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A primeira festa de Jacarepaguá

Série 365: A primeira festa de Jacarepaguá - 02ª Temporada: dia 253 de 365 dias. Por: Eduardo Casola Filho

O Brasil vivia um período de entressafra no automobilismo no fim da década 1970. Com a perda de José Carlos Pace e as dificuldades da empreitada dos irmãos Fittipaldi em manter uma equipe de Fórmula 1. Além disso, a edição do GP em Interlagos no ano de 1977 foi considerado um desastre em termos de organização e na estrutura do autódromo. A realização de provas da categoria máxima do automobilismo em território tupiniquim estava em risco e uma nova praça seria necessária para cobrir essa lacuna.

A primeira festa de Jacarepaguá, com cortesia de Fittipaldi

Por sorte, havia uma em plenas condições no Rio de Janeiro. Em uma área na zona oeste da capital fluminense, um autódromo foi construído em 1966, em princípio chamado de “Autódromo Nova Caledônia”, o circuito sobreviveu às ameaças de ser demolido ainda no começo da década de 1970 e foi reformado e reinaugurado, agora com o nome do bairro e do principal lago da região.

Um novo cenário para a F1 (GP Expert)

Assim, o Autódromo de Jacarepaguá foi escolhido para receber o GP do Brasil de 1978. Nos dias 27, 28 e 29 de janeiro, a Cidade Maravilhosa receberia os principais carros e os principais pilotos do automobilismo mundial pela primeira vez em competições oficiais.

O circo da Fórmula 1 chegava em terras cariocas no meio do calor colossal típico do verão brasileiro para a segunda etapa daquele campeonato. O favoritismo era da Lotus, com seu revolucionário modelo 79, que demonstrou muita força na etapa argentina. A principal oponente era a Ferrari, que estava iniciando sua parceria com a Michelin como fornecedora de pneus, enquanto a maioria ainda usava os compostos Goodyear.

Dentre as demais equipes, o destaque ia para a Copersucar Fittipaldi. A escuderia comandada por Wilson Fittipaldi Júnior e Emerson Fittipaldi vinha confiante na evolução da equipe com o F5A, bólido projetado para aquela temporada. A corrida em Jacarepaguá era a chance de dar um basta nas críticas e nas gozações por conta do desempenho pífio nos primeiros anos. Aquela etapa seria uma grande oportunidade.

Na primeira classificação, realizada na sexta-feira, Emerson provou que a Copersucar não estava para brincadeira e levou o carro amarelo número 14 a um surpreendente terceiro lugar. Todos dentro da escuderia brasileira sonhavam com a ratificação do resultado da primeira sessão ou até a garantia da primeira fila na segunda parte, que se realizara no sábado.

Entretanto, o dia seguinte lhe trouxe dissabores. No início da sessão classificatória, o semieixo do F5A quebrou perto da entrada dos boxes. Emerson tentou empurrar o carro até os boxes e pediu a ajuda dos fiscais. Todavia, o diretor de prova, Mário Patti avisou os fiscais que se ajudassem Fittipaldi, o mesmo poderia ser desclassificado.

Sábado de decepções para Fittipaldi (Memória F1)

Emerson se desesperou e começou a discutir com os fiscais, especialmente o chefe daquele setor, conhecido pela alcunha de Pulguinha. Apesar do corpanzil avantajado de Pulguinha, o Rato não se intimidou e desceu uns pescotapas no fiscal. No fim, além de não conseguir recuperar o carro na pista, Fittipaldi levou uma multa de US$ 2,5 mil pela briga.

O tempo perdido custou-lhe algumas posições. Sem participar da classificação no sábado, Emerson ficou com o sétimo tempo, atrás das Lotus (Ronnie Peterson, o pole, e Mário Andretti, terceiro); das McLaren (James Hunt, segundo, e Patrick Tambay, o quinto); e das Ferrari (Carlos Reutemann, quarto, e Gilles Villeneuve, sexto).

Apesar de não ter se destacado na classificação, a escuderia de Maranello tinha um às na manga para a corrida: a combinação do verão carioca com os pneus Michelin. No warm-up, os carros vermelhos enfiaram dois segundos na concorrência calçada com Goodyear. O resultado deixou os engenheiros da fabricante estadunidense em desespero.

Com Michelin, Reutemann sobrou (GP Expert)

De volta à Copersucar, o domingo começou complicado para a equipe brasileira, após a descoberta de um grave problema no motor Ford Cosworth do carro titular. Sem tempo hábil para mexer no propulsor, a escuderia recorreu ao carro reserva para participar da corrida.

Apesar de ter o mesmo acerto do bólido titular, pairavam dúvidas sobre como o F5A reserva se portaria naquelas condições. O patrão Fittipaldi entrou no carro e foi para a pista para uma volta de instalação antes de definir se voltava para os boxes ou alinhava direto no grid. Emerson foi direto para sua posição na grelha de partida e, quando questionado pelo irmão Wilson e pelo projetista Ricardo Divila sobre o estado do bólido, o piloto não hesitou: “O carro-reserva está melhor que o outro”.

Na largada, as impressões de pilotos e equipes se confirmaram: Reutemann se aproveitou da melhor aderência do pneu Michelin em meio ao calor senegalês e pulou na ponta logo na primeira curva, para não ser mais importunado até o final da prova. Para o argentino foi uma vitória tranquila com mais de 50 segundos de vantagem para o segundo colocado. Contudo, como Lole foi um personagem bem discreto naquela corrida, nem precisamos citar mais a sua participação. Entenderão o porquê.

Além de Reutemann, quem largou bem foi justamente Emerson, que superou Tambay e Villeneuve na largada. Fittipaldi segurou o canadense nas primeiras quatro voltas, mas Gilles estava com um ritmo melhor, com os pneus Michelin e logo superou o brasileiro.

Emerson apenas acompanhou a distância o duelo entre Villeneuve e Peterson, que havia caído para quarto nas primeiras voltas. Os dois arrojados pilotos passaram pela Reta Oposta roda com roda e, ao chegar à Curva Sul, o canadense saiu do trilho e escapou da pista, cedendo novamente o quinto lugar à Fittipaldi.

Na sequência, os pneus de Hunt começaram a abrir o bico, levando a McLaren a despencar até abandonar. Emerson se aproveitou e pegou mais uma posição. Então, foi a vez de Peterson não se entender com a borracha, enquanto Emerson conseguia uma tocada mais econômica, mas que era bem mais eficiente, e na 12ª volta, o brasileiro era o terceiro colocado.

Enquanto Peterson sofria com os pneus, Villeneuve resolveu atacar de novo, mas a briga acirrada não terminou bem. O canadense tentou passar na curva sul e os dois se tocaram e saíram da pista. Pior para o sueco que abandonou com a roda traseira direita danificada. Já Gilles teve que parar nos boxes e perdeu muito tempo. O ferrarista bem que tentou se recuperar, mas o seu carro teve problemas crônicos nos freios e após uma escapada, a corrida de Gilles chegava ao fim na volta 35.

A torcida foi o combustível extra para a Copersucar (Contos da F1)

De volta à epopeia da Fittipaldi, Emerson passou boa parte da prova próximo à Mario Andretti. Entretanto, chegou um momento na prova em que o brasileiro reduziu o ritmo, ao sentir uma vibração no volante, afinal aquele era um resultado inédito para a equipe e havia a concorrência de Niki Lauda, ainda se adaptando pela Brabham, que vinha descontando a diferença.

Então, o Rato percebeu um burburinho na arquibancada. Estava todo mundo empurrando e apoiando o carro amarelo número 14. O motivo era que a Lotus de Mario Andretti tinha problemas de câmbio e perdia rendimento volta a volta, o que era percebido pelo público de forma nítida.

Emerson entendeu o recado e partiu para o ataque. Na volta 57, faltando seis para o fim, o brasileiro colou no ítalo-americano e, novamente no final da Reta Oposta, assumiu a segunda posição, levando o público ao delírio. Sem a quarta marcha e com muitas dificuldades, Andretti ainda ficou fora do pódio a ser superado por Lauda.

As voltas finais foram de pura expectativa para o público presente no autódromo carioca. A transmissão da TV mostrava Fittipaldi curva a curva levando seu bólido com cuidado. Na reta final, o público não se aguentava. Centenas de pessoas estavam em volta da reta dos boxes esperando apenas pela chegada do carro amarelo.

Quando o Copersucar F5A Ford Cosworth cruzou a linha de chegada, uma emoção indescritível tomou conta de todos. A pista era invadida de todas as formas. O público que estava na arquibancada pulsava saudando o bicampeão mundial de Fórmula 1. Aquele era o melhor resultado da história da escuderia brasileira. Não havia um funcionário da equipe que não tenha se emocionado com aquele momento.

Emerson saiu do carro emocionado. Para ele, por suas próprias palavras, foi uma emoção maior do que qualquer uma de suas 14 vitórias na categoria máxima do automobilismo. Aquele segundo lugar com a Copersucar foi o momento que representou o reencontro das alegrias dos brasileiros com as glórias nas pistas.

Infelizmente, aquele foi o ponto mais alto da Fittipaldi Automotive em qualquer fase da empreitada. Uma sina que representou bem a desordem que imperou no esporte a motor no Brasil, aliada ao deboche e a falta de apoio de torcida e mídia. O caos que segue o automobilismo em terras tupiniquins ao longo dos anos.

Justa esta desordem que levou Jacarepaguá à mutilação e, posteriormente, à morte. Tudo em nome de um legado de elefantes brancos, deixando o Rio de Janeiro carente de um circuito de nível elevado para a prática ao esporte a motor. E tendo como última esperança um projeto em Deodoro, condenado pela afronta ao meio ambiente e pelas desconfianças sobre a sua viabilidade para ser um palco útil à sociedade.

Propaganda da Copersucar após o resultado histórico (Rodrigo Mattar)

Enfim, ficam lembranças de um tempo de esperanças e de coragem, aonde as apostas arriscadas, a teimosia, a competência, a frieza e a dedicação foram recompensadas com uma atuação de gala que encheu o torcedor de orgulho e alegria. Talvez uma dose disso é o que o Brasil precisa para recuperar os dias de glória, como naquela tarde quente de verão no Rio de Janeiro.

Fontes: Stats F1, Contos da F1, Memória F1, Blog Autódromo de Jacarepaguá, Rodrigo Mattar (link 1, link 2 e link 3)

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