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OPINIÃO – Tratores na pista e a baixa visibilidade não intimidam a categoria como antes

Agora que a morte de Jules Bianchi parece mais distante e a segurança dos carros evoluiu, acreditam que novos acidentes nas mesmas proporções não vão acontecer

A sensação é que a FIA e a direção de prova estão pagando para ver um novo desastre na pista, principalmente quando priorizam o espetáculo e vão se afastando das suas regras, mas principalmente do ‘bom senso’.

O acidente de Jules Bianchi em Suzuka em 2014 parece já muito distante e a tecnologia dos carros e a segurança que foi aperfeiçoada nestes últimos anos dá a falsa sensação de que novos acidentes não vão acontecer. Porém, quem ainda entra nestes carros para guiar à mais de 300 km/h não deixa de se lembrar.

Tivemos acidentes impressionantes nos últimos anos, mas os pilotos geralmente deixam seus carros sozinhos ou pouco tempo depois estão desfilando no paddock como se nada tivesse acontecido. O acidente de Romain Grosjean ou o de Mick Schumacher e Zhou Guanyu estão aí para provar que é um grande momento para a categoria, mas falhas podem e devem ser evitadas.

“*****. Como isso aconteceu!? Perdemos uma vida nesta situação anos atrás. Arriscamos nossas vidas especialmente em condições como está. Queremos corrida. Mas isso… Inacreditável”, disse Lando Norris.

O piloto britânico da McLaren fez esse twitte se referindo aos dois tratores que entraram em pista durante a segunda volta, quando os carros ainda estavam pelo traçado e o Safety Car tinha sido direcionado para comboiar os carros, antes da bandeira vermelha ser acionada.

O início do GP do Japão ocorreu de forma caótica, onde Carlos Sainz perdeu o carro e escapou da pista, enquanto o carro de Pierre Gasly foi atingido por uma placa de propaganda; Sebastian Vettel rodou em um toque com Fernando Alonso e Alexander Albon abandonou a prova por conta de um problema no motor.

O acidente de Sainz poderia ter tomado proporções maiores, o piloto perdeu o controle do carro depois de uma aquaplanagem, virou passageiro e seguiu direto para o muro de contenção. Com a pouca visibilidade gerada pelo Spray na pista, o piloto poderia ser atingido por outro carro.

Gasly seguiu para o pit-lane imediatamente após a primeira volta, o piloto francês precisou recorrer aos boxes para se livrar da placa que estava agarrada ao seu carro e fazer a troca da sua asa dianteira. Quando o francês retornou ao traçado se deparou com os tratores na pista e foi enfático com a besteira que estava de certa forma se repetindo no traçado.

“O que?? O que? O que é esse trator? O que é esse trator na pista? Passei ao lado dele… Isso é inaceitável. O que acabou de acontecer? Eu não posso acreditar nisso”, esbravejou Gasly pelo rádio.

Porém, a FIA resolveu investigar a situação, dando a entender que o problema maior não eram os tratores em pista, mas a possibilidade de Gasly ter violado a velocidade permitida quando a prova foi encaminhada para a bandeira vermelha.

“Alegação de violação do Artigo 57.2 do Regulamento Esportivo da Fórmula 1 – Excesso de velocidade em condições de bandeira vermelha (o carro atingiu a velocidade de até 250 km/h ao completar a volta sob bandeira vermelha após passar pelo local do incidente)”, informou a FIA no documento.

Por fim, novamente a FIA puniu a ‘vítima’, com o encerramento da prova o francês recebeu um Drive through que foi transformado em 20 segundos de punição, além de 2 pontos na superlicença válidos por um período de 12 meses.

Os comissários ouviram Gasly ao final da prova e usaram também as imagens geradas pelo vídeo e a telemetria para punir o piloto. No documento a FIA informa que: “Após passar pelo local do incidente, o carro 10 continuou em bandeira vermelha em velocidades que ultrapassaram os 200 km/h em várias ocasiões e que chegaram a 251 km/h em um ponto. O piloto admitiu que poderia que entendia que poderia ter fiscais ou obstáculos na pista e admitiu que ele estava rápido. No entanto, na aplicação da penalidade levamos em consideração que embora a velocidade possa por nenhuma medida ser considerada “lenta”, como exigido nos regulamentos, foi mais lento do que a velocidade máxima que poderia ser alcançada nestas condições. Nós também levamos em conta o choque que o piloto experimentou por ver os tratores no acostamento no incidente.”

Quem se lembra de toda a investigação gerada após o acidente de Jules Bianchi, também se recorda que a FIA informou em seu laudo que o piloto não teria reduzido o suficiente sob o período de bandeira amarela na pista molhada.

Não é a primeira vez que a FIA envia os tratores para a pista quando os carros ainda estão no traçado ou não recorrem a utilização da bandeira vermelha para a neutralização da prova e concluir uma limpeza de pista de forma adequada. Mesmo em pista seca acredito que a utilização do trator também precisa ser feita de forma prudente, mas em condições de pista molhada, sem dúvidas é necessário ter ainda mais cuidado. Com o traçado escorregadio, baixa aderência dos pneus, temperatura prejudicada dos compostos pela velocidade controlada – tudo precisa ser levado em consideração.

“Como podemos deixar claro que nunca mais queremos um guindaste na pista? Perdemos Jules por causa desse erro. O que aconteceu hoje é totalmente inacreditável!!! Espero que esta seja a última vez que vejo um guindaste na pista!”, afirmou Sergio Pérez em seu Twitter, se manifestando enquanto os pilotos aguardavam em Suzuka o reestabelecimento da prova. Outros competidores também se manifestaram sobre o problema dos tratores.

O GP da Itália de 2022 foi encerrado em Safety Car, pois a direção de prova optou por não encaminhar a corrida para um regime de bandeira vermelha. Daniel Ricciardo tinha abandonado a prova e parou o carro em uma posição na pista que levou muito tempo para a sua remoção, na ocasião o trator estava no traçado em um trecho de pouco espaço e onde os pilotos usavam para manter o aquecimento dos pneus.

Depois de todo o caso de Abu Dhabi, sinto que os novos diretos de prova estão cada vez ‘mais cheios de dedos’ para utilizar uma bandeira amarela ou encaminhar a sessão para uma bandeira vermelha. Além disso, também tenho observado praticamente uma evolução nesses procedimentos: primeiro uma bandeira amarela localizada, depois um Virtual Safety Car ou Safety Car e em último caso uma bandeira vermelha.

Sim, é necessário um tempo para análise do que está acontecendo na pista, mas a demora muitas vezes para tomar uma atitude, acaba prejudicando os competidores e em outras circunstâncias se mostra insegura. Mas conforme os anos foram passando, também sinto um ‘relaxamento’, principalmente que tem acontecido nos últimos dois anos. Inconformidade com as regras e com os procedimentos de pista, coisas que são extremamente delicadas e que atenção nunca deveria ser perdida.

No GP do Japão, com o risco de a prova não acontecer, parece que a direção de prova torcia por uma largada ‘controlada’, sem incidentes ou com a possibilidade de resolver as coisas rapidamente. Mas se realmente estivessem interessados dessa forma, a largada deveria ter acontecido como foi a relargada pós-bandeira vermelha: carros comboiados pelo Safety Car para espalhar a água da pista e depois seguir para uma largada lançada.

Também é possível ver como um erro, a direção de prova não ter obrigado todos os competidores a começar a corrida com os pneus de chuva extrema (faixa azul), eles acabam dispensando mais a água, mas o problema com a baixa visibilidade ainda seria o mesmo.

Os times se tiverem a possibilidade de evitar fazer uma parada adicional, certamente vão optar pelo mais difícil no começo, mas estão atentos ao ganho que terão. Como o pit-stop é o momento de maior risco em uma corrida, é natural que eles tentem evita-lo, principalmente em uma situação com chuva, onde a necessidade de usar dois tipos de pneus na prova é zerada.

Como se não bastasse, em mais um caso a ‘vítima’ precisa prestar esclarecimentos, pois a FIA não consegue compreender que o real problema foi a liberação dos tratores ao traçado em um momento que poderia ter gerado um acidente muito mais grave.

Carlos Sainz perdeu o controle do carro por conta de uma aquaplanagem e bateu no muro de contenção. Na largada os pilotos começaram a corrida com os pneus intermediários – Foto: reprodução F1

“Para maior entendimento, conforme discutido com os comissários, a penalidade foi dada por ir muito rápido entra a T14 e T15, que não é onde o trator estava, desacelerei, mas não o suficiente e assumo a culpa por isso”, informou Gasly em seu Twitter depois do encerramento da prova e aplicação da penalidade.

“Quando ao T12, eu estava respeitando o delta sob o SC (velocidade esperada durante o SC) se aproximando da T12, a bandeira vermelha foi exibida tarde demais para eu reagir e frear com segurança, com o trator e o fiscal bem na linha de corrida.”

Além dos tratores que estavam pelo traçado, um fiscal de pista na pista trabalhando na remoção do carro de Carlos Sainz.

É necessário levar em consideração que após incidentes assim, novos pilotos podem perder o controle dos seus carros, principalmente na passagem pelo mesmo ponto da pista. Desta forma é fácil entender o motivo dos outros competidores ficarem furiosos com o que aconteceu no Japão. Mesmo com os pilotos se arriscando em carros extremamente velozes, a segurança é a coisa mais importante e que vários competidores lutaram para ter um aperfeiçoamento dela ao longo dos anos.

Em um período de bandeira amarela os carros precisam reduzir a velocidade e se manter em um delta para o Safety Car, porém, essas velocidades ainda são altas. Além disso, é um pouco difícil em circunstâncias como as do GP do Japão, definir o que é a velocidade ideal no delta, quando tem várias coisas acontecendo e o fator da visibilidade também se torna mais uma questão.

A FIA informa que realizará uma revisão completa sobre como os tratores que fazem a remoção dos carros foram usados no GP do Japão, depois que os pilotos criticaram o ato.

“Embora seja uma prática normal recuperar os carros sob condições de Safety Car e bandeira vermelha, devido às circunstâncias particulares e também levando em consideração o feedback de vários pilotos, a FIA lançou uma revisão dos eventos evolvendo a implementação de tratores durante o Grande Prêmio do Japão”, informou a FIA na noite de domingo informou o The Race.

“Isso faz parte da prática comum de discussão e análise de todos os incidentes de corrida para garantir melhorias contínuas de processos e procedimentos.”

Ninguém quer ver o acidente de Jules Bianchi se repetindo, isso é um fato e como ele aconteceu há 8 anos, temos a falsa sensação de que ele não se repetirá. Mas com as últimas atitudes da direção de prova e pela falta de bom senso deles, não tem como fingir que as coisas estão saindo do controle e que eles mesmos estão criando cenários que podem levar à novos grandes acidentes.

Não é o primeiro texto criticando falhas, na verdade nos últimos meses foram várias ‘pérolas’ que a direção de prova vem colecionando, que no final das contas, muitas vezes a discussão sobre a corrida passa batida, pois existiram mais pontos negativos por conta da conduta dos envolvidos com o esporte.

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Debora Almeida

Jornalista, escrevo sobre automobilismo desde 2012. Como fotógrafa gosto de fazer fotos de corridas e explorar os detalhes deste mundo, dando uma outra abordagem nas minhas fotografias. Livros são a minha grande paixão, sempre estou com uma leitura em andamento. Devoro séries seja relacionada a velocidade ou ficção cientifica.

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