Nos últimos anos muito se fala sobre pilotos pagantes e como o dinheiro deles os levaram à Fórmula 1. Pouco lapidados, sem o talento genuíno, mas o investimento ajuda na realização de testes particulares, um auxílio à mais e por aí vai. Conquistam as suas superlicenças, assumem uma vaga na categoria com o seu dinheiro e nem sempre conseguem se desenvolver ao ponto de se tornar um ‘merecedor’ daquela vaga.
Os preços para correr em categorias de base são pouco atrativos, só correm aqueles que tem, pilotos que podem arcar com as despesas para fazer alguns anos nas categorias de fórmula. Não é à toa que sempre insistimos no mesmo assunto: o automobilismo é um esporte extremamente caro e aqueles que investem em algum momento querem um retorno.
E por ser um esporte caro, sabemos que vários talentos se perderam por não ter o incentivo e o mais importante: patrocinadores. Se não tem representatividade, outros exemplos é até mesmo difícil conquistar o seu espaço.
O cenário é complicado, mas quando falamos das mulheres no automobilismo, sabemos que ainda falta investimento na base e oportunidade. Infelizmente não apenas no automobilismo, mas ainda de um modo geral, a nossa sociedade pensa duas vezes mais quando é para apoiar uma mulher no mercado de trabalho. Em áreas que são ainda mais ocupadas pelos homens, costumam desencorajar ainda mais as mulheres.
Também existe a questão que leva muitos a dar preferência aos homens, pois acreditam que em algum momento essas mulheres vão querer constituir uma família, ficar grávida é quase que uma sentença que condena a carreira de uma mulher.
Para ocupar qualquer espaço de liderança, muitas mulheres precisam provar o seu valor mais vezes. O mesmo acontece no automobilismo, seja pilota ou mulher que tente adentrar em alguma área. Você precisa ter tudo na ponta da linha, sua capacidade é questionada diversas vezes e se um homem diz a mesma coisa que você, muitas vezes a fala dele tem mais peso.
Qual o motivo para ser diferente nos campeonatos de base? Sabendo que é muito mais fácil conseguir um patrocínio para um homem, os próprios ‘olheiros’ acabam demonstrando a sua preferência por homens. Além disso, existem poucas famílias que estão dispostas a investir nas mulheres, justamente por não ver muitas inseridas naquele espaço.
A W Series chegou como uma categoria de incentivo e espaço para as mulheres, com o intuito de dar mais visibilidade para as competidoras e vemos que ela é extremamente importante, pois algumas das pilotas do grid pela visibilidade que adquiriram receberam outros convites.
Jessica Hawkins se tornou embaixadora na Aston Martin, Alice Powell passou a fazer parte do programa de desenvolvimento de jovens talentos da Alpine, dando assistência para Abbi Pulling, alguém que a Alpine está apostando algumas fichas incentivando o seu desenvolvimento no esporte. Beitske Visser que tinha competido em GTs, disputou a 24 Horas de Le Mans na classe LMP2 com a Richard Mille, dividindo o carro com outras pilotas.
Porém, de todas essas e outras que também são exemplos, Jamie Chadwick é a pilota mais comentada. A atual bicampeã da categoria foi contratada pela Williams para atuar como pilota de desenvolvimento, mas mesmo com esse papel tão importante, precisou correr por mais uma temporada com a W Series, por não ter vaga em outras categorias de base.
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Sem dinheiro para obter uma boa vaga na Fórmula 2 ou Fórmula 3, seus planos de avançar nas categorias de base foram adiados e para não ficar parada, deixaram a pilota competir por mais um ano na categoria feminina. O terceiro, enquanto no início da W Series, a ideia era não permitir a campeã realizar mais um ano, para justamente abrir mais espaço no grid e ajudar mais pilotas.
Jamie deve dar continuidade a sua carreira na Indy, a pilota participou de testes para a Indy Lights, uma categoria que tem dado mais espaço para as mulheres.
O que me levou a escrever esse texto, foi a fala de Charles Leclerc sobre uma possível pilota na Fórmula 1 nos próximos anos.
“Acompanho um pouco a W Series, Jamie Chadwick tem ido muito bem e seria certo dar uma chance às mulheres na Fórmula 3 e na Fórmula 2, esperamos ter uma no Campeonato Mundial, mas não como uma forma de ajudar na mensagem social.”
Infelizmente sem nenhum incentivo é difícil de acreditar que em algum momento ao menos nos próximos dez anos uma mulher chegará à Fórmula 1, justamente pela dificuldade que se tem de inserir as competidoras no esporte. Por mais que a Fórmula 3 tenha realizado testes privados com as pilotas para compreender a necessidade das mulheres ao adentrar na categoria e mostrar que ‘apoia’ a entrada delas, onde estão os convites das equipes?
No automobilismo onde existem diversos pilotos pagantes e com incentivo de suas famílias, se tornaram uma aporta por conta do sobrenome que eles carregam, as mulheres precisam entrar nas categorias de base apenas pelo mérito delas. Parece um tanto injusto não?
É exatamente o que apontei no início do texto, ser mulher já te coloca na posição de sempre precisar entregar mais, mesmo que não tenha sido oferecido para você as mesmas condições de um homem.
Acredito que se ao menos alguém se interessasse em investir na carreira de uma mulher, oferecendo o mesmo suporte que é dado à vários homens medianos, isso contribuiria para o esporte, pois deixaria um caminho mais claro, mostrando que as mulheres são bem-vindas no esporte. Se tantos tem incentivo, qual o motivo para a mulher precisar entrar sozinha?
Se o apoio financeiro é importante para fornecer uma plataforma de desenvolvimento para qualquer piloto, isso não pode ser diferente para as mulheres. Se as categorias não fizerem nada, pouca coisa vai mudar. E com os problemas que tem acontecido com a W Series, tenho realmente medo de mais uma porta se fechar para as mulheres no automobilismo.
Jamie está confirmando o seu terceiro título na W Series, mas na visão de muitos, é necessário provar um pouco mais que ela é merecedora de uma vaga nas categorias de base.
E não importa o quão longe uma pilota vá, ainda vai existir uma série de questionamentos e talvez muitos se perguntem se sua imagem alí é apenas um apelo social. Talvez a pilota só prove o seu valor se fizer como Lewis Hamilton conquistar uma série de títulos e ter a oportunidade de mostrar o quão desigual o esporte é para algumas pessoas chegarem lá. Mas provavelmente, ainda vão dizer que os seus feitos só foram possíveis por conta de um carro bom e pela forma como a sua imagem pode ser explorada dentro de um apelo social que foi criado.