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O caipira francês turbocharged

05 de Novembro, e o caipira francês turbocharged - Dia 168 de 365 dias dos mais importantes da história do automobilismo

Vinte e oito anos atrás, em 05/11/1989, o GP da Austrália de Fórmula 1 encerrava a temporada de maneira controversa após a célebre batida na prova nipônica, e também marcava a despedida de um francês que foi a cara do esporte nos anos 80.

Nascido em 04 de julho (não, não é o Tom Cruise) de 1948 em Pontcharra, aos pés dos Alpes franceses e no meio do caminho entre Mônaco e Magny-Cours, René Alexandre Arnoux cresceu nessa cidadezinha de menos de 10.000 habitantes. A infância pobre, o jeito tímido e a voz desafinada e com forte sotaque do interior lhe renderam anos de bullying, inclusive dentro do paddock. Mas o francês baixinho e de rosto redondo dava a resposta dentro das pistas.

Arnoux sempre foi um “tête de carburant”, embora tenha demorado a decidir seguir o caminho de piloto profissional. Aos 25 anos comprou um Martini MK11 e foi disputar os campeonatos francês e europeu de Fórmula Renault; o nacional ele venceu tranquilo, e no europeu, após um empate em pontos com Patrick Tambay, ficou com o título por ter maior número de vitórias.

Estes sucessos na temporada de estreia fizeram times maiores ficarem interessados. Arnoux não aceitou correr a temporada completa de 1974 da Fórmula 2 pela Elf, mas participou de uma prova com a equipe para sentir o ambiente, terminando num belo quarto lugar no GP de Nogaro. Em 75 correu e venceu a Fórmula Super Renault, derrotando o então campeão Didier Pironi.

Não dava mais para negar os convites para se tornar um piloto profissional. Para continuar falando a língua de Voltaire, fechou contrato com a Elf e foi ser companheiro de equipe de Jean-Pierre Jabouille, Patrick Tambay e Michel Leclère na Fórmula 2 em 1976. Com a equipe dominando o grid, René venceu quatro das doze provas, mas perdeu o título por um ponto para Jabouille, que foi mais consistente. Arnoux viria a dar o troco no companheiro mais tarde, na Fórmula 1. No ano seguinte, com Jabouille e Tambay na categoria principal, René venceu o campeonato da F2, disputando com Didier Pironi e Eddie Cheever.

Chegava a hora de subir de fase, porém o ano de début de Arnoux na F1 não foi fácil. Começou o campeonato correndo pela Martini, mas o time não conseguiu dinheiro para se manter na disputa até o final. Conseguindo um assento na Surtees para as duas últimas provas do campeonato, o francês só trocou uma equipe falida por outra em falência, e com três nonos lugares o mundo não se impressionou muito com o francês. Tendo fechado as portas de duas equipes já na chegada à categoria, seu futuro era como o de João de Santo Cristo, incerto. Ele pensou em se mudar para F2 Japonesa, porém novamente a Marselhesa falou mais alto.

Renault 1979 em Jarama, no GP da Espanha. FONTE: Pinterest

Seu velho rival Jabouille já vinha desenvolvendo os motores turbo da Renault há dois anos e, pouco antes do início da temporada de 79 lembrou do conterrâneo e achou que o estilo de pilotagem de Arnoux casaria bem com a equipe, que pela primeira vez inscreveria dois carros no campeonato. O time tinha grandes expectativas, porém não foi tão bem no campeonato como queria. A única vitória do ano veio com Jabouille na França, a primeira de um motor turbo na história. Mas foi também nesta prova que Arnoux deu o troco no companheiro de equipe, pois ninguém lembra que Jean-Pierre venceu naquele dia, no que ficou eternizado como A Batalha de Dijon. Trocando de posição com Villeneuve sete vezes nas últimas voltas, René conseguiu seu primeiro pódio com aquele terceiro lugar e um lugar na galeria das lendas do esporte graças ao show. Com mais dois segundos lugares na Inglaterra e nos Estados Unidos, Arnoux terminou o campeonato no oitavo lugar, com 17 pontos, oito à frente de Jabouille.

Em 1980, a primeira vitória, e com tempero brasileiro: Arnoux terminou em primeiro lugar em Interlagos, e repetiu a dose na África do Sul, liderando o campeonato mundial. Porém a falta de confiabilidade das chaleiras amarelas o alijou da disputa, e o piloto terminou o ano em sexto lugar, com 29 pontos e novamente bastante à frente do companheiro de equipe. Infelizmente para Arnoux as coisas iriam ficar um tanto quanto mais difíceis dentro de casa.

Em 1981 a Renault dispensou Jabouille e trouxe Alain Prost para fazer dupla com Arnoux. Os dois nunca se deram bem, e Prost terminou esta temporada e a de 1982 à frente. Era hora de René trocar de ares, e uma esperança surgiu em vermelho para ele.

FONTE: MemoriaF1

A Ferrari resolveu testar uma dupla francófona para a temporada de 1983, e apresentou como companheiros os antigos rivais Arnoux e Tambay. Fora das pistas ambos eram amigos, e seu estilo de pilotagem agradava aos tifosi. Porém a falta de resultados fez a rádio paddock cantar uma possível demissão de Arnoux na metade do campeonato. Ele respondeu da mesma forma que fazia com os bullies: venceu as corridas do Canadá, da Alemanha e da Holanda, colocando-se na disputa do campeonato. Não conseguiu fazer frente à Piquet e Prost, mas a terceira colocação geral calou os críticos de plantão. Pena que a vitória em Zandvoort seria a última de sua carreira. Em 1984, com as McLaren de Prost e Lauda dominando, Arnoux não conseguiu sequer uma pole, mas fez algumas corridas incríveis, como a de Dallas, onde largou dos boxes devido a uma falha elétrica e escalou o pelotão em meio aos muros de concreto do circuito para terminar em segundo, a última vez que tomaria champagne no pódio. Depois de terminar o campeonato num melancólico sexto lugar, e questionando se queria continuar a fazer aquilo, Arnoux até participou da abertura da temporada de 1985 no Brasil, onde conseguiu um quarto lugar, contudo tanto ele quanto a Ferrari queriam testar algo diferente, e uma separação amigável foi anunciada. Arnoux ainda é muito querido em Maranello, participando com frequência de eventos da Scuderia.

FONTE: Deviantart

Depois de tirar um ano sabático, René retornou à Fórmula 1 em 1986 para pilotar novamente os motores Renault turbo, agora na Ligier. Com um carro não competitivo, três vezes em quarto lugar e uma décima posição no campeonato foi tudo o que podia fazer. O ano seguinte foi ainda pior: ao invés do esperado motor 4 cilindros turbo da Alfa Romeo, uma desistência de última hora da montadora italiana obrigou a Ligier a passar o ano com uma jabiraca chamada Megatron, que era feito de qualquer jeito pela BMW. Um sexto lugar em Spa impediu tanto Arnoux quanto a Ligier de passarem o ano zerados. Com o fim do turbo chegando, em 88 a Ligier tentou melhorar com um V8 da Judde, mas o carro era um desastre completo e Arnoux e Stefan Johansson passaram o ano tentando mantê-lo na pista. A Ligier se juntou às potências Lola, Coloni, Osella, Zakspeed e outros bichos no grupo dos que não pontuaram na temporada.

Arnoux já não queria mais participar da brincadeira, mas mesmo assim correu a temporada de 1989. Correu, aqui, é força de expressão: frequentemente no final da fila, Arnoux começou a ser marcado como um piloto sem vontade, que bloqueava carros mais rápidos durante as classificações e não respeitava as bandeiras azuis na corrida. Frequentemente víamos um trenzinho atrás da Ligier – Prost, por exemplo, ficou fulo da vida com o ex-companheiro de equipe que não facilitou a vida do Professor quando estava tomando volta, custando um tempo precioso na briga entre ele e Senna durante o Grande Prêmio de Mônaco. Ainda assim, no GP do Canadá um miraculoso quinto lugar fez Arnoux completar 181 pontos na carreira. Sua despedida foi também melancólica, em Adelaide, quando foi obliterado pela Arrows de Eddie Cheever na quarta volta.

Ligier 1989, no GP do Brasil. FONTE: Reddit

Hoje, com 69 anos, René Arnoux é proprietário de uma rede de karts indoor chamada Kart’in, com quatro pistas na França.

“René tinha um lugar especial que visitava às vezes, quando o lag do turbo era alto e só havia uma volta a fazer. Então ele olhava para o abismo e dançava com o destino. Dezoito vezes isso lhe deu uma pole position que dava medo de olhar. A maneira com que ele atirou sua Ferrari do fim do grid para a segunda posição em Dallas, em 1984 – um monstro a 290 km/h que flanava entre as paredes de concreto – foi incrível. E apenas Arnoux poderia ter lutado aquela batalha legendária com Villeneuve em Dijon”. Mark Hughes

FORA DAS PISTAS

“Remember, remember, the 5th of November

The gunpowder, treason and plot;

I know of no reason, why the gunpowder treason

Should ever be forgot.”

Em 5 de novembro de 1605 Guy Fawkes foi preso, após ter-se descoberto seu plano de explodir o parlamento inglês. A história rendeu o ótimo V de Vingança, escrito por Alan Moore e depois transformado em filme em 2006.

Completam translações hoje Art Garfunkel, o brother do Paul Simon, o garoto do interior Gram Parsons, a andrógina e excelente atriz inglesa Tilda Swinton, o cirurgião americano Atul Gawande, que escreveu o maravilhoso livro Mortais (leiam, leiam!), o comentarista de F1 da BBC5 James Allen.

E, voltando à Londres, foi em um 05 de novembro, em 1977, que um gerente de uma loja da Virgin Records foi preso por colocar na vitrine uma propaganda com o novo álbum dos Sex Pistols, o fundamental Never Mind The Bollock’s, Here’s The Sex Pistols. Esse tem que estar na sua discoteca básica. Fiquemos com Anarchy in the U.K., que é o que Guy Fawkes queria.

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Carlos Eduardo Valesi

Velho demais para ter a pretensão de ser levado a sério, Valesi segue a Fórmula 1 desde 1987, mas sabe que isso não significa p* nenhuma pois desde meados da década de 90 vê as corridas acompanhado pelo seu amigo Jack Daniels. Ferrarista fanático, jura (embora não acredite) que isto não influencia na sua opinião de que Schumacher foi o melhor de todos, o que obviamente já o colocou em confusão. Encontrado facilmente no Setor A de Interlagos e na sua conta no Tweeter @cevalesi, mas não vai aceitar sua solicitação nas outras redes sociais porque também não é assim tão fácil. Paga no máximo 40 mangos numa foto do Button cometendo um crime.

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