Lewis Carl Davidson Hamilton, ou, simplesmente, Hamilton – ou Lewis, para os mais chegados -, nasceu no Reino Unido, berço da Fórmula 1. O maior piloto da história em números vai muito além de estatísticas e recordes consecutivos quebrados atrás do volante. Claro que tudo isso é impressionante. O automobilista de apenas 35 anos está no hall da fama dos esportistas de todos os tempos. Mas o efeito causado pelo britânico da modesta cidade de Stevenage vai além da sua carreira pilotando McLaren e Mercedes. O menino do norte da Inglaterra é um verdadeiro ícone consagrado no nosso atual século. E não é atoa.
Romain Grosjean sobreviveu a um acidente grave no último GP do Bahrein. Após escapar de uma explosão, o francês que segue em recuperação de algumas queimaduras nas mãos e nos pés dará espaço para Pietro Fittipaldi mostrar o seu talento no próximo GP. A corrida será realizada no anel externo do Circuito de Sakhir, novamente no Bahrein, e as voltas poderão ter menos de um segundo. Meus olhos brilharam. Desde 2017 um piloto brasileiro não compõe um grid. A comunidade automobilística ficou em chamas. Eu vi diversos posts sobre a estreia do jovem piloto. Fiquei empolgado demais. Entretanto, senti que algo não estava normal. A camada mais alheia ao esporte, não falou nada. Aquelas pessoas que conhecem nomes como Ayrton Senna e Barrichello, até mesmo Felipe Massa, ou não souberam da notícia, ou os que ficaram sabendo, apresentaram um ponto de interrogação na cabeça, como bons amigos meus quando eu dei a notícia empolgadíssimo. Fiquei cabisbaixo. É um brasileiro no grid. O Brasil tem uma forte tradição no esporte. É, talvez seja realmente o fim da Fórmula 1 como esporte popular. Ou… eu estou completamente enganado.
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Os tempos mudaram muito e o esporte também. Estamos no século XXI. Os ídolos não são mais os mesmos da década de 80/90. Os heróis ganharam novos discursos, novos rostos, se tornaram mais representativos do que nunca. O advento das redes sociais, e, através dela, a democratização da informação e espaço para diversos tipos de vozes falarem, mudou a forma de enxergamos tudo ao redor. Minorias começaram a fazer barulho. Foram notadas. As camadas menos privilegiadas da sociedade conseguem falar um pouco mais e começaram a ocupar lugares mais altos. A TV não conduz mais as massas tanto assim. Estamos na era do questionamento. E isso é incrível. E no meio de todo esse cenário onde novas estrelas representam e falam a realidade sem censura (ou quase), surge um britânico do norte da Inglaterra. Lewis, o único negro da história da Fórmula 1 a conquistar um título com seu poder é além-esporte.
Eu acho impressionante a quantidade de pessoas que eu conheço e não acompanham a Fórmula 1 compartilharem os posts do heptacampeão nos stories do Instagram. São pessoas que diferente de mim e de e você, nunca ligaram a TV num domingo para assistir aquelas máquinas e ouvir o ronco dos motores. Lewis Hamilton mobiliza. Hamilton incomoda e toca na ferida. Seus posts conversam com muitas pessoas. Sua representatividade em causas sociais é surreal. O britânico de 35 anos estampa as capas e perfis que nem sequer mencionam o “motorsport”. Editorias de moda, comportamento, até política falam sobre o popstar. Sua mensagem ressoa muito além dos padoques.
Hamilton levantou uma nova geração de fãs. São pessoas que se identificam com sua história, tão singular, se comparada com as de uma parcela considerável dos pilotos de corrida. São pessoas que se identificam com a sua mensagem. São pessoas que veem no astro, um espelho. Talvez elas olhem para os outros pilotos e não vejam a espécie de herói que reflete no rapaz cuja família vendeu bens materiais, pediu ajuda e trabalhou incansavelmente para transformá-lo nesta figura emblemática. O esforço valeu. O ícone que fala sobre abaixar os custos para ingressar na Fórmula 1, o advento das mulheres na categoria, protestos contra o racismo e pedindo justiça, existe graças a tudo isso. Quantos Lewis que não saíram do zero existem no mundo?
Talvez a Fórmula 1 continue sendo popular. Não do modo como acharíamos que seria, com famílias se reunindo aos domingos como nos tempos do Senna. Mas através de um homem que penetra nas camadas mais sensíveis da sociedade e é o approach entre essas pessoas e este esporte. Nos anos seguintes, talvez os nossos filhos não se refiram a Fórmula 1 com o rosto do Ayrton. Não estou aqui desprezando o que o tricampeão fez. Ele sempre será lembrado, isso é um fato inegável. Senna foi gigante. O que eu quero dizer é que, nós, filhos daqueles que acompanharam a carreira do ídolo nacional tão de perto e choraram com a sua morte, iremos ouvir outros nomes no que se refere a ídolos saindo da boca dos nossos filhos… E quando eles falarem de Fórmula 1, muito provavelmente as tatuagens e os brincos, a extravagância e as formas de protestos tão únicas e históricas, serão as primeiras imagens a se formarem no imaginário daqueles que continuarão a mudar a sociedade e suas estruturas.