Quem acompanha o universo esportivo sabe que o automobilismo, em particular é um dos menos envolvidos com as causas sociais. Numa modalidade em que, geralmente, a maioria dos integrantes são homens brancos héteros, quem está fora desta “casta” tem um desafio a mais para conseguir se consolidar na carreira.
No entanto, desde os eventos ocorridos em 2020, especialmente o assassinato de George Floyd, o movimento de pilotos em prol de defesas de causas sociais cresceu diante do cenário da defesa de direitos das minorias perante as injustiças de uma sociedade cheia de preconceitos.
Porém, é preciso salientar que este movimento tem líderes que foram importantes para despertar os seus colegas a cooperar nesta luta. O papel de Lewis Hamilton na Europa tem sido essencial, pois é a voz mais ativa dentro da Fórmula 1 e do automobilismo na Europa. Já nos Estados Unidos, quem assumiu esta função foi Darrell Wallace Jr, também conhecido como Bubba Wallace, que disputa a NASCAR.
Apesar da semelhança no campo de atuação, há um fator que torna a tarefa de Bubba bem mais difícil que Lewis: o ambiente das competições que disputam. As competições de origem europeia, como a Fórmula 1, tem uma visão mais alheia às questões sociais, como se as coisas que ocorrem fora das pistas não conversassem com o que acontece dentro. Já a NASCAR tem sua origem na região sul dos Estados Unidos, cuja formação cultural traz um traço mais resistente para a diversidade.
Contextualizando: 11 estados do sul dos Estados Unidos se rebelaram com o governo de Abraham Lincoln em meados do século XIX, formando a República dos Confederados, pois não concordavam com medidas do governo estadunidense, principalmente a abolição da escravatura do país. Assim, deu-se início à Guerra da Secessão ou Guerra Civil Americana.
Mesmo com a derrota, uma parcela significativa da população sulista ainda segue saudando o grupo de Confederados e usa os seus símbolos. Alguns grupos mais radicais, como a seita Ku Klux Klan se originaram desses interesses e defendem até mesmo os ideais mais sombrios, como a segregação racial.
Avançando no tempo, a NASCAR teve origem justamente nesta região e muitas das pistas mais tradicionais são de estados do sul. Desta forma, a base de fãs da categoria possui um grande grupo de pessoas que tem um pensamento mais conservador e são contrários à movimentos de igualdade social.
A categoria, por muitos anos, foi conivente com manifestações de grupos supremacistas, particularmente com a bandeira confederada. No entanto, com o passar dos anos, os dirigentes da modalidade entenderam que tais discursos iam de encontro ao pensamento dos anos mais recente, embora ações mais efetivas passaram a ser tomadas apenas nos últimos anos.
A primeira iniciativa desta natureza foi a promoção para que pilotos de minorias pudessem disputar os campeonatos nacionais e conseguirem se consolidar no grid. Pilotos como Kyle Larson (que ironicamente acabou suspenso por comentário racista), Daniel Suárez e o próprio Bubba Wallace foram contemplados por este programa e tiveram a oportunidade de progredir na hierarquia da NASCAR.
No entanto, algo mais precisava ser feito. Com a explosão dos protestos após a morte de George Floyd, os atletas e as entidades esportivas passaram a assumir o papel de voz ativa na defesa das minorias. A principal medida da categoria foi o banimento do uso da bandeira confederada, que é utilizada como um símbolo racista. A medida provocou irritação em uma quantia razoável de fãs da NASCAR, pela quebra de paradigma, mas muitos torcedores apoiaram a medida.
Dentre os responsáveis pelo espetáculo, quase a maioria apoiou a mudança. Além disso, os pilotos tem sido bastante ativos na cobrança pelos direitos pelas minorias. Obviamente, quem liderou este papel foi Bubba Wallace, se mostrando o mais ativo na causa.
Afinal, a própria trajetória de Bubba, mesmo com o apoio de um programa da NASCAR não foi nada fácil: o piloto passou por dissabores, como perda de patrocínios e até um quadro de depressão no ano passado. Contudo, Wallace se estabeleceu no grid e, embora esteja em uma equipe menor, a Richard Petty Motorsport (time do heptacampeão Richard Petty, mas que anda no meio do pelotão há muitos anos) e tem feito uma temporada honesta em termos de resultados e desempenho.
E, com todos os acontecimentos deste ano, Bubba ficou em evidência, primeiro ao trazer a mensagem da #BlackLivesMatter em seu carro na etapa de Martinsville. Semanas depois, veio todo apoio para o piloto na prova de Talladega após o incidente com um suposto laço de forca que estava nos boxes de sua equipe.
Independente das investigações darem conta que o tal laço estava lá desde outubro e que foi um grande mal-entendido, ficou uma mensagem bem clara: os tempos de preconceito e apologia à símbolos que remetem ao racismo ficaram no passado. Para quem já negou uma vitória categórica a Wendell Scott, primeiro piloto negro da NASCAR, lá nos anos 1960, o momento é de mostrar que a modalidade pode evoluir para melhor e que os primeiros passos foram dados.
A NASCAR percebeu que algumas práticas e tradições do passado devem ser esquecidas e que a categoria precisa abraçar o novo. E ter uma referência para este momento é fundamental. Por isso, a presença de Bubba é essencial para esta nova era, porque uma revolução nos costumes precisa de uma liderança, e Wallace é o nome do momento para assumir esta posição, para uma categoria acessível a todos na sociedade.