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Passo a passo: como Félix da Costa chegou ao título da Fórmula E

Desde que anunciou sua ida para a Techeetah, Antonio Félix da Costa deixou claro que estava indo para uma equipe que lhe daria condições de disputar o campeonato de pilotos. Após quatro anos sofridos na Andretti e outro de resultados inconsistentes no mesmo time que então estava sob a Liderança da BMW, da Costa buscava sua redenção. O fim do vínculo de seis anos com a BMW não fácil de ser quebrado, mas foi um passo importantíssimo para a maior conquista da carreira de da Costa até agora. 

Ainda na pré-temporada, no longínquo outubro de 2019, o português constantemente marcou tempos melhores que os do companheiro de equipe, já demonstrando que estava realmente disposto a brigar de igual para igual. Mas muita coisa pode mudar até as luzes se apagarem pela primeira vez e Félix da Costa aproveitou cada momento.

BERLIM

Para 23 pilotos, o objetivo era um só: alcançar Antonio Félix da Costa. O piloto #13 da Techeetah chegou a Berlim com vantagem de apenas 11 pontos para Mitch Evans. A dupla da BMW, Lucas di Grassi e Stoffel Vandoorne o seguiam de perto também. Matematicamente, todos ainda tinham chance de levar o título, mas precisavam passar pela muralha portuguesa primeiro. Durante todo tempo, da Costa manteve os pés no chão, nas vezes em que foi perguntado sobre seu principal adversário, a resposta era uma só: “todos os outros 23 caras”, presente na categoria desde a primeira temporada, o português sabia que nada estava decidido ainda, qualquer coisa poderia acontecer.

Consciente do potencial do carro e do seu próprio, Félix da Costa não desapontou. Duas vitórias nas primeiras duas corridas da super final deram a ele uma vantagem tão grande que fez os adversários desistirem. “Acho que nenhum de nós está pensando no Antonio agora”, declarou Stoffel Vandoorne em uma das coletivas de imprensa após a primeira rodada. Àquela altura, a vantagem de 68 pontos para o segundo colocado era tão grande que cada piloto concorrente teve que arrumar outro objetivo para seguir. 

Além do próprio talento, Félix da Costa contou com a sorte de campeão para conquistar o campeonato. Isso porque seus principais adversários acumularam problemas durante o Festival de Berlim, nenhum deles conseguiu ser constante nas seis corridas, principalmente nas quatro primeiras, antes de o português colocar a mão na taça. 

Mitch Evans basicamente sumiu da disputa, a perda de rendimento do seu Jaguar foi tanta que ele só pontuou em 3 das 6 corridas. Chegar uma vez em 9º e duas em 7º (além de fazer uma volta mais rápida) não contribuiu muito para o crescimento do neozelandês na competição e no final, ele ficou apenas em 7º no geral. A queda da dupla da BMW foi ainda maior, Max Guenther chegou a vencer a corrida de sábado, mas teve três abandonos e não pontuou nas outras duas. Alexander Sims não ofereceu qualquer perigo, foram apenas 3 pontos em 6 corridas. No geral, 9º lugar para Guenther e 13º para Sims. 

O fraco desempenho dos adversários diretos de da Costa permitiu que outros nomes chegassem para a briga. Quem cresceu mesmo foi a dupla da Nissan, Oliver Rowland venceu a penúltima corrida e se viu como postulante ao título de vice-campeão. Sebastien Buemi foi para o pódio três vezes e também entrou na disputa pelo segundo lugar geral. No fim das contas, o suíço ficou em quarto lugar apenas um ponto à frente do companheiro de equipe. 

Lucas di Grassi lutou enquanto pôde, chegou a andar bem em treinos livres e foi ao pódio na segunda corrida e a ficar temporariamente – para sua própria surpresa – na segunda colocação geral. O próprio Lucas reconheceu a importância de estar constantemente na zona de pontuação e acumular o que for possível, mas di Grassi foi vítima da própria inconsistência. Em apenas 3 vezes, o brasileiro largou dentro do top 10. Fazer corridas de recuperação custa caro para o campeonato porque o piloto quase nunca consegue pontuações altas no final da prova. O 6º lugar geral deixou di Grassi fora do top 3 no campeonato de pilotos pela primeira vez. 

O dono real do vice-campeonato foi Stoffel Vandoorne, a conquista improvável veio após a vitória na última etapa do campeonato. Nesse mesmo dia, o belga foi pole e liderou a dobradinha da Mercedes na bandeirada final e os pontos conquistados em outras 3 corridas em Berlim para fazer 87 x 86 em Vergne. Na entrevista exclusiva de Ian James para o Boletim do Paddock, o chefe da equipe Mercedes disse que tinha descoberto como superar as dificuldades e chegar ao 3º lugar entre os construtores. James se fez misterioso, mas a verdade é que não há segredos, basta ser consistente. 

Na terceira das seis corridas de Berlim, Félix da Costa precisava de um terceiro lugar para ser campeão. Chegou em 4º, após largar em 9º, a corrida foi vencida por Max Guenther e teve Jean-Eric Vergne largando da pole position e chegando em terceiro. Mas era tarde demais para todos eles, no dia seguinte da Costa conquistou o título e a Techeetah viveu um domingo perfeito: Vergne venceu a corrida, da Costa chegou em segundo e a equipe conquistou o bicampeonato de construtores. Um verdadeiro sonho!

Mas a realidade é que o título de Félix da Costa foi a coroação de um trabalho bem desenvolvido e bem executado durante todo o campeonato. Por diversas vezes, inclusive no pódio após a conquista do campeonato, da Costa elogiou o incansável trabalho da Techeetah e o quanto todos são dedicados à excelência de resultados. Como se diz por aí, o automobilismo é o esporte individual mais coletivo que existe e não existe um grande campeão sem uma grande equipe como suporte. A Techeetah tem muito mérito por ter escolhido dois grandes pilotos, talvez outro no lugar do português não tivesse obtido o mesmo sucesso, mas a forma como a equipe conduziu seus dois leões à vitória também foi decisiva para a conquista de todos. 

Sim, obviamente a tal da “sorte de campeão” foi uma grande companheira de Félix da Costa nessa jornada, mas nem de longe ela ofusca o brilho de suas próprias conquistas. Da Costa brigou quando tinha que brigar, venceu quando tinha que vencer e foi inteligente quando sabia que “só” precisava disso para chegar onde queria. E grande campeões se fazem assim, eles se adaptam ao ambiente em que estão inseridos e criam as melhores estratégias para a sua sobrevivência. 

Como se ser um grande piloto não fosse suficiente, Da Costa ainda é um grande ser humano. Sua personalidade leve o coloca como o piloto mais amigável de todo o grid da Fórmula E. Da Costa é o dito cara legal, por muitos é considerado um cara legal até demais. É comum dizerem por aí que “caras legais não vencem”. “Talvez seja verdade”, afirma da Costa, “Talvez eu não vença tanto quanto os outros, mas eu venci”, completou o campeão. 

Para citar bons exemplos apenas de Berlim, após sua primeira vitória em Berlim, o piloto pediu licença para falar em português e mandou um recado para a família de Helder Moreira, seu compatriota trabalhava na montagem do circuito de Berlim quando sofreu um acidente e faleceu antes mesmo de o Festival começar. Na última corrida, da Costa percorreu o grid para que todos os pilotos assinassem o colete usado por Helder, peça que seria entregue à família do montador.

O “cara legal” Antonio Félix da Costa ligou para a mãe logo depois do pódio no domingo. Ele ainda agradeceu às duas grandes equipes que o ajudaram a trilhar seu caminho: a Red Bull – da qual fazia parte do programa de pilotos até 2013 quando foi preterido por Danill Kvyat – e a BMW – por quem pilotou durante seis anos em diversas categorias. Da Costa já havia falado sobre essas duas marcas em diversas outras ocasiões, mas lembrá-las nominalmente imediatamente após a conquista de seu primeiro título, mostra que o português não esquece suas origens e reconhece a importância de ter passado por tantos desafios antes de chegar ao topo. Mesmo quase tendo desistido, mesmo quase tendo rejeitado entrar na Fórmula E ainda em 2014, da Costa acreditou em si mesmo e nós precisamos ser gratos por isso. 

Como comentei no Twitter, o único defeito dessa conquista do Antonio é que o público não pôde estar presente, ele realmente merecia uma festa completa com um mar de gente para comemorar sua conquista. Não deu para ser em Tempelhof, então improvisaram a recepção no aeroporto em Portugal, o piloto encontrou sua torcida após retornar das 6 horas de Spa pelo WEC. Pois é, ele não para. 

É muito bom ter um Antonio Félix da Costa. Em um ambiente tão competitivo e, por muitas vezes, mesquinho como o do automobilismo é importante saber que caras legais também estão lá para nos lembrar que pessoas boas também consegue vencer. O mundo precisa de mais Antonios Félix da Costa sim. Reconheça e aprecie quando encontrar um. 

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