Apesar de ter acontecido em 02 de maio de 1976, o GP da Espanha daquele ano, em Jarama, começou bem antes e só foi terminar alguns meses depois. De volta à Europa depois das três corridas iniciais do ano (Brasil, África do Sul e Estados Unidos – Long Beach), era para tudo estar às mil maravilhas na Ferrari, que colecionava 100% de vitórias (Niki Lauda venceu as duas primeiras e Clay Regazzoni ganhou na Califórnia). Mas havia uma guerra interna que vazava para a imprensa.
Lauda era o atual campeão, mas nunca se enquadrou na festa da torcida italiana, frequentemente dando declarações duras contra a equipe. Os jornais sabiam que podiam enfurece-lo e conseguir boas manchetes, e o provocavam até o limite.
Então, quando ele se acidentou com um trator, era só mover as peças e esperar a notícia.
Poucos dias após o GP americano, Lauda estava trabalhando no campo de sua nova propriedade perto de Salzbourg, quando tentou levantar um pedaço de terra e acabou tombando junto com seu trator, fraturando duas costelas, e passando perto de morrer esmagado. Os médicos pediram seis semanas de gancho, mas ele não podia se dar esse luxo. A Gazzeta dello Sport o atacava virulentamente, e começou uma campanha para que um piloto italiano o substituísse na prova seguinte. O nome indicado era o de Maurizio Flammini, um piloto que estava ganhando algumas corridas na Fórmula 2. Mas Lauda sabia que, se mostrasse fraqueza, seria rapidamente engolido pelo moedor de gente que é a Ferrari. Contratou o fisioterapeuta Willy Dungl, que se tornaria seu preparador físico, e estava fazendo progressos impressionantes.
Só que o diretor de esportes da Ferrari, Daniele Audetto, além de não negar a troca ainda jogava gasolina na fogueira, dando a entender o que piloto número 1 da equipe deveria ser Clay Regazzoni. O bigode era querido pelos tifosi, tanto que recentemente Luca di Montezemolo disse no podcast oficial da Fórmula 1 que sempre pensou que Clay tivesse nascido na Suíça por engano, porque seu temperamento era o de napolitano da gema. Lauda estava sentindo-se traído pela festa carcamana, e o silêncio de Enzo Ferrari só piorava a situação. Além disso, quando um jornalista chamou Lauda para pedir sua opinião sobre um possível substituto do transalpino, o austríaco responde, sem tato, que “os pilotos italianos são bons apenas para dar uma volta pela igreja em sua aldeia”. Ele estava atraindo a hostilidade de alguns de seus colegas como Arturo Merzario, que já tinha estado em um carro vermelho…
Quando Niki Lauda chegou à Espanha, parcialmente recuperado de sua lesão, ele expressou de forma um tanto quanto dura sua maneira de pensar para Audetto e rompeu de vez as pontes com a imprensa italiana, que agora lhe dedicava um ódio feroz.
Enquanto isso, a prova espanhola (que mudou-se de vez de Montjuïc depois da tragédia no ano anterior) seria a primeira com a nova regulamentação técnica: redução do balanço da asa traseira, redução da largura e da altura dos carros (essa última fixada em 80 centímetros, para evitar as “chaminés” que tínhamos até então). As equipes apresentavam seus novos modelos, e a Ferrari vinha com o 312 T2 de Mauro Forghieri, com menor distância entre eixos. Mas a vedete era o Tyrrell P34 de seis rodas – só Patrick Depailler pilotava esse modelo, enquanto Jody Scheckter vinha com o velho 007 – um carro que tinha quebrado o recorde em treinos livres em Zolder e que dava muita esperança para o velho Ken. Até o rei Juan Carlos I fez questão de visitar os boxes para ver o monstrengo.
Também havia a dança dos pilotos. O suíço Loris Kessel e o espanhol Emilio de Villota estreavam a equipe RAM, enquanto Frank Williams alinhava um FW antigo para ganhar o patrocínio da Mapfre, que pediu o local Emilio Zapico no grid. John Surtees também conseguiu patrocinador novo para sua equipe, mas algumas empresas de TV se recusavam a focalizar o carro com a marca da fabricante de preservativos Durex. Mario Andretti, sem cockpit com a saída da Parnelli, abraçou o convite de Colin Chapman para pilotar a Lotus ao lado de Gunnar Nilsson.
Na classificação, embora um impressionantemente rápido Lauda, considerando sua recuperação física, tenha obtido um tempo excelente, foi James Hunt e a McLaren que asseguraram a pole. O Tyrrell hexarroda de Depailler largaria em terceiro, à frente de Mass, Regazzoni e Brambilla.
Na largada Lauda, com um anestésico injetado na região das fraturas momentos antes, ultrapassa Hunt e faz a primeira curva à frente. Brambilla toma a posição de Depailler, mas o francês dá o troco logo em seguida. No quarto giro, o primeiro abandono: Fittipaldi, com a caixa de marchas quebrada. Lauda tenta abrir distância, mas a caçada de Hunt permanece intensa, até que o efeito do anestésico começa a passar. O Tyrrell de Depailler perde os freios e vai parar além do guardrail, fim de linha para o P34. Na volta 32 Hunt mergulha na curva Nuvolari e retoma a liderança. Lauda agora precisa resistir à Jochen Mass, em terceiro, que em pouco tempo consegue a segunda posição. As McLaren logo abrem cinco segundos de vantagem, logo dez, então 15. Niki faz uma prova solitária, pois o quarto lugar, Gunnar Nilsson, está 25 segundos atrás dele. Na volta 66, fumaça na McLaren de Mass, que abandona a prova. Hunt está 30 segundos à frente de Lauda, que tem 15 de vantagem para a Lotus de Nilsson. E as coisas ficam assim. A McLaren finalmente bate a Ferrari, Lauda se supera em uma prova onde a dor lhe acompanhou por quase todo o trajeto, e Gunnar Nilsson sobe ao pódio pela primeira vez.
Só que essa corrida ainda não tinha terminado. Enquanto Hunt era entrevistado por Stirling Moss para a televisão britânica e Lauda recebia tratamento de Dungl pois uma de suas costelas havia se movido no ponto de fratura, os comissários anunciavam que a asa traseira da McLaren estava alguns milímetros acima do permitido e desclassificavam o inglês, dando a vitória para a Ferrari e para Lauda, que abria 23 pontos na liderança.
A McLaren apelou da decisão, alegando que a expansão causada pela temperatura dos pneus após a corrida era responsável pela pequena deformação encontrada, e que se medido com pneus frios o carro estaria regular. O resultado da causa só foi anunciado em julho, dando ganho de causa à equipe inglesa. Com isso, Hunt recuperava a vitória e seus nove pontos, tirando ainda três de Lauda. Considerando que o título no final do ano veio com o inglês um ponto à frente do austríaco, podemos dizer que o GP da Espanha de 1976 realmente entrou na história da Fórmula 1
lll FORA DAS PISTAS
Na mesma Madri, 168 anos, a população se levantou contra a ocupação francesa, rebelião que foi retratada por Goya no seu quadro El 2 de mayo de 1808 em Madrid. Nasceram nesta data o apresentador Fausto Silva, o ator Dwayne “The Rock” Johnson, o jogador de futebol e marido de Spice Girl David Beckham e o vocalista do Foreigner Lou Gramm. Gramm e sua banda fizeram um sucesso estrondoso no final do anos 70 e início dos 80, emplacando seus primeiros 8 singles no top 20 da Billboard, feito antes só alcançado pelos Beatles. A revista Circus declarou, em 1978, que Gramm tinha uma voz que deixava Robert Plant com inveja.
Foram 34 anos, um mês e dez dias de vida para Ayrton Senna da Silva. Ele não fez mais do que pilotar carros de corrida, é verdade. No entanto, o rapaz paulistano o fez de uma maneira que mudou a visão das pessoas sobre o automobilismo dentro e fora das pistas. Queiram ou não, o piloto brasileiro entrou para a história e o seu nome estará sempre eternizado no mundo da velocidade.
lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.