A Fórmula 1 chegava ao templo de Interlagos com um clima especial e apreensivo pairando o Paddock. Ao olho destreinado, a corrida era banal uma vez que a frieza dos números nos mostrava que já estava tudo resolvido. O domínio de Vettel e Red Bull foi tamanho no 2º semestre que ambos foram campeões ainda na Índia, com três etapas de antecedência. Todavia, sabemos que a essência da categoria não está em meras vitórias e taças, mas sim nos acontecimentos únicos que uma etapa pode nos trazer, e esse fato contribuía para que diversos elementos tornassem cada uma das 71 voltas do GP Brasil de 2013 ainda mais especiais.
A primeira aparição das nunca convidadas, mas sempre presentes, lágrimas ocorreu antes mesmo dos carros alinharem no grid. Após oito anos, onze vitórias, um vice-campeonato e uma quase ressurreição à bordo da Ferrari, Felipe Massa se encaminhava para sua última corrida no bólido vermelho antes de partir para a Williams em 2014. Enquanto deixava a garagem, todos os mecânicos da Escuderia se alinharam e formaram um corredor para aplaudir e agradecer o brasileiro por todo o sucesso alcançado durante quase uma década. Uma cena inédita e tocante, com um toque de destino por ser na terra natal do piloto brasileiro. Era o começo da primeira despedida do dia.
Felipe largava apenas em 9º, mas em 4º um outro piloto também dava seu adeus, só que no caso de Mark Webber, era o ultimo GP de Fórmula 1 de sua carreira. No mesmo circuito em que havia sofrido um dos acidentes mais graves da história recente da categoria, o australiano colocava um ponto final em uma história linda de sucesso, a qual contou com 12 temporadas, 215 largadas, 12 pódios e 9 vitórias. Um nome respeitado e um duro rival nas pistas. A corrida derradeira de Webber na F1 marcava a segunda despedida do dia.
Por fim, a terceira seria perceptível durante toda a corrida, mas especialmente notada quando as cinco luzes vermelhas se apagassem para a largada, afinal, essa mesma corrida também foi a ultima dos motores V8 aspirados, os quais seriam substituídos pelos V6 híbridos que levantavam diversas dúvidas para 2014. Após 8 anos de oito cilindros gritando pelas retas ao redor do mundo, a Fórmula 1 dava um passo em direção ao desconhecido, nos fazendo aproveitar cada segundo do último ato dos antigos motores na categoria.
Na ponta, Vettel garantiu a pole com 0.6s de folga e corria em busca de reescrever história. Uma vitória em Interlagos representaria sua 9ª consecutiva e a 13ª no ano, marcas que igualariam recordes de Alberto Ascari entre 1952 e 1953 e Michael Schumacher em 2004, respectivamente. Em uma corrida que números apontariam para o banal, o lado humano e esportivo nos fazia pular no lustre antes mesmo da largada, aguardando o que os deuses do automobilismo haviam reservado para a tarde nublada de São Paulo no dia 24 de Novembro de 2013.
Enfim as luzes se apagaram e os 22 motores gritaram pela reta de Interlagos. Rosberg mergulhou na ponta logo na curva 1, provando que não facilitaria a vida de Sebastian Vettel em um dia possivelmente histórico. Um pouco mais atrás, Massa provou mais uma vez sua expertise em largadas e saltou de 9º para 6º, quase ultrapassando Mark Webber, que mesmo em sua última aparição da carreira, ainda deixava claro sua falta de intimidade com começos de prova na F1. Vettel reestabeleceu o equilíbrio das forças já no final da volta 1, ao superar Nico pela ponta enquanto Alonso roubava a 3ª posição de Hamilton logo atrás, Webber ainda aproveitaria a carona e empurraria o britânico para 5º no miolo. A performance inferior da equipe alemã ficava cada vez mais clara. Na volta 10, os carros que outrora ocupavam dois degraus do pódio, agora brigavam entre si com unhas e dentes pela 4ª posição, enquanto a Ferrari de Felipe Massa crescia cada vez mais em seus retrovisores.
Mesmo com todo a dedicação defensiva de Fernando Alonso, a volta 13 foi aberta com a ultrapassagem de Webber sobre o espanhol na reta principal, estabelecendo a dobradinha da Red Bull na ponta. Duas voltas depois, Massa finalmente foi capaz de superar a primeira Mercedes, mas a ameaça mais presente de chuva deixava a situação da corrida ainda mais incerta. Na ponta, Vettel reinava soberano, sendo agora acompanhado pelo seu companheiro de equipe na segunda posição. Massa foi o primeiro dos ponteiros a parar, calçando novamente os médios para buscar o undercut na Mercedes de Hamilton. Na volta seguinte foi a vez de Alonso passar pelos boxes, antecipando sua parada com o intuito de saltar Mark Webber. A estratégia das duas Ferraris foi efetiva, e com todos os ponteiros tendo uma passagem pelos pits na conta, Vettel liderava, seguido por Alonso, Webber, Massa, Hamilton e Rosberg após a volta 25. Esse equilíbrio durou pouco, uma vez que o australiano superou a Ferrari na volta seguinte, o que posicionou o pelotão de uma maneira, no mínimo, irônica.
Para contextualizar perfeitamente essa situação, precisamos voltar para a quinta-feira. Devido a despedida do brasileiro e com o campeonato decidido, Alonso afirmou que cederia um pódio caso pudesse ajudar Massa a deixar a Ferrari em grande estilo. Uma verdadeira inversão de papéis e um capricho do destino caso a manobra realmente acontecesse. Voltamos agora para o domingo. Com a ultrapassagem de Webber, Alonso era 3º e Massa era 4º, entretanto o brasileiro ainda estava um pouco distante, além de estar sofrendo uma pressão fortíssima de Lewis Hamilton. Mesmo que uma tempestade perfeita parecesse se formar para levar Massa ao pódio, o Sobrenatural de Almeida ainda faria sua aparição rotineira para jogar um verdadeiro balde de água fria nos planos do piloto. Imerso na batalha contra a Mercedes cada vez mais próxima, Felipe acabou passando por dentro da linha branca de entrada dos boxes algumas vezes, o que gerou um drive-through que inviabilizou completamente sua possibilidade de pódio. Contrariado, Massa cruzou os boxes esbravejando e contestando a decisão da FIA, contudo, regras são regras.
Vettel seguia dominando a prova, mantendo uma vantagem confortável para Webber, que também controlava o impeto de Fernando Alonso com facilidade. Mesmo com uma ameaça constante de chuva, a corrida foi entrando em seu estágio de contagem regressiva, uma vez que estávamos cada vez mais perto de ver dois recordes quase imbatíveis serem igualados e um piloto se despedindo com um pódio mais do que merecido. Hamilton e Bottas ainda se chocaram no final da reta oposta, mas nada seria capaz de tirar o foco das histórias emocionantes que se escreviam na ponta.
Com pouco mais de 10 voltas para o final, a chuva decidiu apertar um pouco mais em Interlagos. Todavia, o que em um primeiro momento pareceu uma ameaça, apenas tornou o final da prova ainda mais poético. Vettel venceu, concretizando o que parecia ser improvável, quebrando recorde que já durava 60 anos e desafiando o conceito de impossível. Mesmo jovem, provou porque foi tetracampeão mundial tão rápido.
Na outra Red Bull, Mark Webber aproveitava seus ultimos giros na Fórmula 1, visivelmente emocionado na volta 71, o australiano decidiu esquecer qualquer tipo de protocolo e protagonizou uma das cenas mais emocionantes da história da F1. Tirando o capacete na volta de desaceleração, Webber percorreu seus ultimos metros na Fórmula 1 de cara para o vento, mostrando a essência da junção entre homem e máquina, que por vezes é esquecida devido a impessoalidade passada por tantos equipamentos envolvendo os pilotos.
O GP Brasil de 2013 serviu para nos mostrar que não dependemos de títulos para nos emocionarmos, não precisamos que vitórias e batalhas incessantes pela ponta para termos uma corrida histórica. A Fórmula 1 é acima de tudo humana, e o enredo cinematográfico montado por todos os personagens envolvidos compõem esse esporte que sempre encontra maneiras diferentes de nos fazer vibrar, gritar e chorar.