os direitos do circuito e a empresa entrou em recuperação judicial, com uma nova companhia assumindo o comando e conseguindo o direito de explorar o circuito a partir de 2012. Apesar do status de Grade 1, classificação que permite que um circuito receba uma corrida de F1 e de ainda receber competições internacionais, o circuito ainda não conseguia voltar ao calendário da categoria. Um acordo chegou a ser assinado com Bernie Ecclestone em 2016, mas dependia da aprovação do Automobile Club d’Italia, que por sua vez, preferia que o GP da Itália continuasse em Monza, circuito que mais recebeu corridas de F1 na história. Os administradores de Ímola chegaram a entrar na justiça, mas desistiram do caso.
A sorte do circuito iria mudar em 2020, quando a pandemia de Covid-19 cancelou muitas provas fora da Europa. Imola via a oportunidade perfeita de voltar ao calendário e no dia 1º de novembro de 2020, a F1 voltou ao circuito depois de um hiato de 14 anos, com a vitória de Lewis Hamilton. Com a pandemia ainda restringindo as viagens, Imola teve a chance de repetir a dose em 2021, em corrida vencida por Max Verstappen.
A estratégia do circuito deu certo e o GP de Emilia Romagna, como foi chamada a corrida em sua volta ao calendário, já que o GP da Itália continua em Monza, vai continuar a ser disputado até 2025.
O recorde de 7 vitórias de Michael Schumacher, o maior vencedor no circuito, permanece intacto. Já Senna pode ser considerado o rei das poles, conseguindo oito no total, sendo 7 seguidas, entre 1985 e 1991. Mas das 8 poles, só três se converteram em vitórias.
E apesar da Ferrari ter o maior número de vitórias no circuito (empatada com a Williams, com 8 cada uma), apenas um piloto italiano, dos 31 que já disputaram corridas no circuito, se sagrou vencedor nessa pista. Elio de Angelis, correndo pela Lotus e tendo Senna como companheiro de equipe, venceu a prova em 1985, depois que o Prost, o verdadeiro vencedor da corrida, foi desclassificado por irregularidades no carro. E em 2022, será a primeira vez que a Itália não terá um representante correndo em Imola.
Entre os 17 brasileiros que correram em Imola, além de Senna, Nelson Piquet já venceu duas vezes em Imola, conquistando quatro pódios no total, mesmo número de pódios que Rubens Barrichello.
Nossa… Adoro essas histórias dos circuitos. Fico imaginando como era correr ali décadas atrás.