Com uma nova temporada começando, as equipes também renovam suas coleções de camisa, bonés, chaveiros e outros itens de merchandising. A desvalorização do real frente ao dólar e a outras moedas joga o preço dos produtos para a estratosfera e nos faz questionar por que as equipes de Fórmula 1 não liberam a produção de seus merchans no Brasil?
Obviamente, as equipes de Fórmula 1 não possuem fábricas de camisas e bonés, elas terceirizam a produção desses itens para outras empresas e trabalham com duas formas de distribuição:
- As equipes recebem os itens produzidos em suas sedes e são diretamente responsáveis pela venda e pela distribuição
- As equipes permitem que outras empresas controlem toda a cadeia de produção, vendas e logística
Esse segundo exemplo se chama licenciamento de marca. Independente da forma de comercialização, a produção dos merchans está espalhada por diversos países. Seguindo a lógica, as equipes poderiam licenciar suas marcas no Brasil, correto? Correto! Mas então, por que isso não acontece?
O PROCESSO DE LICENCIAMENTO DE MARCA
Ano passado, trabalhei em uma empresa que passou pelo processo de licenciamento da marca daquele rato famoso. Desde o pedido inicial até a assinatura do contrato, foram mais de 10 meses de uma série de adequações às regras impostas por uma das marcas mais famosas do mundo.
Isso porque eles querem que a empresa parceira tenha o mesmo padrão de excelência oferecido pela marca. Ou seja, se você quer vender a marca do rato, você tem que ser perfeito como eles.
Para ficar melhor de explicar, vou usar o processo da marca do rato e adaptar a uma equipe de F1 que você vai tentar licenciar, ok? Let it go!
Quando você envia uma solicitação de licenciamento, a equipe vai te pedir uma série de documentos para provar que você tem capacidade para atender o nível de qualidade que eles estabelecem. E isso envolve simplesmente todos os setores da empresa.
A marca avalia aspectos como finanças, parceiros logísticos, reputação no mercado, estrutura física, cultura organizacional, entre outros. O que estiver em desacordo, vai ter que entrar nos trilhos para que a sua empresa seja como um braço operacional da marca principal.
Eles querem saber da sua saúde financeira para ter certeza de que você paga fornecedores, funcionários e impostos em dia, se você tem um caixa robusto para manter a parceria pelo tempo estabelecido no contrato e também se você tem reservas para cobrir eventuais emergências.
Ao analisar seus parceiros logísticos, eles investigam se as transportadoras que você utiliza são empresas confiáveis que entregam no prazo e sem avarias, se a cobertura é grande suficiente para atender todo o mercado, se essa transportadora também é bem vista no mercado e que tipo de assistência eles oferecem quando algo dá errado.
Sem falar nos fornecedores da matéria-prima e do produto em si. Eles possuem padrões mínimos da linha utilizada, até o tempo de produção de uma peça. É o ponto de maior atenção, se eles não aprovarem, nada feito.
A sua reputação no mercado é fundamental. Imagina se uma marca como a Ferrari associaria seu nome a uma empresa acusada de explorar seus funcionários, de sonegação fiscal ou de ter práticas racistas, por exemplo. Sem chance.
Em relação à estrutura física, a marca pode estabelecer critérios que vão desde a estrutura do prédio onde sua empresa está estabelecida até a sinalização das saídas de emergência. Isso passando pelo tamanho do lugar, fiação elétrica, extintores de incêndio e rede de esgoto.
Com essas informações, eles vão verificar se você realmente possui a capacidade de produção que você diz ter, até porque suas condições físicas também afetam o armazenamento tanto de matéria-prima como o de produtos acabados. Marca nenhuma vai correr o risco de deixar seus produtos em locais que apresentem o risco de danificar o que vai ser entregue para o consumidor final.
As marcas podem analisar sua empresa tão profundamente a ponto de entrevistar seus funcionários para saber se você lidera um ambiente de trabalho saudável, que possui práticas modernas de gestão de pessoas incluindo processos bem estruturados de promoção. A escolha é feita de forma aleatória e abrange pessoas de diversos departamentos. O objetivo é descobrir se a sua empresa não está sob o risco de sofrer um processo trabalhista por danos morais, por exemplo.
A MARCA PODE IR ALÉM
Além de analisar o que já existe, a marca também pode exigir que você inicie atividades para ficar totalmente de acordo com o sistema de gestão adotado por ela. Por exemplo, programas de segurança no trabalho, responsabilidade ambiental e inclusão social. Assim, a marca se certifica que sua empresa está culturalmente alinhada com ela.
Você pode até pensar que é “frescura”, mas pense bem: o que aconteceria com a marca se você arrumasse um problema que afetasse a reputação dela?
Imagine que a fábrica de uma terceirizada que produz as camisas da Ferrari pegou fogo por problemas na fiação elétrica e estava com a vistoria dos bombeiros atrasada ou que a fiscalização encontrou pessoas trabalhando 16 horas por dia em um ambiente não ventilado e sem direito à alimentação. Para o grande público, o problema não é da terceirizada, é da Ferrari. E as marcas não querem correr esse risco.
O OUTRO LADO
E como vocês podem imaginar, todo esse processo de adequação é trabalhoso e pode custar muito caro. Quanto mais distante você está do patamar das marcas, mais dinheiro você vai ter que gastar para chegar nele. O retorno financeiro pode compensar, mas o investimento pode ser tão alto que não vale a pena espera-lo chegar.
Aí entra o lado das empresas locais. Uma coisa é reestruturar sua empresa para colocar a imagem de princesas nos seus produtos que vão vender como água em qualquer lugar para qualquer público. Outra coisa é investir uma grana alta para atingir um público de nicho que está tão espalhado que os custos de entrega para o consumidor são quase iguais aos do produto, fazendo com que ele desista da compra. E se a empresa não vende, não tem como recuperar o investimento e acaba no prejuízo.
Não é uma decisão fácil. Precisa de muito estudo para avaliar a viabilidade financeira do negócio, para os dois lados. Enquanto isso, o jeito é continuar comprando produtos importados correndo o risco de ser taxado com um imposto absurdo.
Para amenizar um pouco a situação, vai a dica de ouro da Denise Vilche (Contos da F1 e F1 Templo): sempre compre em dólar. Quando você compra em outra moeda, sua operadora de cartão faz conversão dessa moeda para dólar e depois, do dólar para o real. Duas conversões significam duas taxas e você acaba pagando mais. Fica a dica.