365 Dias
Tendência

A toda velocidade nas ruas do Jardim América, a primeira corrida de carros na Cidade de São Paulo

Série 365: 12 de Julho de 1936 - A toda velocidade nas ruas do Jardim América, a primeira corrida de carros na Cidade de São Paulo - 01ª Temporada: dia 52 de 365 dias.

Década de 30, as corridas de carro começam a se popularizar e atrair cada vez mais atenção do público. O Brasil já sediava desde 1933 a maior prova automobilística da América do Sul, o GP Cidade do Rio de Janeiro, disputado no circuito da Gávea, também conhecido como trampolim do diabo, uma espécie de GP Brasil daqueles tempos, a prova tinha caráter internacional e atraía grandes nomes de outros países, além de contar com as grandes estrelas do incipiente automobilismo nacional. Empolgados com o sucesso da prova disputada na então capital do país, os paulistanos decidiram que sua cidade precisava sediar um GP.

Jornal Estado de São Paulo da época dando destaque ao evento. Fonte: Estado de São Paulo

As ruas do Jardim América, já nos anos 30 bairros nobre da capital paulista, foram escolhidas para abrigar o circuito. O traçado de 4,2 kms iniciava-se na Avenida Brasil, altura da Praça América, acelerando até virar à direita e tomar a Rua Canada, seguia por esta até dobrar uma curva de raio longo a esquerda e atingir a Rua Chile (atual Avenida Nove de Julho), aceleravam então pela maior reta do circuito até entrarem a esquerda na Rua Estados Unidos e mais uma vez a esquerda ganhavam de novo a Rua Canada, avançando por ela até dobrarem a direita na Avenida Brasil, seguindo por esta no sentido contrário a largada até o retorno na Rua Atlântica, de volta ao sentido inicial até a Praça América. Um traçado relativamente simples que misturava longas retas com fortes freadas e curvas de 90 graus. Bem mais curto que o circuito da Gávea permitiria que os espectadores vissem mais vezes os carros passando.

Traçado usado para a prova. Fonte: @Tumblr
Traçado usado para a prova. Fonte: @Tumblr

A Scuderia Ferrari estava no Brasil, pois havia disputado a prova da Gávea, e ficou para a disputa do GP de São Paulo graças ao apoio financeiro de Sabbado D’angelo, proprietário da marca de cigarros Sudam. O comendador não veio ao Brasil, mas sua equipe estaria na capital paulista com os experientes e renomados Carlo Pintacuda e Atílio Marione. O argentino Vittorio Coppoli que havia vencido na Gávea e a francesa Helle Nice também eram atrações internacionais da prova. Manuel de Teffe, Chico Landi e Nascimento Jr eram os grandes expoentes nacionais do evento. A expectativa criada em torno da prova foi enorme, afinal São Paulo finalmente teria o seu GP e o público local poderia finalmente ter a fantástica experiência de assistir uma corrida de carros ao vivo.

O circuito foi demarcado com cordas e fardos de feno.

ll As instruções ao público eram as seguintes:

– Não atravessar a pista;

– Não forçar as cordas da Avenida Brasil;

– Não estacionar nos canteiros centrais da pista;

– Não auxiliar os concorrentes;

– Acatar as ordens da polícia e da direção de prova.

ll O regulamento esportivo apresentava algumas das seguintes regras:

– Os carros não poderiam ter propaganda;

– Era obrigatório o uso de espelho retrovisor;

– Os carros deveriam ser pintados com as cores do país do piloto concorrente;

– As capotas deveriam estar presas por uma cinta de couro além da trava original;

– Os pneus deveriam ser “praticamente” novos.

Boxes improvisados. Fonte: @Tumblr

20 máquinas foram inscritas para a prova e a posição de largada de cada um e também o número de cada carro foi definido por sorteio, o grid para a largada seguindo a tradição da época apresentava as filas impares com 3 carros e os pares com 2 carros ficou assim:

[[[ 1ª Fila:

#2 – Augusto Mac Carthy (Chrysler);

#4 – Lourenço Ferrão (Ford);

#6 – Vittorio Coppoli (Bugatti);

[[ Fila:

#8 – Manuel de Teffe (Alfa Romeo 8C 2300)

#10 – Armando Sartorelli (Sacre)

[[[ 3ª Fila:

#12 – Irahy Correa (Bugatti)

#14 – Alfredo Braga (Studebaker)

#16 – Seraphin Almeida (Ford)

[[ 4ª Fila:

#18 – Luiz Mastrogiacomo (Ford)

#20 – Chico Landi (Fiat)

[[[ 5ª Fila:

#22 – Oliveira Junior (Ford)

#24 – Antonio Lage (Hispano Suiza)

#26 – Vittorio Rosa (Hispano Suiza)

[[ 6. Fila:

#28 – Virgilio Lopes Castilho (Ford)

#30 – Luís Tavares de Moraes (Plymouth)

[[[ 7ª Fila:

#42 – Nascimento Jr (Ford)

#34 – Hellé Nice (Alfa Romeo 8C 2900)

#36 – Domingos Lopes (Bugatti)

[[ 8ª Fila:

#38 – Carlo Pintacuda (Alfa Romeo 2900 A)

#40 – Attilio Marione (Alfa Romeo 2900 A)

Uma curiosidade sobre o sorteio: o número 12 inicialmente havia saído para Carlo Pintacuda, mas este por saber que dispunha do melhor equipamento da competição trocou de número e de posição no grid com Irahy Correa, sendo assim as 2 Alfa da Scuderia Ferrari partiriam da última fila.

Fotomontagem de A Tribuna exibe os principais corredores: Teffé, Nice e Pintacuda. Fonte: Wiki

Domingo, 12 de julho de 1936, as 9:30 hrs da manhã o sonho se tornava realidade, era dada a largada para a primeira das 60 voltas do I Grande Prêmio Cidade de São Paulo. Uma entusiasmada multidão de cerca de 150 mil pessoas se espelhava ao redor da pista. 19 máquinas ganharam as ruas do Jardim América, Alfredo Braga não largou pois havia trocado de carro e seu novo bólido não havia sido inspecionado pela organização. Coube a Chico Landi a honra de liderar a primeira volta nas ruas de São Paulo, o Fiat número 20 era seguido por Vittorio Coppoli, Helle Nice, Manuel de Teffe, Augusto Mac Carthy, Lourenço Ferrão, Luís Tavares de Moraes, Carlo Pintacuda, Nascimento Jr, Vittorio Rosa, Domingos Lopes e Armando Sartorelli, para delírio do público o pelotão da frente contava com 12 carros e era liderado por um brasileiro.

Fonte: @Estadao

O primeiro a abandonar foi o carro 30 de Luís Tavares de Moraes, já na segunda volta. Carlo Pintacuda assumiu a ponta ainda na terceira volta, mostrando que além de dispor do melhor equipamento tinha também muito braço, afinal partira da última fila. Na quarta volta Attilio Marione já era o segundo, fazendo assim uma dobradinha para a Ferrari, a seguir vinham Helle Nice, Manuel de Teffe, Chico Landi e Vittorio Coppoli. Na quinta volta aconteceu algo que poderíamos chamar de “jogo de equipe”, o motor de Marione havia morrido e este fora literalmente empurrado por seu companheiro de equipe Pintacuda até que o carro de Marione pegasse “no tranco” e voltasse a prova, porém em 8º lugar.

A esta altura Carlo Pintacuda começava a abrir uma confortável vantagem na liderança, e a segunda posição era disputada ferrenhamente por Manuel de Teffe e Helle Nice cujo Alfa Romeo era chamado de pássaro azul. Na décima volta Marione em uma recuperação impressionante já era o 4º colocado. O argentino Vittorio Coppoli vencedor da Gávea e um dos favoritos em São Paulo abandonou na 12º volta. 14 bólidos ainda seguiam na pista. Marione mostrando que os Alfa da Ferrari estavam em excelente forma voltou a 2º colocação.

Fonte: @Estadao

Volta 29, Attilio Marione vai aos boxes para reabastecer voltando em 4º lugar. O italiano iniciou então seu show particular começando a literalmente voar nas ruas paulistanas, baixando a marca da melhor volta de 2″18 para 2″12 estabelecendo o recorde do circuito na volta 40. Volta 34, o líder Pintacuda para nos boxes, muitos imaginavam que sua Alfa teria problemas e o italiano abandonaria a prova, mas o piloto pediu apenas um cigarro e voltou a acelerar rumo a uma vitória nas ruas de São Paulo. Volta 50, Helle Nice também vai aos boxes para reabastecer e perde o 3º lugar para Manuel de Teffe. Daí até a volta 60, a volta final, a prova transcorreu sem grandes mudanças.

Por volta de 12:00 hrs Carlo Pintacuda foi o primeiro a cruzar a linha de chegada, sagrando-se vencedor do I Grande Prêmio Cidade de São Paulo, a dobradinha da Ferrari foi completada com a segunda colocação de Attilio Marione. Helle Nice e Manuel de Teffe vinham travando uma bela disputa pelo terceiro lugar, a francesa tentava a todo custo superar o brasileiro.

A poucos metros da linha de chegada, a piloto francesa emparelhou tentando ultrapassar Teffe pela esquerda. Reza a lenda que alguns espectadores na tentativa de ver melhor a bela disputa apoiaram-se nos fardos de feno fazendo com que alguns destes caíssem na pista bem à frente do Alfa Romeo azul que fez de tudo para tentar evitar a colisão, mas infelizmente a tragédia se abateu sobre o evento que até ali havia sido perfeito. O pássaro azul projetou-se desgovernado contra as proteções de feno atropelando vários expectadores, a própria Helle Nice fora arremessada para fora do carro, vale lembrar que não havia cinto de segurança naqueles tempos. O saldo da tragédia: 5 mortos e 35 feridos.

A disputa entre Nice e Teffé, com o acidente. Fonte: Wiki

Mesmo com o final trágico da prova disputada nas ruas do Jardim América, a prova havia sido um sucesso e os paulistanos não poderiam mais deixar de ter o seu GP. Dada a gravidade do acidente surgiu a idéia e a necessidade da cidade de São Paulo ter um local fechado para as disputas automobilísticas, nascendo então o projeto da construção do Autódromo de Interlagos, o primeiro autódromo da América do Sul e que colocou a cidade para sempre no cenário automobilístico mundial. Uma incrível história ocorrida há 81 anos.

Placar instalando para informar as posições dos pilotos. Fonte: @Estadao

ll Classificação Final do GP Cidade de São Paulo:

1º – Carlo Pintacuda: 60 voltas

2º – Attilio Marione: 60 voltas

3º – Manuel de Teffe: 58 voltas

4º – Helle Nice: 58 voltas

5º – Vittorio Rosa: 56 voltas

6º – Nascimento Jr: 54 voltas

7º – Virgilio Lopes Castilho: 53 voltas

8º – Augusto Mac Carthy: 53 voltas

ll Carros que abandonaram:

Chico Landi: 50 voltas

Oliveira Junior: 50 voltas

Luiz Mastrogiacomo: 48 voltas

Domingos Lopes: 45 voltas

Serafim Rodrigues: 28 voltas

Lourenço Ferrão: 19 voltas

Vittorio Coppoli: 12 voltas

Antonio Lage: 7 voltas

Armando Sartorelli: 4 voltas

Irahy Correa: 3 voltas

Luiz Tavares Moraes: 1 volta

Alfredo Braga não largou

Este texto foi um dos mais especiais, difíceis e prazerosos que já escrevi. Trata-se de meu 50º post no Boletim do Paddock e fico muito feliz que tenha sido justamente a primeira corrida de carros ocorrida na cidade onde nasci e que tanto amo a ilustrar uma marca tão especial. Meu agradecimento especial a: Rubens GP Netto e Debora Almeida por me proporcionarem a chance de escrever para o BP, Erika Prado parceira de gravação no Fim do Grid e BP, Fernando Campos mentor da maravilhosa série BP 365, Erik parceiro do BP, Bruno Shinokasi pela chance de participar do Fim do Grid, Sergio Siverly, Carlos Valesi e Carlos Del Valle do Podcast F1 Brasil por me inspirarem e mostrar que sempre podemos dar nossa contribuição. De fã solitário que eu era até maio de 2014 a 50 posts sobre automobilismo publicados, 16 participações no podcast Fim do Grid e mais importante pela chance de conhecer tantos cabeças de gasolina, vamos trocar os pneus e voltar a pista, que venham mais 50 posts. Gratidão a todos que de alguma maneira participaram desta conquista.

lll A Série 365 Dias Mais Importantes do Automobilismo, recordaremos corridas inesquecíveis, títulos emocionantes, acidentes trágicos, recordes e feitos inéditos através dos 365 dias mais importantes do automobilismo.

Mostrar mais

Cristiano Seixas

Wikipédia da Fórmula 1, um dos maiores intelectuais do automobilismo, Cristiano Seixas é um dos mais antigos apoiadores dos produtores de conteúdo e deixa aqui no BP uma pequena porção do seu conhecimento para as futuras gerações!

Deixe uma resposta

Botão Voltar ao topo