O Bahrein é um país pequeno. Na verdade, um amontoado de ilhas (seu nome deriva do árabe bahr, que significa “mar”) que, unidas, formam um reino que em extensão é o menor do Oriente Médio. De fato, dentro do continente asiático só ganha em extensão das ilhas Maldivas e de Cingapura. Tem menos habitantes do que Curitiba, e cerca de metade não nasceram lá. Só que a movimentação humana por aqueles lados remonta a no mínimo 5.000 anos atrás, na Idade do Bronze. Seus habitantes estavam entre os primeiros convertidos ao islamismo, mesmo tendo passado por um período de ocupação cristã portuguesa entre 1521 e 1602. Lá pelo fim do século 19 a nação se tornou um protetorado britânico, e a independência como estado soberano é bem recente, de 1971. Conhecidos pescadores de pérolas, surfaram na onda do petróleo fácil mas souberam se desprender da dependência do ouro negro e investiram pesado no turismo e no setor bancário.
Ao contrário da Terra, o Bahrein é plano. O ponto mais alto de todas as suas 84 ilhas tem incríveis 134 metros. O clima é quente e desértico, sua água é salobra e lá chove, em média, 10 dias por ano; os barenitas tem um dístico que proclama que “chuva é bênção”. Apesar de ser considerado um dos países árabes com maior abertura ao mundo ocidental – outras religiões são toleradas, o homossexualismo não é considerado crime, e o consumo de bebidas alcoólicas não é proibido pelo estado – ainda existem muitas queixas de violações aos direitos humanos, e em 2011 protestos impediram a Fórmula 1 de realizar sua corrida anual lá.
Sim, porque no meio do deserto também tem F1. Após reunir o fragmentado orçamento europeu da categoria (a FIA deixava as confederações de cada país responsáveis pelos GPs até não muito tempo atrás), e consolidar o poder da mídia através de sua FOM, Bernie Ecclestone voltou seus olhos para o dinheiro e correu convencer os árabes. Após firmar um acordo com a família real em 2002, o então todo-poderoso chefão entregou a Hermann Tilke a missão de construir uma pista de corridas no Bahrein. Em apenas 16 meses o autódromo de Sakhir estava pronto, a um custo de 150 milhões de dólares, e pela primeira vez iríamos ver a categoria mãe do automobilismo no Oriente Médio.
A corrida inaugural aconteceu há exatos 15 anos, em 04/04/2004, e sobre ela não há exatamente muito que se contar. Terceira prova do campeonato, que já se prenunciava novamente vermelho, marcou mais uma dobradinha da Ferrari desde o sábado, quando Schumacher e Barrichello assumiram a primeira fila. A esperança dos competidores (mais notadamente as Williams de Montoya e Ralf Schumacher, terceiro e quarto no grid) era o clima: com temperatura de pista acima dos 50 graus, os pneus Michelin tinham uma pequena vantagem sobre os Bridgestone da Scuderia, e durante a prova isso poderia fazer a diferença. Mas o time italiano se juntou aos locais para abençoar a chuva que, improvavelmente, deu as caras no domingo. Não muita água, mas um chove-e-para intermitente que baixou a temperatura ambiente para “meros” 30 graus e poupou os calçados do time de Maranello. Largando muito bem e tendo o brasileiro como escudeiro, o então hexacampeão alemão passeou até receber a sua terceira bandeirada consecutiva como vencedor no ano, encaminhando o sétimo título. Ralph teve um entrevero com a BAR de Takuma Sato e só conseguiu uma sétima posição, enquanto Juan Pablo foi ainda pior quando seu câmbio abriu o bico no final da corrida, fazendo-o se arrastar até a linha de chegada fora dos pontos. Quem aproveitou foi a outra BAR de Jenson Button, que ganhou o lugar mais baixo do pódio. Três carros abandonaram, a Minardi de Zsolt Baumgartner e as duas McLaren Mercedes de Coulthard e Raikkonen, o que é surpreendente visto que foi nesse time que o braço de investimentos governamentais resolveu colocar dinheiro. Sim, hoje o GP do Bahrein é considerado como uma “corrida caseira” da McLaren, pois parte do time pertence ao fundo Mumtalakat Holdings, que o Papaya Orange Will Mesquita chama de “Boom Shack-A-Lack”, piada que só faz sentido para quem lembra bem dessa primeira prova nas areias do deserto.
lll FORA DAS PISTAS
A velocidade encontrou a Arábia na mesma data em que a Microsoft foi fundada por Bill Gates e Paul Allen, e que marca os aniversários do eterno Norman Bates Anthony Perkins, do poeta e cantor brasileiro Cazuza e do Iron Man Robert Downey Jr.
E Gary Moore, um dos maiores guitarristas da história, também nasceu em um 04 de abril. Eu poderia ser óbvio e terminar o dia com Still Got the Blues, ou fazer todos vocês chorarem com Parisienne Walkways, mas vou fazer ainda melhor e deixar vocês com essa obra-prima da banda irlandesa Thin Lizzy composta por Moore e singelamente chamada de Black Rose.
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.