Somos cabeças de gasolina. Gostamos de automobilismo, de velocidade, manobras perfeitamente executadas, estratégias de equipe, disputas na pista e nos bastidores. Não nos importamos com o lugar onde um piloto nasceu, apenas se ele é realmente apaixonado pelo que faz, e se faz isso de uma maneira que nos provoca uma sensação estranha, como se, só pelo fato de assistir a uma ultrapassagem ousada ou uma defesa ferrenha de posição, tivéssemos um pouco de responsabilidade sobre isto.
Mas somos brasileiros.
E, só por isso, vou “ignorar” as ótimas possibilidades de pauta que teria e a grande coincidência do 27 de agosto ser o dia do nascimento de Derek Warwick (1954), Gerhard Berger (1959), Mark Webber (1976) e a promessa Sergey Sirotkin (1995), além de marcar a data da conquista do título de 1967 pela Brabham, no Canadá e de 1978 pela Lotus, na Holanda, para falar no GP mais recente acontecido neste dia até a etapa da Bélgica deste ano. Vamos falar sobre o Grande Prêmio da Turquia e de como Felipe Massa se tornou o sexto brasileiro a vencer uma corrida de Fórmula 1.
A temporada de 2006 vinha pegando fogo. Dez pontos separavam Alonso de Schumacher, e a diferença entre a Renault e a Ferrari no campeonato de construtores era ainda menor, de apenas 7 pontos. Massa, em seu primeiro ano na Scuderia, vinha fazendo um ótimo trabalho e estava em terceiro no campeonato, 3 pontos à frente de Fisichella.
A corrida anterior, na Hungria, tinha sido daquelas malucas, culminando com abandonos dos dois principais pilotos e a primeira vitória de Button. Com isso, ao chegar para a décima-quarta etapa, os ponteiros do campeonato só pensavam em uma vitória.
Seria a segunda vez que a Fórmula 1 desembarcaria em Istambul. O circuito preferido de Bernie Ecclestone é percorrido no sentido anti-horário, como em Interlagos, e pode ser considerado um Tilkódromo de sucesso, com 14 curvas quase desonestas, uma das quais recebeu o apelido de Diabólica, em menção à famosa Parabólica de Monza. Foi um final de semana de sol e calor, que viu a estreia de um garoto chamado Sebastian Vettel testando a BMW Sauber na sexta-feira.
Durante o classificatório, Schumacher conseguiu um impressionante tempo de 1:25.850 no Q2, simplesmente um segundo mais rápido do que qualquer um. Parecia que estávamos nos encaminhando para um final de semana de dominância alemã, mas já na parte final do quali o heptacampeão começou a perder a chance de sair da Turquia com um final de semana perfeito. Errando duas vezes na tomada da curva 1, não conseguiu mais do que um segundo lugar no grid. O pole? Seu companheiro de equipe.
A primeira pole position da história de Felipe Massa foi muito comemorada entre os mecânicos, porém com as duas Renault fazendo a segunda fila com Alonso e Fisichella todos esperavam uma troca rápida de posições entre os carros italianos.
Na largada, preocupados com o espanhol, os dois pilotos da Ferrari fizeram um “três cantos” e conseguiram manter o 1-2 do grid na primeira curva. Alonso também passou liso, porém o Físico levou a pior e, tentando não colidir com os carros da frente (quem bate atrás está sempre errado, dizem), acabou rodando e provocando o caos entre a galera coadjuvante. Em um efeito dominó, Christian Klien travou os freios, empurrando Kimi Raikkonen para fora da pista, onde já estava Scott Speed. Enquanto isso Nick Heidfeld chegava na confusão bem a tempo de perder a asa dianteira, enquanto Ralf Schumacher também rodava e Tiago Monteiro ficava sem nenhum pedacinho de pista livre de outros carros por onde passar. Uma bagunça desgraçada, mas não o suficiente para neutralizar a corrida.
Os espectadores viram tudo isso no replay, porque os protagonistas do espetáculo já estavam lá na frente. Fazendo voltas muito rápidas, o que sugeria uma estratégia de largada com pouco combustível, Felipe mantinha a dianteira. Schumacher vinha logo atrás, e ambos já abriam uma pequena vantagem sobre Alonso. Com mais café no bule combustível no tanque, o alemão tinha a tranquilidade de saber que, se não conseguisse a dianteira no overcut o rádio lhe daria uma mãozinha. Só não contava com Liuzzi.
O italiano da STR tentou se defender de um ataque da Toyota de Jarno Trulli e foi parar entalado na beira da pista. Como seu carro não ia para frente, nem para trás e nem fazia piuí, o Safety Car foi chamado. E nessa Felipe ganhou o direito de vencer a prova.
Todo mundo correu para os boxes, mas enquanto Alonso tinha os mecânicos só para ele, Schumacher precisou esperar a italianada trabalhar primeiro no carro de Massa, sofrendo o que é conhecido como “stack”, ou empilhamento. Esses segundo perdidos foram suficientes para colocar Alonso entre as duas Ferrari, em segundo lugar.
Os três começaram um jogo de gato e rato onde o brasileiro tinha a posição mais confortável, pois a Renault não podia atacar muito a Rossa da frente sem deixar de se defender da que vinha atrás. Schumacher, sabendo que terminar depois de Alonso não lhe faria nenhum bem no campeonato, pressionou até cometer outro erro no final de semana, espalhando bastante na curva 8 (a tal da Diabólica), passeando lá por fora da pista e voltando com dificuldade. Isso o deixou a quatro segundos do espanhol, diferença que faria falta no fim da corrida.
Dez voltas depois, hora de mais uma janela de pits. Enquanto Massa e Alonso entravam na mesma volta, Michael ficava na pista para aproveitar seu mojo: foram três voltas em ritmo de classificação antes de fazer sua segunda parada. Ao sair dos boxes, encontrou a traseira de Alonso, e os próximos quinze giros no circuito seriam de pura expectativa. Colado na caixa de câmbio do adversário, em uma pista que tinha vários pontos de ultrapassagem, Schumacher deve ter reconhecido por que estava lidando com o atual campeão do mundo. Fernando se defendeu bravamente, ganhando tempo enquanto girava e chegava mais próximo à quadriculada.
Felipe, como bom funcionário novo na firma, mantinha a liderança mas não forçava para se afastar dos brigões ali atrás. Ele sabia que, se seu companheiro conseguisse a ultrapassagem, ele receberia uma ligação do chefe Jean Todt. Mas o rádio permaneceu mudo. Fernando Alonso não perdeu a concentração, e mesmo fazendo a última curva com Schumacher praticamente transformado em um apêndice da Renault, conseguiu terminar a corrida 0,081 segundos antes do rival. Ficou feliz, claro, mas com certeza não mais que Felipe Massa, que comemorava dentro de seu carro, nem do que todos nós, brasileiros amantes da velocidade, que ouvíamos novamente o Tema da Vitória.
| FORA DAS PISTAS
Alguns desastres e tragédias aconteceram em 27 de agosto. Em 1883, a erupção do vulcão Krakatoa na Indonésia destruiu mais de 70% da ilha onde ele estava, jogou mais de 20 milhões de toneladas de enxofre na atmosfera, causando a diminuição de 1,2° C na temperatura média do planeta por cinco anos, provocou tsunamis e atividades sísmicas que persistiram até fevereiro do ano seguinte, foi ouvida em Perth, na Austrália (a 3.000 km de distância) e matou mais de 36 mil pessoas.
Em 1967 nos deixava Brian Epstein, o genial produtor musical que descobriu uns caras tocando no Cavern Club em Liverpool e os transformou nos Beatles. Sua morte foi o catalizador do fim da banda, e em 1997 Paul McCartney disse que, se houve um 5º Beatle, foi ele. E em ano incerto nasceu Thiago Raposo, certamente o ser vivo que mais acompanha automobilismo na história do universo.
Para finalizar com uma bela dica, vamos aproveitar o aniversário de Aaron Paul, um dos protagonistas daquela que é a segunda melhor série de todos os tempos de acordo com pesquisas de minha própria opinião. Seu Jesse Pinkman começou quase que como um escada / alívio cômico para o Walter White de Bryan Cranston, porém cresceu de maneira assombrosa tornando-se peça fundamental na história.
Yo, bitch.
Yo, Bitch!