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A última corrida antes da guerra

A última corrida antes da guerra - Dia 91 dos 365 dias dos mais importantes da história do automobilismo

O campeonato mundial de Fórmula 1 como conhecemos começou em 1950, período pós-guerra, mas as corridas de automóveis são bem mais antigas do que isso – vocês já viram isso aqui (ou aqui) no projeto 365, e eu já escrevi sobre a primeira prova da história, ainda no século XIX, lá no PF1BR.

Então, para a efeméride de hoje, vamos voltar para antes daquela corrida em Silverstone onde a Fórmula 1 realmente começou, e veremos como foi o último GP antes da guerra.

A última corrida antes da guerra • BP • Boletim do Paddock
Fonte: Sachsenring

Em 20/08/1939 aconteceu a quarta prova do Campeonato Europeu de Grandes Prêmios, em Bremgarten, na Suíça.

O circuito da cidade de Bern (Bremgarten é o nome da floresta que margeia a pista) foi construído em 1931 para abrigar provas de motovelocidade, e é característico por não ter nenhuma reta propriamente dita, sendo mais uma grande junção de curvas de alta velocidade.

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Bremgarten. Fonte: Pinterest

Ao chegar na Suíça ainda havia uma indefinição sobre as regras do campeonato, mesmo com as provas da Bélgica, França e Alemanha já tendo acontecido.

Alguns membros da organização queriam manter as regras antigas, de pontuação mínima (o primeiro colocado marcava um ponto, o segundo dois e assim por diante; o campeão seria o piloto que tivesse menos pontos), enquanto outros queriam alterar para o sistema Francês, semelhante ao que usamos hoje em dia.

Claro que esta briga refletia uma outra muito maior que estava se armando; o mundo era um barril de pólvora naquele agosto.

Franco tinha tomado a Espanha quatro meses antes, a Itália tinha invadido a Albânia e o chanceler Adolf Hitler dava as cartas na Alemanha Nazista e já tinha decidido que queria o corredor polonês e Danzig para ele.

Aliás, a Alemanha estava numa verdadeira blitzkrieg também no automobilismo: as três provas anteriores haviam sido vencidas por alemães (Hermann Lang, Hermann Müller e Rudolf Caracciola) em equipes alemãs (Mercedes-Benz, Auto Union e Mercedes-Benz novamente).

Embora a Alfa Romeo e a Bugatti conseguissem beliscar algumas provas extracampeonato esporádicas, ninguém era páreo para os germânicos quando as coisas eram para valer.

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As dominantes Flechas de Prata. Fonte: Sportscardigest

Para o GP da Suíça, tanto Mercedes quanto Auto Union inscreveram quatro carros cada, enquanto a Alfa enviou dois. A Maseratti não participou oficialmente, mas quatro pilotos independentes utilizaram os carros da marca italiana.

Lang, com seu Mercedes W154, foi o mais rápido do final de semana durante os treinos e garantiu a pole. Ao seu lado, outras duas Benz, de von Brauchitsch e Caracciola. Logo antes da corrida, chuva, e a pista se tornou muito escorregadia de uma hora para a outra.

Hermann Lang permaneceu à frente, mas as atenções estavam voltadas para o segundo colocado: Giuseppe Farina, que havia largado em quinto lugar, ultrapassou as flechas de prata e caçava o líder. O seguiam Caracciola, Tazio Nuvolari e von Brauchitsch. Lang abria 2 segundos por volta, mas o trem de Farina não conseguia espaço para ultrapassá-lo.

Na volta 7 a chuva parou e o Alfa de Giuseppe não era mais páreo para as Mercedes. Caracciola estava muito atrás do companheiro de equipe, mas começou a tirar a diferença volta a volta. Na vigésima, diminuiu a distância para 12 segundos.

Alfred Neubauer, o chefe de equipe da Mercedes, foi à beira da pista pedir para Lang diminuir o ritmo e poupar o equipamento. Mas a esposa de Hermann, percebendo que isso o prejudicaria, ficou ao lado fazendo gestos para que ele continuasse pisando fundo.

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Lang, o chefe Neubauer e Caracciola. Fonte: Snaplap.net

A quatro voltas do final apenas 6 segundos separavam os dois primeiros, e quando abriu a última volta Lang tinha apenas 2 segundos de vantagem

Ambos os pilotos estavam dirigindo no limite. Lang fez a volta mais rápida da corrida na sua última, e venceu o Grande Prêmio da Suíça. Foi a última vitória de um piloto alemão dirigindo um carro da mesma nacionalidade até Nico Rosberg vencer o GP da China de 2012.

Duas semanas depois a Alemanha invadiu a Polônia, e a guerra começou. O GP da Itália, programado para 10 de setembro daquele ano, foi cancelado e a federação de automobilismo não pôde mais se reunir.

Em dezembro daquele ano o presidente da organização alemã de corridas declarou Lang campeão de 1939, mas se o sistema de pontuação máxima em discussão tivesse sido utilizado, Hermann Müller e a Auto Union seriam os vencedores. Não se sabe se por uma preferência pessoal pela Mercedes ou para não dar o braço a torcer para os inimigos franceses que sugeriam a mudança, mas o imbróglio sobre quem era o campeão tomou as revistas especializadas (sim, elas ainda estavam sendo editadas naquele começo de conflito).

De qualquer forma, o título de 39 permanece em suspenso, e não temos um vencedor declarado naquele ano. Não que isso importe agora, depois dos seis anos de guerra que se seguiram e dos milhões de vidas que foram interrompidas.

Tivemos alguns bravos cavaleiros cabeças de gasolina que tentaram manter o esporte vivo durante o conflito organizando corridas no período da guerra.

Duas delas aconteceram no Brasil e foram vencidas por brasileiros:

Arthur Nascimento Jr. em Interlagos, 1940 e Chico Landi na Gávea, RJ, em 1941, porém estes eventos obviamente eram muito esvaziados e com frequência se limitavam a corredores locais.

A primeira prova no pós guerra foi a Paris Cup, em setembro de 1945, e o primeiro campeonato retornou no ano seguinte, em 22 de abril de 1946, com o GP de Nice, vencido pelo italiano Luigi Viloresi com sua Maserati. O esporte rapidamente retomava seu lugar, ocupado pela ignorância e pela violência.

FORA DAS PISTAS

Em 20 de agosto de 1890 nascia em Rhode Island Howard Phillips (H. P.) Lovecraft, o pai de Cthulhu. Desconhecido durante seu tempo, Lovecraft morreu na pobreza em sua cidade natal, aos 46 anos.

Injustamente, seu gênio só foi descoberto após sua morte, e seus contos que misturavam fantasia e terror para tocar em temas como influências não humanas no destino dos homens, destino, culpa herdada dos pais e religião tornaram-se obrigatórios.

A influência de Lovecraft cresceu e ultrapassou as barreiras da literatura, com seus temas sendo absorvidos constantemente na música. Black Sabbath, Metallica e Artic Monkeys citaram o autor ou suas criações em seus álbuns

Uma história saborosa, embora controversa, liga Lovecraft a Kashmir, sucesso do Led Zeppelin. Nunca ficou comprovado se Robert Plant (que aliás também nasceu em 20 de agosto, em 1948) foi influenciado pela literatura fantástica do americano ao compor a canção, porém versos como “I am a traveler of both time and space, to be where I have been” ou “pilot of the storm who leaves no trace, like thoughts inside a dream” podem tanto se referir ao sul do Marrocos e ao deserto do Saara quanto a R’lyeh. Bom, de qualquer forma, é uma ótima pedida para o domingão.

Também faz aniversário hoje Amy Adams, nascida em Vicenza, na Itália, em 20/08/1974. A moça ainda não chegou ao nível de relevância dos nossos personagens acima, mas isso não quer dizer que não podemos encerrar o texto com uma bela foto dela.

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Amy Adams. Fonte: List Challenges
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Carlos Eduardo Valesi

Velho demais para ter a pretensão de ser levado a sério, Valesi segue a Fórmula 1 desde 1987, mas sabe que isso não significa p* nenhuma pois desde meados da década de 90 vê as corridas acompanhado pelo seu amigo Jack Daniels. Ferrarista fanático, jura (embora não acredite) que isto não influencia na sua opinião de que Schumacher foi o melhor de todos, o que obviamente já o colocou em confusão. Encontrado facilmente no Setor A de Interlagos e na sua conta no Tweeter @cevalesi, mas não vai aceitar sua solicitação nas outras redes sociais porque também não é assim tão fácil. Paga no máximo 40 mangos numa foto do Button cometendo um crime.

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