A lei de Godwin diz que “À medida que uma discussão online se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou os nazistas tende a 100%.” Já a lei de Valesi para cabeças de gasolina diz “Em qualquer roda de fãs de Fórmula 1, é uma questão de tempo para surgir a infame questão: quem foi o melhor de todos os tempos?”
Normalmente, a isto se seguem as habituais imprecações contra a estupidez alheia, insultos variados, gente saindo de grupo de whatsapp, choro e ranger de dentes. Senna, Prost, Fangio, Schumacher, Clark, Hamilton, Verstappen… tem gente que fala até do Yuji Ide.
Mas alguns iniciados na história da Fórmula 1 – inclusive gente que entende disso mais do que eu e você, como Eddie Jordan, o cara que trouxe Schumacher para o circo – simplesmente balançam a cabeça com aquela cara de “bitch, please!”. Jordan já disse algumas vezes: “Esqueçam Senna e Schumacher. Tommy Byrne foi o melhor de todos”.
Tommy Byrne nasceu em 06 de maio de 1958 na Irlanda, numa cidade portuária com menos de 40 mil habitantes a pouco mais 50 km de Dublin. De família pobre, desunida e crescendo em meio da violência dos anos 70 na região, ele largou a escola e se tornou, por opção, “um ladrão, bêbado e mulherengo”, em suas próprias palavras – Byrne escreveu um livro contando sua história em 2008: Crash and Byrned – The Greatest Racing Driver You Never Saw (por favor, contatem o Boletim do Paddock para me enviar um exemplar de presente). Virou até um documentário.
Apesar de ser o oposto daquele Lewis Hamilton ainda adolescente em relação a tutela, treinamento e disciplina, Byrne passou de piloto de Mini Cooper na stock car irlandesa para um assento na F1 e um teste na McLaren em apenas 05 anos. Nesse meio tempo, ganhou corridas na Fórmula Ford e F3 inglesas – Ayrton Senna dizia que evitava competir contra ele, pois o cara era muito rápido mesmo. Na Ford, Tommy bateu Senna.
Sendo assim tão bom e desconhecido o cidadão só pode ter morrido, certo? Errado, néscio! Byrne está firme e forte, e é instrutor de direção defensiva da Honda na Flórida e treinador de pilotos da Indy Lights. Mas o que aconteceu com a carreira dele na F1?
A Theodore Racing Team foi um time de Hong Kong que participou de 64 corridas entre 1976 e 1983. Tambay e o velho Rosberg chegaram a ocupar o cockpit dessa draga, que marcou um total de 2 pontos na sua história (um com Tambay e outro com Johnny Cecotto). E foi nessa nanica, impulsionada por um potente Cosworth V8 que Byrne participou de 5 provas em 1982.
Na verdade, ele correu em apenas duas; não conseguiu se classificar nos GPs da Alemanha, Suíça e Itália. No GP da Áustria classificou-se em 26º, logo à frente de Raul Boesel, e mais de 7 segundos abaixo da pole de Piquet. Abandonou na volta 28, quando restavam 12 pilotos na corrida. E em Las Vegas, no ridículo Caesars Palace Grand Prix – disputado no estacionamento do cassino – saiu também da 26ª posição para abandonar na volta 39, quando estava em 16º.
Não deve ter sido por acaso que, justamente em Vegas, Tommy deu uma banana práquela equipe. Suas histórias de bebedeiras, orgias e desperdício de dinheiro fariam James Hunt ficar orgulhoso. Além do que, Byrne tinha uma carta na manga.
Como piloto com patrocínio Marlboro, ele teria direito por contrato a um dia de testes com a McLaren, em Silverstone. E é aqui que essa história começa a ficar deliciosa.
No dia dos testes, Byrne chegou ao mítico autódromo inglês acompanhado de várias garotas que ele tinha conhecido na noitada anterior. Na verdade, ele veio direto dos pubs e boates de Londres, onde tinha bebibo e fumado a noite inteira, para o dia mais importante da sua vida. Testando com um carro compartilhado, ele iria para a pista logo após Thierry Boutsen, que voltou para os pits e, enquanto os mecânicos acertavam o carro para as voltas do irlandês, reclamou com todo mundo do understeer que o impediu de pilotar. Boutsen fez seu melhor tempo em 1:10.9.
“Eu sabia que esse era meu momento decisivo”, disse Tommy depois, “e queria mostrar práqueles fdp da Theodore que eu era bom. Mas com Boutsen – um cara que eu respeitava e considerava rápido – reclamando do carro, eu fiquei preocupado; isso durou até eu entrar na pista. Sim, tinha um tanto de understeer, mas eu simplesmente pisava no freio um pouquinho antes, começava a curva um pouquinho antes e pisava no acelerador um pouquinho antes. Resultado: sem understeer!”.
Seu melhor tempo, de 1:10.1 não foi bom. Foi espetacular, melhor que os tempos de classificação de Niki Lauda e John Watson em Silverstone naquele ano. E consistentes: ele fez esse mesmo tempo nas suas últimas três voltas! Senna estava lá esse dia, e fez 1:10.4.
Mas não é só isso. John Uprichard, piloto e amigo de Byrne, estava na beira da pista cronometrando manualmente os tempos, e disse que no final ele fez essas três voltas em 1:09.9, 1:09.7 e 1:09.6!!!! Quando foi questionar a McLaren sobre o motivo de não terem mostrado os tempos corretos, ele recebeu uma porta na cara.
Bom, o cara era amigo, podia estar exagerando. Verdade. Mas essa história ainda não acabou.
Tudo leva a crer que a McLaren não foi completamente honesta com Byrne. Um dos mecânicos daquele dia, Tony Vandungen, contou depois em uma reportagem que a equipe recebeu ordens de não liberar a potência total para Tommy Byrne – e só para ele, para os outros o motor não tinha limitadores. Ele pensou que, por ser o menos experiente entre os que iriam testar, e uma vez que aquele era um carro de corridas em atividade, não só para eventos, os chefões não queriam que fosse estragado por algum novato afobado.
“E então ele fez o melhor tempo, e todos nós estávamos gargalhando e nos perguntando quanto ele conseguiria com potência total.”
A McLaren nunca contou o motivo dessas duas decisões (limitação de motor e manipulação dos tempos aferidos), e todas as vezes que Ron Dennis foi questionado sobre isto e sobre o porquê de não oferecer uma vaga para Byrne, divergiu e respondeu que “ele era naturalmente rápido, mas faltavam alguns ingredientes, como a determinação férrea, o foco e a ambição que formam um campeão”. Para um time que anos depois fechou com Michael Andretti, essa história me parece um tanto mal contada. O que se comenta nas garagens é que Ron não daria o seu carro para um beberrão inconsequente e ainda por cima irlandês nem que ele fosse a reencarnação de Bruce McLaren.
Porém essa foi a gota d’água para o impaciente Byrne, que resolveu largar a Fórmula 1 e foi para os Estados Unidos correr na American Racing Series (e, conta-se, fazia dinheiro mesmo é em corridas clandestinas no México).
E é por isto que agora, quando começarem de novo a velha briga sobre o maior de todos os tempos, se você quiser encerrá-la rápido basta dizer: “o melhor de todos foi Tommy Byrne, e ponto final”.
FORA DAS PISTAS
Seis de maio marca os aniversários de Orson Welles, um dos maiores cineastas da história, da abertura da Torre Eiffel ao público, da inauguração do Eurotunel e do desastre com o Hindenburg.
Foi também nesta data, em 1965, que num quarto de hotel da Flórida Mick Jagger e Keith Richards botaram forma ao riff inicial de (I Can’t Get No) Satisfaction, um dos maiores antídotos para os earworms que insistem em nos atacar.