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Papo de Jornalista: Mariana Becker, correspondente da F1, fala sobre trajetória, desafios e triunfos da carreira

Mariana Becker, 48, é correspondente internacional da Globo e cobre o circuito de Fórmula 1 desde 2008. Formada em 1995, antes de ingressar no universo das corridas, fez o Circuito Mundial de Surfe entre 2003 e 2004, além de ter trabalhado no Jornal Vertical, na Rádio Ipanema e na Zero Hora. Nesta entrevista, a gaúcha contou os desafios e os triunfos de uma vida como profissional da imprensa. Confira na íntegra:

lll BOLETIM DO PADDOCK: Mariana, como surgiu a sua paixão pelas corridas?

lll MARIANA BECKER: Tem uma coisa de casa. Quando eu era pequena, o Nelson Piquet e o Ayrton corriam. Acho que o barulho da Fórmula 1 fazia parte do dia a dia de todo brasileiro. A impressão que eu tenho é que você tinha que estar muito fora do mundo para não saber que aquilo ali existia. Você podia não gostar, mas você sabia que existia. Aquilo fazia parte da sua vida em todo domingo… O automobilismo não, mas a F1 sim. Eu via as largadas com meu pai, um pouco da corrida, e a chegada. Mas acompanhava como acompanhava outros esportes. Acompanhava o Tennis, alguns jogos de futebol, mas não era fanática. Nunca fui.

A minha ligação com o automobilismo em si, quando eu comecei a gostar mesmo, a entender mais, se deu depois que eu corri Rally. Meu primeiro Rally foi logo o Rally dos Sertões. Naquela época, saímos de São Paulo e fomos até o Maranhão, e do Maranhão a Fortaleza pelo sertão do Brasil. Ou seja, eu tive muito tempo para entender o que era dirigir, o que era pilotar. Eu sempre gostei de dirigir, mas pilotar é uma outra história. Eu comecei sendo co-piloto, e depois corri mais dois Sertões como piloto. E foi ali que eu entendi o que isto tinha de tão legal, pois eu finalmente pude ver como era por dentro. Obviamente, não pode comparar uma amadora correndo Rally dos Sertões, com um piloto profissional correndo na Fórmula 1. Mas tem uma coisa incomum – aliás, muito incomum – que é uma vida interna no Cockpit.

A gente não tinha câmera… não tínhamos nada ali dentro, então eu não tinha muita noção do quão difícil, do quão competitivo, de qual era a emoção. A gente via tudo de fora, só imaginávamos como devia ser. Foi aí que eu entendi o que era ficar no limite a todo tempo. Entendi o que era você ter uma noção exata do tamanho do seu carro. Você saber que ele age e reage de formas diferentes. Conheci as técnicas, e a competição em si, e soube o que é chegar na frente do outro. Eu ficava no pelotão do meio para o fim, e aí eu me comprava sempre com que chegava antes ou um pouco depois. Assim você passa a entender mais a paixão daquele esporte em si.

lll B.P.: Por que você escolheu o jornalismo? Conte um pouco o início da sua carreira e os desafios que você enfrentou para chegar até aqui.

lll MARIANA: Eu comecei porque eu fazia muito esporte. Eu era muito metida com qualquer esporte. Até esgrima eu tentava. Comecei no surf, no bodyboard. Eu gostava daquilo. Viajava surfando, sempre atrás da onda perfeita, e escrevia muito. Eu tinha meu caderninho e eu anotava muitas coisas. Depois de um tempo, eu comecei a fazer aquilo profissionalmente, pois eu achava que tinha algumas coisas que não estavam sendo contadas, e coisas que me interessavam e que eu achava que poderia interessar outras pessoas. Eu escrevi para um jornal pequenininho, de esportes radicais, super bacana, que se chamava Vertical. Eu escrevi sobre a primeira gaúcha que voou de Asa Delta. Perguntei como foi pra ela escolher aquilo, como era a vida dela no meio dos caras, enfim… se davam força, se não davam. Depois eu fiz uma matéria com a Andrea Lopes. Ela foi a primeira campeã brasileira depois que teve circuito brasileiro de surf. Ela era fenomenal, era uma guria… Tinha 17 anos. Eu tinha uns 18 ou 19. Eu consegui fazer essa matéria com ela. Já a conhecia. Depois vendi a matéria para a Folha de S. Paulo. E assim fui indo. Fiz rádio, fiz TV, fiz jornal. E aí acabei na Globo. Me formei, fiz o teste, e fui trabalhar lá. Para mim, ali é uma escola de jornalismo importante em termos de padrão, em termos de como a gente tinha que se comportar, de como a gente deveria perguntar, em termos de postura e distanciamento do jornalista, e como fazer televisão. Foi ali que eu aprendi com mestres como o Telmo Zanini, gente que primava pelo bom jornalismo e tinha uma técnica muito boa. Comecei na emissora em 1995.

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Jogo duro.. #f1 #f1naglobo #reporter #monacogp

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O jornalismo esportivo era um meio muito masculino. Sempre foi. Hoje, muito menos… As vezes gente ia cobrir um jogo de futebol e tinha no máximo mais duas meninas. E elas ficavam na parte da imprensa, que era meio que uma arquibancadinha. No campo, só quem trabalhava com TV e Rádio. E no Rádio não tinha quase nenhuma menina, só mais tarde que começou a ter. No início não tinha. Então eu ouvia de tudo. Agora, imagina, você escolhe uma carreira que você quer fazer porque você gosta, e aí você vai exercer essa profissão, e só pelo fato de você querer exercê-la você é xingada durante o dia inteiro. Isso acontecia. Mas, para mim, isso era só mais um obstáculo para pular. Pois o que eu estava afim era de contar a história daquele jogo. O que eu estava afim era de entrevistar aqueles jogadores. O que eu estava afim era de fazer o meu trabalho. Então se alguém estava me xingando ou não, aquilo ali para mim não era nada. Não fazia muita diferença. Era chato? Era. Imagina, você escolhe ser dentista, médico, contador, arquiteto, e toda vez que você vai aprender ou vai para o escritório você é xingado o tempo inteiro? E no jornalismo, o seu erro é algo que é visto por muita gente a todo tempo, então você fica muito exposto a críticas. Não era todo mundo no início que aceitava. E essa eram as dificuldades… às vezes de colegas que duvidam da sua informação. E aí você fica: “Por que o cara tá duvidando da minha informação?”. Na verdade não é o que você fez, é o que você é. Mas isso vai mudando ao longo do tempo, pois assim que tem gente que tem esse tipo de postura, tem caras que viraram meus irmãos, meus grandes amigos.

Eu sempre fui muito acostumada a conviver em um ambiente masculino, pois eu surfava, e meu pai e meu irmão vinham de uma casa com três irmãs e um irmão. Meu pai e meu irmão sempre foram muito próximos de mim. A gente não tinha uma distância de vida de homem e vida de mulher. Meu pai sempre foi muito delicado comigo. O convívio com homens não era estranho para mim. O estranho era o fato de que um homem ou uma mulher achassem que eu não era capaz de fazer alguma coisa pelo fato de eu ser mulher. Isso que era estranho para mim. Mas, de novo, isso era uma coisa que me acompanhou, mas, dentro dos meus objetivos, era algo menor. Não era algo que realmente fosse impedir o que eu realmente estava afim de fazer. Esse padrão foi se repetindo ao longo da minha carreira e também no automobilismo.

Então é bizarro você chegar num ambiente e ter que provar primeiro que você sabe muito bem o que você está fazendo… Tem uma exigência muito maior já de princípio para que você possa exercer a sua profissão. Para mim era uma questão de estudar e entender bem o que eu estava fazendo, ter postura, ter paciência, e insistência. Foi assim e eu acho que é até hoje na verdade (risos). Claro que hoje, muita coisa mudou, mas eu acho que para muita gente, em situações diferentes, para você vencer, é necessário olhar para os obstáculos como uma coisa menor… saber que seu objetivo está mais a frente. E aí, na insistência, você vai fazendo parcerias, amizades, e junto com a sua formação, você vai pulando esses obstáculos, ou, se levanta quando você é pego no contrapé, como é dito no Tennis.

lll B.P.: Quais são os desafios que você enfrenta nos dias de hoje atrás do microfone?

lll MARIANA: São as dificuldades que todo mundo encontra. Primeiro que você conversar com alguém com um microfone e com uma câmera, deixa a pessoa muito mais na defensiva e pensando mil vezes no que ela vai te dizer. Diferente do que você chegar ao lado dela, conversar e depois anotar no bloco. Mas isso é uma dificuldade do meio que eu escolhi, que é a TV. A dificuldade, nos dias de hoje, principalmente na F1, é a quantidade de assessores e burocracia para chegar em algum piloto e entrevistá-lo como você gostaria. É tudo muito controlado o tempo todo. O que eles vão dizer é controlado. Quando eu vou fazer uma entrevista one to one, que é uma entrevista exclusiva, sozinha, me pedem para eu mandar as perguntas antes. Isto é algo que acaba com qualquer espontaneidade do entrevistado e do entrevistador, e qualquer possibilidade de conseguir alguma coisa mais interessante, pois o cara já está com todas as respostas na cabeça. Esse tipo de controle de marketing é chato demais e é muito difícil fazer jornalismo desse jeito.

lll B.P.: Quando você pensou em juntar jornalismo e automobilismo?

lll MARIANA: O automobilismo e o jornalismo se juntaram no momento em que eu fui correr o Rally dos Sertões com a ideia de mostrar de dentro do carro como as coisas funcionavam. Foi ali as duas coisas se juntaram. Eu já tinha feito tanta coisa diferente, como viajar com o Beto Pandiani… Velejei com ele pela costa da Gronelândia… Já tinha feito um monte de coisa… eu estava fazendo um monte de coisa. Aquilo para mim iria ser só mais uma matéria. Mas na verdade foi o despertador para um interesse diferenciado e especial pelo automobilismo.

lll B.P.: Qual é a sua memória mais marcante nos autódromos?

lll MARIANA: Muitas vezes me perguntam isso. É muito difícil dizer, pois a vida da gente, de jornalista, é contando a história. Então, imagina, em 11 anos de cobertura, a quantidade de coisas que eu pude ver, de dramas, de coisas que se resolveram ou que começaram ali na minha frente. Então, escolher um é muito, muito difícil. Posso te dizer momentos que foram muito marcantes, como o acidente do Felipe Massa, pois eu achei que iria ter que cobrir a morte de um piloto brasileiro. Eu estava super tocada, mas ao mesmo tempo eu tinha que aguentar, não me emocionar… Então você conseguir achar o meio termo entre passar a gravidade e a emoção que aquilo é para os brasileiros, e, ao mesmo tempo, não se deixar levar pela emoção, e sim, reportar as coisas como elas devem ser reportadas, com a informação de fato e não com a informação emocional, foi um desafio imenso…

Charles Leclerc, depois de ter perdido o pai dois dias depois de chegar em Baku para correr e ganhar a corrida… Essa foi uma história que se fez bem na minha frente. O acidente fatal com o piloto de Fórmula 2, Anthoine Hubert, em Spa, foi uma outra… Jules Bianchi bater no Japão, em uma corrida super complicada, com chuva, foi horrível… Depois ele faleceu. A ultrapassagem do Rubinho sobre o Schumacher depois de anos engolindo… A vida revira e estão os dois em equipes diferentes, e aí eles se encontram de novo em um momento decisivo… E aí o Schumacher deixa o mínimo necessário e ali o Rubinho arriscou a própria vida. Ele disse, “eu morro mas eu não vou deixar”, e ultrapassa o Schumacher. Para muitos, era só mais uma ultrapassagem, mas para os brasileiros, em especial, para o Rubinho, era a revanche.

lll B.P.: Você tem algum ídolo em especial dentro das pistas? Alguém que já te acompanhou e te serviu e serve de inspiração?

lll MARIANA: Ídolo? Não tenho. Eu tinha um cara que eu admirava muito pela história de vida, e porque ele particularmente era muito legal comigo, que era o Niki Lauda. Ele foi um dos caras mais importantes para mim quando eu cheguei na Fórmula 1. Ele me recebeu de uma maneira muito generosa e me ajudava muito em relação a informação, pois eu queria saber se tinha sentido ou não… Ele me conheceu logo, então ele entendeu que tipo de pessoa eu era. E, nós estamos falando de um cara que, me perdoe pelo lugar comum, era uma fênix. Ele queimou vivo, e conseguiu sobreviver, voltar e vencer. É uma história de vida espetacular. E ele sempre foi muito claro, sem frescura, no sentido de dizer o que era bobagem ou idiotice. Ele não tinha meias palavras, e isto era ótimo para os jornalistas. Não tinha ninguém amaciando as respostas.

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Vamo Niki!!! Força !

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lll B.P.: O que mais te enche os olhos nas corridas?

lll MARIANA: As ultrapassagens, claro, mas o trabalho de equipe. Eu fico impressionada com a capacidade e com o envolvimento, e com a paixão, com a entrega, que uma equipe inteira tem para um cara ou dois defenderem aquele time. O treinamento, a especialização, o tipo de vida que eles tem. As vezes as pessoas ficam achando que o cara por ser mecânico de Fórmula 1 deve ganhar uma baba ou ficar só em hotel bacana… Não! Eles dividem quartos, muitos deles. Em equipes maiores, não. Obviamente eles devem ganhar mais que mecânicos de outras categorias, mas eles não ganham super bem. E aquilo ali normalmente é uma coisa que começou com uma paixão, pois eles sempre gostaram de automobilismo… ou passou de pai pra filho, é uma coisa de família. Ou eles moram ao redor das fábricas e aquilo ali faz parte da cultura deles. Então são profissões movidas a paixão. É muito legal você ver isso funcionando com todo mundo junto. Muitas profissões são movidas a paixão, mas ali é a exacerbação disso… É ver aquela paixão totalmente escancarada e aquele monte de gente junto… É algo que me contagia muito e me enche os olhos sempre.

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@francesco.cigarini tá bem . Deu tudo certo na cirurgia!! Graças a Deus

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lll B.P.: Estamos vivendo um período de pandemia… Qual é o seu sentimento no meio disso tudo em relação a F1? Tem muitas pessoas trabalhando para que haja algumas etapas ainda esse ano. Você acredita que podemos esperar por GPs ainda em 2020?

lll MARIANA: Tem dias que eu acho que não vai ter mais Grande Prêmio esse ano. E tem dias que eu tenho certeza que vai ter corrida ainda. Então eu não sei te dizer. Eu espero que sim. Eu espero que depois do verão no Hemisfério Norte, em Agosto, a gente consiga dar um jeito de ter corrida, mesmo sem público, ou várias corridas em um autódromo só… Enfim, vamos ver como as coisas vão se desenvolver. O fato é que todo mundo está querendo que aconteça, entende? Há interesses não só movidos pela paixão, mas econômicos, então quando tudo isso se junta, as coisas tendem a andar. Agora, mais importante do que tudo isso, é que o interesse econômico não se sobreponha a questão óbvia, física, científica e de saúde, que é a gente estar com o Coronavírus controlado. Não adianta você fazer um Grande Prêmio fechado para o público se as quatro mil pessoas que viajam para um GP, contando jornalistas, equipes, e organizadores podem contrair o vírus… Como iremos nos proteger? Essa foi a grande questão na Austrália. Estávamos juntos na sala de imprensa, o mecânico da McLaren estava com Coronavírus… Quer dizer, não adianta você colocar todos para correrem um risco e já vimos que as pessoas realmente estão morrendo por conta desta doença… não só as pessoas do grupo de risco. A gente sabe que tem uma porção de casos de pessoas saudáveis que faleceram. Ninguém, obviamente, quer ir para um respirador. Se houver uma saída para preservar a saúde e ao mesmo tempo possamos fazer funcionar um GP, todo mundo quer. Todos nós.

lll B.P.: Você acha que essa pandemia poderá afetar a temporada de 2021? Devido a crise deste ano, acredita que algumas equipes poderão se prejudicar?

lll MARIANA: A gente sabe que equipes menores, como a Alfa Romeo e a Williams, dependem muito dos GPs para serem pagas e entrar dinheiro dos patrocinadores. Essas equipes estão no limite e podem sumir, sim. Vai ser uma perda inestimável para o esporte. Entretanto, a gente ainda não sabe como essas coisas vão se arrumar. Não dá para ficar elucubrando ideias aqui que não são a resposta ou a solução para nada. A gente tem que esperar um pouco mais para saber como as coisas se ajeitam. As vezes existem soluções financeiras que a gente não imagina. Pode aparecer uma mão amiga de repente… ou uma nova forma econômica de gerir esta crise. Temos que esperar um pouco para saber.

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