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O gato borralheiro da Toscana

Série 365: O gato borralheiro da Toscana - 02ª Temporada: dia 302 de 365 dias. Por: Eduardo Casola Filho

Chegar à Fórmula 1 é uma tarefa hercúlea, especialmente para quem não é nascido em berço de outro. Ter um bom contato e boas relações podem ajudar a adquirir algumas vagas. No entanto, nem sempre a oportunidade vem em uma escuderia competitiva. Às vezes, a chance vem e vai como uma brisa.

Um sujeito que penou, mas que escreveu sua história (Wikipedia)

Entre o fim da década de 1980 e no começo dos anos 1990, houve muitos pilotos que passaram pela F1 na expectativa de uma chance de verdade, em um carro competitivo, mas muitos desses sonhos foram devastados ao longo do período. Ainda assim, teve quem conseguiu um momento mais satisfatório, ainda que com um sabor agridoce.

A trajetória de Nicola Giuseppe Larini é uma daquelas marcadas por mais momentos de sofrimento e dissabores, mesmo em seus melhores dias. No entanto, a carreira do italiano merece ser valorizada pela perseverança e por atuações de garbo nas pistas, mesmo diante das adversidades.

O italiano nascido em 19 de março de 1964 em Lido di Camaiore, na região de região da Toscana, foi um prodígio ascendente no automobilismo local durante a década de 1980, com destaque ao título da Fórmula 3 do País da Bota em 1986 e uma participação na F3000, ambos pela equipe Coloni.

A escuderia de Enzo Coloni estava pensando em um passo adiante no automobilismo e o caminho natural seria a Fórmula 1. Assim, a Coloni diminuiu suas atenções nas divisões de base e passou a focar na disputa para a categoria máxima dos monopostos ainda em 1987. Para ter condições de tocar o projeto, a equipe italiana disputaria apenas duas provas no segundo semestre (os GPs da Itália e da Espanha) e colocou Larini para correr, sendo a estreia tanto da esquadra, como do piloto da Toscana.

Um início discreto pela Coloni (Projeto Motor)

O começo foi difícil. Em Monza, o primeiro carro da Coloni, o CF187, usaria o motor Ford Cosworth DFZ aspirado, numa época em que boa parte das equipes tinham propulsores turbo. Numa pista de alta velocidade, o inexperiente conjunto italiano não foi páreo para a concorrência, e acabou não se classificando. Mas na etapa seguinte, em Jerez, Larini conseguiu se classificar em 26º e pôde participar de uma corrida. A experiência durou oito voltas, até a suspensão do bólido arriar.

Após o começo discreto, Larini recebeu o convite de outro Enzo, no caso, Enzo Osella (sim, o nome Enzo, tão popular entre as mães brasileiras nesta década, é um nome bem tradicional em território italiano, principalmente entre os homens de negócio do meio automobilístico) proprietário de uma escuderia mais estabelecida na F1 para guiar o carro da esquadra de Turim em 1988.

Contudo, esta seria uma troca de seis por meia-dúzia: A Osella era a típica equipe nanica que vendia o almoço para pagar a janta e, ao longo dos anos 80, andou sempre nas últimas colocações. Para completar a miséria, o carro de 1988 não poderia ter nome mais apropriado. Nicola teria que guiar o Osella FA1L, alcunha facilmente relacionado à palavra inglesa FAIL (fracasso). Não era um indício auspicioso.

Um carro FAIL até no nome (Projeto Motor)

Larini (ainda com o carro de 1987, o FA1I) não conseguiu se classificar no GP do Brasil, em Jacarepaguá, e a escuderia foi excluída da etapa de San Marino por irregularidades técnicas na instalação do motor. Mas em Mônaco, Nicola mostrou serviço: conseguiu se classificar para a corrida e, além disso, terminou a prova num honroso nono lugar.

O problema é que à medida em que a temporada avançava, o carro “honrava” a fama do nome FA1L e tinha muitas dificuldades de se classificar, incluindo o rebaixamento da Osella para a temível pré-classificação na metade de 1988. Larini não conseguiu passar da classificação duas vezes e foi eliminado na pré-classificação em duas ocasiões. O italiano só viu a bandeirada de chegada mais uma vez até o fim do ano (12º em Portugal).

Chegado o ano de 1989, a Osella finalmente jogou fora aquela jabiraca aurinegra e resolveu projetar um bólido com aparência e aerodinâmica mais refinadas. O FA1M parecia mais promissor, porém com o grid aumentando de 31 para 39 carros, a concorrência seria maior e mais equilibrada para ficar entre um dos 26 pilotos que largariam em um grande prêmio, ou mesmo para ser um dos 30 que buscariam se classificar.

Larini conseguiu passar pela peneira da pré-classificação e se classificou em 18º em Jacarepaguá, mas a corrida acabou em apenas dez voltas por causa de um erro de posicionamento causado por um mecânico afobado, que indicou a posição do carro mais à frente do grid do que o correto, acarretando na desclassificação do italiano. Cáspita!

Na etapa seguinte, em Ímola, Larini arrancou um honroso 14º lugar no grid e chegou a andar até na zona de pontos, mas as limitações do equipamento derrubaram o ritmo do italiano e, faltando poucas voltas para o fim, a suspensão quebrou na freada da Rivazza, levando o Osella em direção ao muro após umas rodadas, para frustração de Nicola.

Depois de não se classificar para a prova de Mônaco, Larini rumou para a América em grande estilo, pois parecia que a grande oportunidade da carreira viria a acontecer. Eu explico: Na etapa de San Marino, Gerhard Berger quase virou churrasco após estatelar sua Ferrari 640 na Tamburello e o bólido vermelho transformar-se em uma bola de fogo. O austríaco estava fora do GP de Mônaco e, dificilmente participaria das provas na América do Norte (México, Estados Unidos e Canadá).

Cesare Fiorio, então chefe de equipe da Ferrari, viu que Larini tinha capacidade de fazer algo legal com o carro do cavalinho rampante, ainda mais depois do piloto italiano ter um desempenho satisfatório em testes privados em Fiorano, e o convidou para disputar pelo menos o GP do México. Nicola topou o convite e viajou para a terra dos Astecas, dos Tacos e do Chaves do 8 em grande estilo, viajando de primeira classe.

Porém, o sonho de Cinderela do nosso personagem chegou ao fim. Afinal, Berger chegou no México com o atestado médico e garantiu que estava pronto para sentar no cockpit do carro em formato de Coca-Cola. Com a porta de Maranello fechada (naquele momento), o jeito foi Larini voltar à Osella e tentar a sorte com a carroça mesmo. (e isso que sua escuderia já havia até escalado Enrico Bertaggia para o lugar de Nicola, mas voltou atrás após o retorno do titular)

A jornada na América foi frustrante. No México e em Phoenix, duas eliminações na pré-classificação. Já no Canadá, a coisa parecia ser diferente. O italiano conseguiu o 15º tempo no grid, deixando para trás nada menos que Nelson Piquet. No chuvoso domingo de Montreal, Larini se esquivou das confusões e chegou a ocupar na 22ª volta um inacreditável terceiro lugar, andando na frente da poderosa McLaren de Ayrton Senna!

Larini merecia melhor sorte em Montreal (Grand Prix Archives)

O brasileiro logo superou Nicola, mas o italiano sustentava bem o quarto posto e podia perfeitamente sonhar com um pódio histórico a bordo da Osella! Só que um maldito problema elétrico no 33º giro destruiu seu sonho! Uma maldade completa!

Depois do show em Montreal, Larini teve momentos de altos e baixos, mas sempre recheado de problemas e mais problemas. Nas classificações, Nicola obteve dois estupendos 11º lugares nos grids de Jerez e de Adelaide. No entanto, as corridas terminaram mal, com um acidente feio na Espanha e um motor que morreu na largada da Austrália.

Depois de comer um cesto de pães que o diabo amassou na Osella, estava na hora de voos mais altos. Nicola conseguiu um convite da tradicional Ligier para competir em 1990. Enfim, uma equipe mais estabelecida e chance de fazer uma temporada mais digna.

Mas o destino parecia ser cruel com Larini. Naquele ano, a escuderia francesa estava mal financeiramente e apenas deu uma recauchutada no JS33, lançando a versão B para 1990. Nicola mostrou bastante regularidade, classificando e terminando as corridas (viu a bandeirada em 13 das 16 etapas daquele ano). O problema era a falta de desempenho do carrinho francês.

A sorte seguia não acompanhando Larini (Motorsport Images)

Os melhores resultados de Larini foram dois sétimos lugares, em Jerez e em Suzuka, além de cinco décimos lugares, em Ímola, Silverstone, Hockenheim, Estoril e Adelaide. Se fosse no regulamento atual, Nicola teria somado módicos 17 pontos, o lhe colocaria em 16º na tabela de 2018, por exemplo. No entanto, como era o ano de 1990 e apenas os seis primeiros pontuavam, a seca continuava para o italiano.

Chegado 1991, Nicola resolveu apostar em uma escuderia novata. O projeto até parecia promissor. Mauro Forghieri, ex-Ferrari, trabalhou como projetista de motores Lamborghini para a F1, tendo clientes equipes como Larrousse e Lotus. O engenheiro italiano recebeu a proposta de um empresário mexicano chamado Fernando González Luna para montar uma escuderia na categoria máxima com apoio indireto da fábrica do touro miúra. Seria a tentativa da marca se consolidar dentro do palco no qual a grande rival, a Ferrari, tinha um grande histórico.

Todavia, os problemas começaram ainda em 1990 (estranha esta volta no tempo, mas eu explico), afinal o tal do González Luna era um escroque de primeira e tinha seu nome na Interpol como um dos chefes do tráfico de drogas na América Latina. No fim, o mexicano foi preso e a ideia da equipe sofreu um abalo.

Modena (ou Lambo): bonito, mas ordinário (Rodrigo Mattar)

Forghieri correu atrás de algum mecenas que pudesse manter a equipe. No fim conseguiu um apoio do italiano Paolo Patrucco, empresário da cidade de Modena. Assim, a escuderia semioficial da Lamborghini se chamaria Modena Team, embora ninguém a chamasse assim. Isto porque o GC oficial da FOM o batizava com o nome de Lamborghini e todo mundo no paddock a chama simplesmente de Lambo. Simpático, não?

Com o Modena 291, um dos carros com design mais diferentes da história (e na humilde opinião deste escriba, um dos mais belos carros da F1 em todos os tempos), Larini bateu na trave em pontuar na primeira corrida da equipe em 1991, com mais um sétimo lugar, em Phoenix.

Entretanto, o que o carro tinha de bonito, tinha de problemático. Sem estabilidade e com um conjunto bem complicado, Larini padeceu da falta de rendimento e só conseguiu se classificar para mais quatro corridas, abandonando duas e terminando outras duas lá para depois do fim do mundo. Aquela seria a última temporada completa de Nicola, sem nenhum resultado que fizesse jus à sua capacidade.

Sem vaga efetiva, Larini descolou um emprego na Ferrari, como piloto de testes, atuando no desenvolvimento da suspensão ativa para os carros da escuderia. Além disso, Nicola foi competir pela equipe oficial da Alfa Romeo no Campeonato Italiano de Turismo, sendo o campeão de 1992.

Além da conquista na Bota, Larini enfim teve sua oportunidade para valer na Casa de Maranello. Como a chefia da Ferrari estava cansada do desempenho pífio de Ivan Capelli, optou-se por defenestrar o piloto ex-March e dar uma chance para Nicola nas corridas finais de 1992, no Japão e na Austrália.

Até quando veio a chance na Ferrari, foi na hora errada… por enquanto (Motorsport Images)

Contudo, o F92A era um dos carros mais tristes e bisonhos da história da Ferrari e Larini teve que guiar uma jabiraca vermelha, que até era melhor que as Osellas ou a Lambo do passado, mas que estava longe de ser um bólido competitivo. No fim, um 11º e um 12º foi tudo que ele conseguiu nas duas corridas.

Em 1993, além de focar no trampo de piloto de testes, Nicola seguiu ligado à Alfa Romeo. A empreitada do italiano seria nada menos que o Deutsche Tourenwagen Meisterschaft, ou simplesmente DTM, o Campeonato de Turismo da Alemanha.

A grande virada na carreira, pela Alfa (FlatOut)

Larini guiaria o lendário Alfa DTM 155, um dos carros de turismo mais lendários da história. O modelo usado pela Scuderia Alfa Corse era bem moderno na épcoa, com tecnologia no nível da F1 e conceitos de aerodinâmica bem avançados, inclusive com uma versão do que poderia ser um difusor soprado, elemento que só seria usado nos monopostos por volta de 2010, sobretudo nas mãos de Adrian Newey.

Com um carro avançado, Larini se imôs mesmo diante de companheiros de equipes mais experientes, casos de Alessandro Nannini e Christian Danner, e encarou nomes consagrados do certame alemão, como Bernd Schneider e Klaus Ludwig. Com consistência e vitórias arrasadoras, Nicola somou 261 pontos e foi o único piloto da história da DTM a ser campeão por um carro não-alemão. Finalmente, um final feliz no conto de fadas da Toscana.

Mas a história ainda não tinha acabado. No começo de 1994, Jean Alesi sofreu um grave acidente em testes privados. Larini foi chamado para uma nova oportunidade na Ferrari. Como 412T1 era um bólido bem mais decente que o F92A, as chances de finalmente somar pontos na F1 surgiam à vista.

A primeira corrida foi no circuito japonês de Aida, no Japão, em prova válida pelo GP do Pacífico. Nicola largava em sétimo e tinha boas chances de chegar aos pontos, mas a oportunidade acabou desperdiçada logo na largada. O italiano se enroscou no meio do pelotão e saiu da pista, atingindo a Williams de Ayrton Senna (já na caixa de brita), o que acabou com a corrida de ambos.

No entanto, a corrida seguinte finalmente recompensaria seus esforços. Larini largou em sexto e (literalmente) sobreviveu aos percalços daquela etapa. Nicola não superou apenas a Benetton de Michael Schumacher, mas completou a prova em segundo. Não só somou seus primeiros pontos, como conseguiu subir ao pódio!

Enfim, a glória! Mas no pior dia possível! (Wikipedia)

Um resultado redentor e que merecia ser celebrado. Porém, infelizmente não houve clima para festa diante de tal feito, pois a prova em questão foi o fatídico GP de San Marino de 1994, realizado no Autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Ímola no dia 1º de maio daquele ano. Bom, acho que não precisa explicar o motivo, né?

Com Alesi recuperado, Larini deixou a F1 e voltou a se dedicar à DTM, com vitórias ocasionais na categoria alemã e na divisão internacional conhecida como Internetional Touring Car Championship, o ITC, uma das competições mais legais que existiu. Nicola inclusive ganhou uma das provas realizadas no Autódromo de Interlagos em 1996, em duelo com Max Wilson,

Lamentavelmente, os custos elevados levaram à debandada de todas as montadoras, o encerrou a primeira fase da DTM e o fim prematuro do ITC. Sem uma categoria internacional para competir, Larini ganharia do Grupo Fiat mais uma oportunidade de mostrar suas habilidades na F1.

A chance em questão foi na Sauber, que passaria a ser em 1997 uma equipe B da Ferrari. Como a esquadra suíça precisava de um piloto para completar seu plantel, Larini foi oferecido pela casa de Maranello. Seria mais uma chance na categoria de monopostos, após quase três anos de ausência.

O italiano até começou bem sua jornada, com um sexto lugar na abertura da temporada, na Austrália. No entanto, o desempenho dele não empolgava tanto Peter Sauber e Nicola não se sentiu bem no ambiente da equipe. Após vários desentendimentos, Peter Sauber lhe deu o bilhete azul após o GP da Espanha, quinta etapa do mundial, e assim, com 75 participações em grandes prêmios, 49 largadas efetivas, sete pontos e um pódio, a carreira de Larini na F1 chegava ao fim.

Na Sauber, um ponto e muitas brigas (Motorsport.com)

Larini voltou para os campeonatos de turismo, sendo uma figura marcante no WTCC por muitos anos, primeiro pela Alfa Romeo, e entre 2005 e 2009 pela Chevrolet. Após a temporada de 2009, Nicola resolveu pendurar o capacete.

O italiano voltou ao seu país, atuando como dirigente de competições de ciclismo e ralis na Bota. De vez em quando ainda volta a dar suas aceleradas. Em 2017, chegou a participar de uma prova da NASCAR Whelen Euro Series, divisão europeia da categoria, correndo pela equipe de Alex Caffi, colega dos tempos de F1.

Fonte: Yahoo Esportes

Nicola Larini não teve uma carreira extensa em termos de conquistas, mas teve feitos marcantes. Mesmo em dias de penúria, obteve seus momentos de realeza nas pistas.

Fontes: Stats F1, Wikipedia, Rodrigo Mattar, Projeto Motor (link 1 e link 2), FlatOut

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