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O Líbio

Dia 94 dos 365 dias mais importantes da história do automobilismo – Segunda Temporada.

Marj é uma cidade no norte da Líbia, à beira do Mediterrâneo. Ela fica mais perto da Grécia e do Egito do que da capital Trípoli, e suas raízes são igualmente cosmopolitas: começou como uma colônia grega no norte da África, tornou-se depois um povoado de cristãos primitivos no século III, passando então a ser romana. Recebeu este nome atual após ser reconstruída – um grande terremoto destruiu praticamente toda a cidade e matou grande parte da população em 1963, quando ainda chamava-se Barce. Entre 1913 e 1941 era parte da colônia italiana na Líbia, e foi lá que, em 21 de dezembro de 1935, nasceu Lorenzo Bandini.

Fonte: Pinterest

Quando tinha quatro anos a família Bandini mudou-se para a Bota, para os arredores de Florença, para cuidar de um pequeno hotel. O pai de Lorenzo gostava de mecânica, e o pequeno bambino desenvolveu uma paixão por motores desde então. Infelizmente, Bandini pai também tinha opiniões políticas fortes, e foi assassinado por seu passado como partigiano durante a guerra.

Com 15 anos e órfão Lorenzo saiu de casa e buscou emprego em Milão. Acabou encontrando muito mais do que isso na oficina de Goliardo Freddi. Vendo que o garoto corria bem de moto, seu Goliardo resolveu patrociná-lo e testá-lo nos automóveis. Já em 1958, pilotando um Lancia, vence em sua categoria na Mille Miglia.

Nessa mesma época a Itália estava perdendo seus maiores ídolos no esporte a motor; no espaço de poucos anos faleceram Eugenio Castellotti, Luigi Musso e Alberto Ascari. A carência por um novo nome era grande, e os olhos estavam voltados para a Fórmula Junior (que de certo modo foi o embrião da F3). E Bandini conseguiu uma boa vaga na equipe Stanguellini (duvido você falar isso em voz alta sem juntar as pontas dos dedos da mão e aponta-los para o alto), onde entrou no radar de Enzo Ferrari.

Il Comendatore havia decidido inscrever quatro carros na temporada de 1961. Phil Hill, Von Trips e Richie Ginther tinham três vagas garantidas, e o quarto assento iria para um italiano bom de braço. Bandini disputou a vaga com Giancarlo Baghetti, mas acabou sendo preterido (Baghetti venceu as três primeiras corridas que disputou, em Siracusa, Nápoles e Reims. Depois não fez mais nada).

Ser cogitado na Ferrari já credencia um piloto a outras equipes, e Lorenzo conseguiu uma vaga na Scuderia Centro Sud, para guiar seus Cooper-Maserati. Estreando em Spa (onde abandonou por falha mecânica), ele conseguiu um 12º na Inglaterra, um abandono na Alemanha e um bom oitavo lugar em Monza. Com a derrocada de Baghetti, Bandini foi chamado para assumir um posto na Ferrari em 62, e começou muito bem, com um pódio em Mônaco na sua primeira prova, atrás apenas de Bruce McLaren e do companheiro Phil Hill. Pena que a estratégia da Rossa na época era ter cinco pilotos contratados e três carros, então só Hill tinha vaga garantida. Bandini repetiu o abandono na Alemanha e o oitavo na Itália, mas na maior parte do ano o velho Enzo o deixou correndo com os carros esporte da equipe.

Fonte: Brian Watson

Lorenzo se dava bem fora da Fórmula 1, e em 1963 ganhou as 24 Horas de Le Mans ao lado de Ludovico Scarfiotti. Ganhou também o tesouro mais precioso de seu velho amigo e patrocinador: casou-se com Margherita Freddi, filha do Goliardo da oficina. Com mais uma ótima participação na Targa Florio (ficou com a segunda colocação geral), e uma boa quinta colocação na Inglaterra, correndo de F1 emprestado para a Centro Sud, a Ferrari achou melhor segurar o astro em ascensão e lhe garantiu assento no grid na segunda metade do campeonato. Mais dois quintos lugares (EUA e África do Sul) lhe renderam um total de 6 pontos e a décima posição no campeonato.

O ano de 1964 foi quando teve sua melhor atuação. Correu, ao lado de John Surtees, todas as provas do campeonato. Um começo de temporada regular foi seguido por excelentes apresentações após o GP da Inglaterra até que, há exatos 24 anos, em 23 de agosto de 1964, finalmente provou o sabor do champanhe na altitude do maior degrau do pódio, ao vencer o Grande Prêmio da Áustria, após sair da oitava posição no grid. Bandini ainda amealhou mais três pódios na terceira posição, na Alemanha, na Itália e no México.

Esta última corrida do campeonato, inclusive, foi decisiva para a definição do campeão, e o italiano da Ferrari teve participação fundamental: disputando posição com Graham Hill, postulante ao título, entrou várias vezes na curva colado à BRM do inglês, até que acabaram se tocando, o que jogou Hill para o fim do pelotão, acabando com suas chances. Houve quem levantasse a lebre de que o toque teria sido proposital, mas a maior parte do grid, Graham inclusive, declarou enfaticamente que Bandini não seria capaz de fazer algo parecido. Nas voltas finais, após o líder Jim Clark abandonar a prova e a esperança de título, os mecânicos da Ferrari começaram a agitar as mãos como loucos: se Lorenzo cedesse a segunda posição para Surtees, que vinha logo atrás, faria do companheiro de equipe o vencedor do campeonato de 64. Bandini abriu para que Big John se tornasse o único campeão em duas e quatro rodas da história, e Lorenzo comemorava a quarta colocação geral.

Fonte: Getty Images

Altas expectativas abriram a temporada de 1965, porém a Ferrari não foi páreo para Jim Clark naquele ano, e apenas um segundo lugar em Mônaco e a tão perseguida vitória na Targa Florio salvaram o ano. Outro bom começo em 66 (segundo novamente no principado e terceiro em Spa) acabou não rendendo os resultados esperados. Com a saída de Surtees, Bandini era agora o primeiro piloto da Scuderia, e sabia que os holofotes estavam sobre ele. Não só repórteres o procuravam, mas até o diretor de cinema John Frankenheimer, que estava filmando o clássico “Grand Prix”, veio pedir seus conselhos sobre o melhor local para encenar um grande acidente em Mônaco. “Tem que ser na saída do túnel, na chicane do porto”, Lorenzo falou. “Se tem um lugar para um acidente cinematográfico naquele circuito, é ali.”

Lorenzo continuava correndo com os carros esporte, e no início de 1967 venceu as 24h de Daytona e os 1.000 km de Monza, ambos com seu novo companheiro de equipe e melhor amigo, Chris Amon. Na Fórmula 1, a Ferrari não participou da abertura do campeonato, na África do Sul, mas estava no grid na corrida seguinte, em Mônaco. Vindo de dois anos seguidos na segunda colocação, Lorenzo não esperava menos do que a vitória em seu circuito predileto. Uma boa classificação na primeira fila, atrás apenas de Jack Brabham, parecia auspiciosa. Logo na segunda volta sua Ferrari escorrega em um pouco de óleo deixado na Loews e ele cai para a quinta colocação, mas a corrida teria 100 voltas, então Lorenzo rema pelo pelotão e consegue, mesmo num traçado reconhecidamente difícil de ultrapassar, voltar à segunda posição, e sai à caça de Denny Hulme. Na volta 82 acontece a tragédia.

Fonte: Pinterest

Exatamente na chicane do porto indicada para o filme, Bandini perde o controle do carro e bate com a roda traseira esquerda no guard-rail; ele é jogado sobre as barreiras de feno que impediam os pilotos de cair no mar, porém seu carro bate em um mastro de ferro onde se amarravam navios e é devolvido para a pista de cabeça para baixo. Este impacto com o mastro é tão grande que amassa o cockpit na altura do quadril, impedindo Bandini de sair do carro, além de lhe quebrar várias costelas. Muito pior, a colisão racha o tanque de combustível, e as fagulhas do atrito com o asfalto transformam o carro vermelho em uma bola de fogo.

Os comissários de pista não usavam proteção contra incêndio, então não conseguiam chegar perto da Ferrari flamejante para desvirá-la e tentar salvar o piloto. Pior, a corrida não foi neutralizada, e os carros continuavam passando por ali em alta velocidade, desviando dos destroços. Após cerca de cinco minutos o fogo amainou, e o carro foi desvirado. Bandini ainda vivia, miraculosamente, mas estava desacordado e tinha mais da metade do corpo coberta por queimaduras de terceiro grau. Ainda durante o resgate, um helicóptero da imprensa chega perto demais e o vento causado por suas hélices reaviva as chamas, fazendo com que os comissários larguem Lorenzo para trás enquanto se protegem, seu capacete calcinado e seu corpo ainda em chamas. Uma cena dantesca, uma morte descrita como a pior já ocorrida na categoria, algo ainda mais grotesco do que o que aconteceria no futuro com Niki Lauda.

Bandini ainda foi levado para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu três dias depois. Seu funeral foi acompanhado presencialmente por 100 mil tiffosi, e seu corpo foi enterrado na Milão onde sua carreira de piloto começou. Aos 31 anos, numa época romântica da Fórmula 1, quando os carros ingleses ainda eram verdes, os franceses eram azuis e o vermelho da Ferrari procurava um ídolo italiano, Lorenzo Bandini foi embora rápido demais.

lll FORA DAS PISTAS

Em 1989, na data de hoje, Tim Berners-Lee ativa a primeira versão da World Wide Web, então podemos dizer que a internet que leva o Boletim do Paddock e estes textos maravilhosos até você está de aniversário. Também nasceram nesta data o gênio Nelson Rodrigues, a linda e eterna Paula Toller e Keith John Moon, um dos melhores bateristas de todos os tempos, responsável pela cozinha do The Who. Fiquemos com um exemplo do que ele conseguia fazer:

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Carlos Eduardo Valesi

Velho demais para ter a pretensão de ser levado a sério, Valesi segue a Fórmula 1 desde 1987, mas sabe que isso não significa p* nenhuma pois desde meados da década de 90 vê as corridas acompanhado pelo seu amigo Jack Daniels. Ferrarista fanático, jura (embora não acredite) que isto não influencia na sua opinião de que Schumacher foi o melhor de todos, o que obviamente já o colocou em confusão. Encontrado facilmente no Setor A de Interlagos e na sua conta no Tweeter @cevalesi, mas não vai aceitar sua solicitação nas outras redes sociais porque também não é assim tão fácil. Paga no máximo 40 mangos numa foto do Button cometendo um crime.

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