Quando li as notícias sobre a venda da Williams, sabia que não levaria muito tempo até que a família Williams deixasse o controle da equipe. Quem conhece minimamente o histórico de Frank e da própria equipe, sabe que seria praticamente impossível que ele dividisse a direção do time com “estranhos”.
Mas quem de nós poderia imaginar que Claire daria adeus à Fórmula 1 dezessete dias depois do anúncio da venda, ainda no meio da temporada, logo após o GP da Itália?
Claire Williams assumiu a “chefia” da equipe em 2013 com o objetivo de continuar o trabalho de seu pai e reviver os tempos de glória de décadas antes. Uma atitude corajosa. Claire é rica, filha de um homem rico que teve um negócio bem sucedido, apesar de situação ruim em que a empresa Williams se encontra, Claire poderia ter uma vida confortável.
Claire poderia viver em sua casa chique com seu marido e filho, poderia aproveitar o sobrenome famoso para ter várias vantagens na vida, mas Claire decidiu lutar pelo legado do pai.
A equipe Williams de Fórmula 1 é o projeto da vida de Frank Williams e Claire começou a brigar por ele dentro da própria família. Ela mesma relatou a desavença com seu irmão mais velho, Jonathan, no documentário “Williams”, disponível na Netflix.
“Não sou homem nem o mais velho”, disse ela. Em qualquer monarquia, em qualquer sistema patrimonialista o sucessor natural ao trono é o primogênito ou o filho homem mais velho. Mas Claire não é uma monarca. Claire entrou na Williams em 2002 e durante onze anos aprendeu tudo o que pôde sobre a equipe. Processos, pessoas, métodos, valores, enfim, tudo o que poderia ser absorvido sobre o funcionamento da Williams foi observado e internalizado durante onze anos antes de assumir o cargo de chefia.
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Claire não acordou em uma manhã qualquer do outono de 2012 e pensou “Hmm, vou ser a chefe da equipe do meu pai”. Claire passou mais de uma década dentro da Williams se preparando para um dia ganhar o direito de ser considerada como uma opção para o cargo que pertencia a seu pai. Claire lutou pelo seu posto.
Enquanto isso, Jonathan coordena o departamento de “herança” da Williams que, julgando pelo que foi mostrado no documentário, é basicamente um de almoxarifado de peças antigas que “Claire nem deve saber que existe”, como ele mesmo afirma.
Jonathan poderia ter feito um trabalho melhor que o realizado pela Claire? Provavelmente nunca saberemos. Jonathan é descrito por alguns como alguém com vasto conhecimento sobre esporte a motor e com grande habilidade para detectar talentos, mas teria Jonathan lutado pela chefia da equipe tanto quanto Claire lutou?
Desde que assumiu o comando da Williams, Claire fez diversas mudanças para levar a equipe de volta ao topo. E funcionou durante um tempo. O terceiro lugar no campeonato de construtores em 2014 e 2015 dava indícios de que eles estavam indo para o caminho certo.
Nos anos seguintes, o 5º lugar por duas temporadas consecutivas, resultados mais modestos, mas ainda nada desesperador. Os problemas começaram mesmo de dois anos para cá. Pilotos sem experiência, baixo orçamento, perda de patrocinadores e mais um sem número de fatores que interferiram no desempenho da equipe.
Vi diversos comentários criticando a gestão de Claire. Um dos que mais me chamou a atenção foi um que dizia “Ela deveria ter vendido a equipe em 2017 quando ainda tinha dignidade” (ou algo assim). Vocês concordam com isso?
Sério, vocês desistiriam de tudo mesmo diante de um cenário que, apesar de não ser dos melhores dava indícios de que poderia ser sustentável e melhorado no longo prazo? Sério mesmo? Abririam mão do negócio da família de vocês sem esgotar todas as possibilidades?
Claire persistiu
Nos últimos dois anos, Claire vinha sendo diariamente questionada sobre suas decisões e sobre o futuro da Williams. Ninguém melhor que ela sabe o peso que estava em suas costas. Dirigir uma equipe significa ser responsável por cada uma das pessoas que trabalha ali e, consequentemente, de suas famílias.
E quem melhor que Claire Williams para entender a importância da Fórmula 1 para a família de alguém?
Lendo a entrevista da Claire para a Sky Sports só consigo confirmar minhas próprias impressões sobre o assunto: ela deu o melhor de si para manter o que foi construído pelo pai, ela não poderia simplesmente jogar fora o projeto de uma vida inteira sem lutar até a última chance.
Um outro ponto que ignoramos muitas vezes é: ser tão questionado o tempo todo é muito desgastante para qualquer um. Pare um instante e pense nos chefes de equipes (atuais e do passado) todos eles são pressionados a todo momento por todos os lados. Claire soltou o mundo que carregava em suas costas. Durante sete anos, ela se doou por completo e comandou a equipe como se fosse dela mesma – não de seu pai.
Todo o seu esforço foi empregado em um projeto do qual, no final das contas, ela teve que se desfazer. A decisão de se afastar agora foi dela, os novos donos (o grupo Dorilton) queriam que ela permanecesse no comando. Mas como aplicar a mesma energia em um trabalho que não é mais seu? Não como era antes.
Claire sabia que a Williams não seria a mesma com os novos donos e preferiu sair de cabeça erguida enquanto o clima estava amigável do que correr o risco de manchar seu sobrenome e tudo o que ele representa para Fórmula 1. Imaginem vocês ver o nome Williams envolvido em escândalos como os que aconteceram recentemente como Force India e Haas! Isso sim seria vergonhoso. Isso sim é sujar um nome tão emblemático para o automobilismo.
Claire afirmou que sempre sentiu que saberia a hora de parar e, aparentemente, a hora chegou. Ela sabe que os novos donos precisam de alguém que tenha energia suficiente para dar passos largos e trazer resultados rápidos para este investimento. E ela sabe que não é a pessoa mais indicada para essa tarefa agora.
E reconhecer méritos e deméritos é importante. Claire foi a melhor chefe de equipe que passou pela Fórmula 1? Não. Sua gestão foi espetacular para a Williams? Não. Claire é a responsável pelos resultados da equipe? Em partes sim, ela, como líder, acaba tendo a grande parte da responsabilidade no sucesso ou no fracasso de seu time. Mas ela não é a única responsável por tudo o que aconteceu.
Os problemas da Williams existem desde antes ela assumir o comando. Suas escolhas, embora questionáveis, ajudaram a equipe manter uma sobrevida na categoria, querendo ou não. Vender a Williams certamente foi uma das decisões mais difíceis já tomadas por Claire. Mas foi melhor assim.
Claire accepted the challenge& nominated Bob Fearnley,Eddie Jordan& @CroftyF1! Well done!! #ASLIceBucketChallenge pic.twitter.com/2u0NBFvlQH
— Williams Racing (@WilliamsRacing) August 23, 2014
Era isso ou a falência total, anos e anos de processos jurídicos e dívidas intermináveis. Dizem que, com a venda da equipe, ela ainda conseguiu garantir cerca de um bilhão de reais para a família Williams. A princípio, uma vida confortável para as próximas gerações.
Falaram que Claire saiu pela porta dos fundos, eu discordo. Acho que ela encerrou seu ato com direito a aplausos e agora vê as cortinas se fechando para que o espetáculo continue. A vida é feita de ciclos e a Fórmula 1 não é diferente. Embora seja triste ver este capítulo se encerrando, de certa forma é confortante saber que as coisas aconteceram da melhor forma possível.
Agora vem o próximo ato. O grupo Dorilton prometeu manter o nome Williams e Simon Roberts é quem ficará interinamente no comando da equipe a partir de etapa em Mugello. Em relação a Claire, o que se sabe é que agora ela quer ser a esposa e mãe que não teve oportunidade, quem sabe agora ela não vai trabalhar na próxima geração Williams e garantir que o nome volte à Fórmula 1 no futuro?