François era filho de um joalheiro de Paris que chegou ainda criança à cidade, fugindo da Rússia czarista. Seu nome era Charles Goldenberg, e a ascendência judia o fez juntar-se à Resistência Francesa para lutar contra os nazistas na Segunda Guerra. Para não fazer seus quatro filhos passarem pelos perrengues que passou, resolveu registrá-los com o sobrenome da sua esposa, Huguette Cevert.
Nascido em 25 de fevereiro de 1944 na capital Francesa, Albert François Cevert era, como diz a música das Velhas Virgens, um homem lindo. Considerado por muitos como o mais belo piloto de todos os tempos (e para alguns o mais bonito do mundo), o moreno, alto bonito e sensual e de olhos azuis colecionava namoradas por onde passava, incluindo Brigitte Bardot e, diz a lenda, uma tórrida noite no Brasil com a Rogéria (a música não tá aqui à toa).
Começou a competir por brincadeira, participando de corridas de rua com a Vespa de sua mãe aos 16 anos e logo indo para as competições de motociclismo. Mas decidiu que, após servir o exército, tentaria os carros, inscrevendo-se na escola de pilotagem de Le Mans, passando depois para a de Magny-Cours.
Aos 22 anos participou de um concurso nacional patrocinado pela Shell, que premiava um piloto com uma bolsa de 1 milhão de francos para que investisse na própria carreira (mimimi, piloto pagante, etc). Cevert venceu um patrício que também bateu ponto na F1 nos anos 70, Patrick Depailler – que acabaria substituindo François na Tyrrell em 1974.
Com a grana, o galã tinha duas opções para estrear na Fórmula 3: a italiana Tecno e a francesa Alpine. Resolveu escolher a equipe caseira (patriota, Cevert corria com um casco pintado com as cores da bandeira francesa) mas não deu-se muito bem. O carro se rendia facilmente nas pistas, e foram dezesseis abandonos na sua primeira temporada.
Errar é humano, mas Cevert não era burro: em 1968 foi para a Tecno e venceu o campeonato, derrotando Jean-Pierre Jabouille e gabaritando-se para a vaga da equipe na Fórmula 2 europeia. Mesmo não tendo um bom ano, ele tinha um trunfo: o cunhado.
Sua irmã Jacqueline era casada com o piloto da Matra Jean-Pierre Beltoise. O JP foi fundamental para influenciar Ken Tyrrell a escolher Cevert para resolver um probleminha em 1970. Sua equipe tinha dois pilotos, Jack Stewart e um cara que eu nunca ouvi falar, um tal de Johnny Servoz-Gavin. Mesmo com o nome de whisky, Johnny era francês e desistiu da carreira (?) depois do GP de Mônaco. A Tyrrell tinha uma vaga sobrando, a Elf que a patrocinava queria alguém de casa e Beltoise bateu um papo com o tio Ken. Cevert estava dentro.
“Jack Stewart me deu toda a educação que eu precisava nas pistas”, disse Cevert em um a entrevista. “Eu guiava feito um maluco, virando o volante para todos os lados, e Jack me ensinou como ser um piloto”. O francês chamava Jackie de “Le Patron” e fazia tudo o que ele dizia para fazer. Tornaram-se bons amigos.
François estreou em um Grande Prêmio triste: O GP da Holanda de 1970 era o primeiro sem Bruce McLaren, falecido menos de uma semana antes, e ainda marcou o acidente cinematográfico que ceifou a vida de Piers de Courage, o último gentleman da F1 e primeiro piloto da Williams (já falamos dele em um artigo lá no Podcast F1 Brasil). Se você for supersticioso, dá até pra dizer que não seria prudente começar uma carreira desse jeito. De qualquer forma, o calouro largou em um bom 15º lugar no grid e abandonou na volta 31, quando uma roda do March 701 soltou-se.
Querem continuar com essa história de azar? Pois bem, os primeiros pontos vieram na sua sexta corrida, o GP da Itália – o mesmo em que perdíamos Jochen Rindt enquanto eram realizados os treinos.
O ano seguinte foi o de consolidação: com o melhor carro em 1971, Cevert fez o que se esperava e foi o escudeiro perfeito para o título de seu mentor escocês. Foram quatro pódios, incluindo aí dois em dobradinhas, um espetacular terceiro posto em Monza e a primeira vitória, em Watkins Glen (gato preto passando por baixo da escada agora). Apenas Maurice Trintignant, em 1954 e 1958, tinha feito a Marselhesa tocar na cerimônia do pódio antes. Cevert tornou-se herói do automobilismo nacional, e seu terceiro lugar no campeonato foi comemorado na Champs Elysèes.
Apesar disso, a vida não foi fácil em 72: Fittipaldi e a Lotus voltaram a incomodar, a Tyrrell não estava lá essas coisas em termos de confiabilidade e ele ainda era o segundo piloto da equipe. Foram apenas dois pódios no ano. Na F1, é claro, pois em Le Mans, a bordo de um Matra-Simca, ele e o neozelandês James Ganley ficaram atrás apenas dos monstros Graham Hill e Henri Pescarolo.
A briga ainda era com a Lotus em 73; Emerson faria dupla com Ronnie Peterson, e Cevert sabia que tinha que ir bem para assumir a equipe no ano seguinte pois, com 34 anos, Stewart já falava em aposentar-se. Na abertura do campeonato quase conseguiu sua segunda vitória, tendo sido ultrapassado por Fittipaldi na 85ª volta. Também amealhou dois segundos lugares na Espanha e na Bélgica, ficando frequentemente nos pontos e sendo peça chave para a Tyrrell na disputa do título de construtores. E, como um perfeito escudeiro, foi fundamental para o título de Stewart no GP da Itália. Após um furo de pneu e de ficar uma volta atrás do pelotão da frente, Jackie remou até chegar no companheiro de equipe, que cedeu a posição e garantiu os pontos necessários para que o título fosse de seu bom amigo (marmelada!, gritariam hoje. Imagine se fossem da Ferrari).
Faltavam apenas mais duas provas, e Stewart já anunciara sua decisão de parar após o GP dos EUA. A vez de Cevert finalmente chegara.
A última prova como piloto B seria no mesmo Watkins Glen que lhe dera a única vitória até então. Ele sabia que, se estivesse em segundo lugar atrás da outra Tyrrell, Stewart lhe retribuiria o favor. Nos treinos de sábado, em 06 de outubro, entrou com seu carro número 6 com motor Cosworth 66 (hein? hein?) na pista para melhorar o quarto melhor tempo que havia conseguido no dia anterior.
Ken Tyrrell estava na beira da pista cronometrando o tempo de seu piloto, mas ele estava demorando demais. De repente, uma bandeira vermelha começa a ser agitada, e os pilotos aparecem não em volta lançada, mas lentamente a caminho dos boxes. Todos já sabiam o que isso significava, e começaram a conferir os carros que retornavam. Faltava um: a Tyrrell de Cevert.
Era um “S” em subida, que alguns pilotos faziam liso em quinta marcha. O francês preferia reduzir para quarta e contornar acelerando ao máximo, para sair tracionado, porém uma irregularidade na pista jogou seu carro em direção ao guard-rail a 250 km por hora. Com o impacto, ele foi arremessado de volta ao traçado, porém de cabeça para baixo, e pousou sobre o guard-rail do lado oposto, arrastando-se por vários metros. Sem nada para protegê-lo (não havia Halo naqueles tempos), Cevert teve o corpo partido ao meio e morreu instantaneamente.
Isto determinou o fim da carreira de Jackie Stewart. Em estado de choque, ele saiu do carro, caminhou em direção à sua esposa fazendo gestos desolados e disse que abandonaria as pistas naquele mesmo momento. As mãos de Helen derrubaram a tabela de tempos e o cronômetro e ela começou a soluçar, abraçada ao marido. Todos os olhares pousaram sobre uma BRM parada onde o piloto estava imóvel dentro do carro. Ken Tyrrell foi até lá, ajudou-o a sair e o levou ao trailer. Então Jean-Pierre Beltoise pegou o telefone e ligou para sua esposa em Paris, para avisar-lhe que seu irmão tinha morrido.
Não foram apenas Stewart e Beltoise que ficaram abalados. “Foi um dos momentos mais tristes da minha carreira”, disse em entrevista Emerson Fittipaldi. José Carlos Pace, que era o aniversariante do dia, caiu num choro incontrolável, encostado no guard-rail em frente aos boxes. Ronnie Peterson, grande amigo de Cevert e companheiro de baladas, entrou nos boxes, tirou o capacete e a balaclava e sentou-se, atônito, chorando. Um jornalista perguntou como estavam as coisas no local do acidente, e ele desviou a cabeça para o outro lado. No dia seguinte, após vencer a corrida, disse em reportagem: “Essa foi a pior corrida que eu disputei. Não senti nenhum prazer nessa vitória”.
Em seus poucos 29 anos François Cevert, com bom humor, humildade e talento trouxe à Fórmula 1 o glamour e a esperança de tempos melhores.
lll FORA DAS PISTAS
Nasceram no mesmo dia o atual presidente da FIA Jean Todt, o guitarrista do Bad Religion Brian Baker e o mestre George Harrison, o melhor músico dos Beatles e um gigantesco cabeça de gasolina. Não sei vocês, mas eu fiquei mal após escrever este texto triste sobre Cevert, então acho que uma boa maneira de recuperar o otimismo é com uma composição de George. Fiquem com Here Comes The Sun.
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.
Cevèrt é uma história clássica daquela F1 que apesar de apaixonante, alimentou muitos sádicos. Que tristeza.
Azarado nada… pra mim ele foi tão capacho quanto o Barrichello… era capacho do Jackie Stewart na Tyrrell… mas Cevert era francês, pegava todas as minas, e tal… então ele era gente boa… o Barrichello ganhou a pecha de bosta por causa da capachice dele porque era brasileiro e brasileiro não aceita que seus pilotos sejam capachos… só isso..