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OPINIÃO – A preferência pelo espetáculo tem prejudicado a aplicação das regras

Aos poucos parece que a FIA dá mais atenção para o resultado que é visto na tela, por medo de macular o seu espetáculo

Desde a última temporada sempre mencionamos as inconsistências nas punições e até mesmo a demora para a decisão dos comissários sobre alguns lances em pista. O GP de Singapura traz novamente essa pauta, principalmente por conta da punição dada à Sergio Pérez e o tempo que se levou para informar o resultado pós-corrida.

Pérez tem se tornando um grande piloto em circuito de rua e em Singapura se aproveitou do resultado da classificação para perseguir uma vitória no domingo. O mexicano atacou Charles Leclerc na largada, pois o seu carro tracionou melhor por ele ter largado do lado par da pista. Pérez assumiu a ponta e permaneceu nela, mesmo durante as relargadas que aconteceram após um período de Safety Car, o mexicano ainda controlou o ritmo do pelotão e cruzou a linha de chegada mais de sete segundos à frente de Charles Leclerc. Por esse enredo, a corrida de Pérez merece um comentário avulso…

Porém, tanto o mexicano como o monegasco, foram alertados sobre uma possível punição para Pérez, pois o piloto teria infringido as regras durante o período de Safety Car. Os comissários começaram a avaliar a situação ainda na volta 40, mas quando Pérez cruzou a linha de chegada na volta 59, não existia um resultado.

A Ferrari por sua vez acreditava que Pérez poderia receber duas punições de cinco segundos cada, desta forma Leclerc seria contemplado com a vitória. Os procedimentos para a entrega dos troféus demoraram um pouco para ser iniciado indicando que talvez a punição seria divulgada naquele momento; Pérez até comentou o fato, mencionando a sua investigação.

Os prêmios foram dados, a comemoração do pódio aconteceu normalmente e ainda foram algumas horas até a FIA determinar e informar alguma coisa. Pérez foi investigado por não ter respeitado a distância de dez carros para o Safety Car enquanto ele estava em pista com suas luzes acessas. Depois do encerramento da corrida Pérez foi chamado para se explicar e informou que isso aconteceu, pois estava muito difícil para se manter na pista dada as condições do traçado que se encontrava parcialmente molhado e parcialmente seco.

 

A FIA aplicou para a mesma infração duas punições diferentes – Foto: reprodução

Algo que parece uma desculpa fiada, principalmente quando ele era o piloto líder da corrida e durante toda a prova conseguiu estabelecer uma distância confortável para Charles Leclerc. Em uma relargada o piloto líder tem a autonomia para ditar o ritmo, pois o seu intuito é sempre conservar a sua posição e tornar a vida dos adversários mais complicada, porém, a distância precisa ser respeitada enquanto o carro de segurança se manter com as suas luzes acessas.

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Pérez cometeu a mesma infração duas vezes, porém, apenas na primeira ele recebeu cinco segundos de punição, a segunda foi tratada com uma reprimenda e a vitória foi mantida. O que no mínimo é um absurdo completo, pois se é a mesma infração, a punição deveria sem aplicada para as duas.

No ano passado os pilotos reclamavam muito sobre a forma como algumas punições eram aplicadas pelos comissários e a inconsistência para lidar com os mesmos tipos de incidentes.

Infrações por aqueles que estão alí gerindo o evento e as formas de tratar o Safety Car na pista, tem cada vez mais provocado dúvidas e levantado questionamentos. A aplicação de uma reprimenda ocorreu de forma patética e a ‘voz’ do regulamento e da própria coordenação vai perdendo sua força a cada novo escândalo. Entende-se que a distância de dez carros é algo simples de ser verificado, se ocorreu a infração, a determinação da penalidade é clara, não permite uma interpretação.

Com todo o aparato tecnológico que a Fórmula 1 tem, câmeras, uma sala de controle bem equipada, replay disponível, câmera em todos os 20 carros do grid é completamente inadmissível a demora que levaram para investigar e decidir a punição, ela deveria ter acontecido enquanto os carros estavam na pista, tanto para que Pérez conseguisse defender a sua vitória e Charles Leclerc talvez optasse não por tentar uma ultrapassagem na pista, mas se manter o mais próximo possível do adversário, com pneus em condições adequadas para tornar a distância entre eles administrável.

Sobre a fala do piloto neste caso, ela se torna completamente irrelevante para o caso, pois o competidor sempre vai tentar escapar de uma punição e se esquivar da sua culpa, ou esperavam mesmo que Pérez fosse admitir as suas escolhas naquele momento. Acho que a fala do piloto conta muito em incidentes com outros competidores, pois algumas coisas acabam sendo interpretativas, mas neste caso, não precisava de diálogo algum.

Alterar o resultado de uma vitória depois que tudo aconteceu é algo chato, porém, quando pensamos dessa forma, deixamos algo básico passar: o não cumprimento de uma regra. Infelizmente da forma como as coisas foram conduzidas em Singapura, a sensação que temos é da ‘impunidade’, pois a mesma infração foi cometida duas vezes, mas teve dois pesos completamente diferentes.

Algo que mais refletir sobre o problema que está se criando no esporte: a linha tênue que mistura a competição com o show foi cruzada, pelo benefício do espetáculo, as regras não estão sendo aplicadas como se deveria. Ano passado tivemos decisões pendendo para os dois lados, mantendo o campeonato vivo até o final e tivemos algo que resultou em Abu Dhabi.

Com essas coisas, acaba que a gente volta lá no começo desse texto, se discute mais sobre os erros e isso apaga um pouco a corrida de Sergio Pérez. O piloto teve uma resposta muito boa na largada, tem se destacado em circuitos de rua, vencer em Singapura não é nada fácil, mas novamente é um fim de semana para tratar os erros.

Fico um pouco preocupada, pois em alguns casos parece mais relevante manter o resultado que está na tela, aquele que os telespectadores assistiram, pelas simples necessidade de não macular o espetáculo. Se cria quase que a necessidade de preservar aquela memória, sem que ela sofra nenhum tipo de interferência e dessa forma compensa não cumprir as regras que regem o esporte. Aqueles que assistem a corrida apenas no domingo ficam com a visão de um esporte perfeito, aqueles que se aprofundam mais, acabam dissecando as falhas e se questionando o rumo que se tomou.

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Debora Almeida

Jornalista, escrevo sobre automobilismo desde 2012. Como fotógrafa gosto de fazer fotos de corridas e explorar os detalhes deste mundo, dando uma outra abordagem nas minhas fotografias. Livros são a minha grande paixão, sempre estou com uma leitura em andamento. Devoro séries seja relacionada a velocidade ou ficção cientifica.

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